Portugal está entre os melhores na resposta à pandemia, mas ainda há 10 perguntas a fazer

A 2 de março de 2020 foram diagnosticados em Portugal os primeiros casos de infeção por SARS CoV-2. Ao fim deste tempo, ainda há dúvidas? O DN desafiou o ex-coordenador do Gabinete de Crise Contra a Covid-19 da Ordem dos Médicos, Filipe Froes, a responder a várias perguntas sobre o tema. E, afinal, há questões em aberto, que até podem nunca ter resposta, porque a "Mãe Natureza" é mesmo assim. O desafio, agora, é saber lidar com o vírus para se poder "ganhar o futuro".

Numa conferência de imprensa da então ministra da Saúde, Marta Temido, com a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, e o presidente do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, Fernando Almeida, o país ficava a saber que a 2 de março tinham sido diagnosticados os primeiros casos de covid-19 no nosso território.

O primeiro, um médico de 60 anos que tinha estado no Norte de Itália, de férias, e que começou a ter sintomas a 29 de fevereiro. O segundo, também homem, de 33 anos, tinha estado em Valência, Espanha. Ambos foram internados em unidades hospitalares do Porto, apesar de o seu estado de saúde estar estável, mas o receio do que poderia acontecer assim o ditou.

A partir desta data, não mais houve sossego, a vida individual foi condicionada e o verdadeiro impacto ainda está por determinar. O medo, esse, regressa sempre que há um aumento de casos, seja em que parte do mundo. Porquê? O pneumologista e ex-coordenador do Gabinete de Crise Contra a Covid-19 da Ordem dos Médicos, Filipe Froes, diz que a resposta é simples e factual. "É uma pandemia como não houve outra igual, nem a da Gripe Espanhola. Dura há três anos e isso diz tudo da sua gravidade. Se tivesse sido noutro século, o seu impacto teria sido ainda mais dizimador".

Ao fim destes três anos, o balanço que faz é de que a comunidade mundial se saiu bem, e houve algo revelador. "Nos momentos mais difíceis as populações souberam distinguir o essencial do acessório. Esta pandemia foi sobretudo um desafio às respostas em comunidade". Em relação a Portugal diz: "O envolvimento e a adesão da população enchem-me de orgulho". Três anos, três fases da doença e entramos na fase de "ganhar o futuro", mas ainda há perguntas e respostas que a comunidade científica continua a procurar. Aqui ficam mais 10 perguntas.

Três anos depois de terem sido diagnosticados os primeiro casos em Portugal, antes de a OMS ter decretado estado de emergência mundial por causa do SARS CoV-2 a 11 de março, ainda se continua a questionar a origem deste: se terá sido naturalmente ou através da fuga de um laboratório. É uma pergunta sem resposta?

É uma questão que é debatida desde o início da pandemia, mas o que temos ouvido ultimamente é o ressurgimento da possibilidade de ter sido por uma fuga de laboratório. Mas esta hipótese só está a ser colocada agora por parte de entidades ou de políticos norte-americanos. Falta ouvir o que é mais importante neste contexto, que é a opinião das organizações científicas internacionais, Organização Mundial da Saúde e centros de deteção e controlo de doenças dos EUA e da Europa. Eu diria que a "Mãe Natureza" tem dado provas de que é capaz de fazer desenvolver este e outros microorganismos, não precisando de fugas laboratoriais. Mas é indispensável continuar-se a investigar para se tentar saber a origem e evitar ocorrências futuras. Precisamos é de ter confiança na ciência e ter também a noção de que, muitas vezes, estas situações não se esclarecem. Veja-se o Ébola. Os primeiros casos de impacto deste vírus foram descritos há 40 anos e continuamos sem saber qual foi o seu hospedeiro e a sua origem - a única vantagem em relação ao SARS CoV-2 é que nas zonas em que tem havido Ébola não há laboratórios de segurança nível 4, como há em Wuhan, na China.

Tendo o vírus sido identificado na China (final de 2019) e dadas as restrições que as autoridades têm colocado no acesso à informação, será possível algum dia ter essa resposta?

Essas restrições só favoreceram as suspeitas, mas penso que vai ser muito difícil saber-se a origem do vírus, porque tanto pode acontecer no mundo natural como da fuga de um laboratório, embora queira acreditar que os níveis de segurança num laboratório de nível quatro são de tal maneira rigorosos que é muito pouco provável que esta seja a sua origem. Se foi, é muito grave e demonstra uma total falta de rigor e de metodologia numa instituição que tem de fazer da segurança o seu cartão de visita.

O que nos diz a evolução do vírus?

A evolução do vírus deixou-nos em pandemia durante três anos em pleno século XXI, apesar de todo o arsenal terapêutico e laboratorial ao nosso dispor, o que é um sinal de gravidade. Tivemos uma pandemia em 2009 que não teve, nem de longe nem de perto, esta duração nem o mesmo impacto profundo a nível individual, da humanidade e do Planeta Terra. Se esta pandemia tivesse ocorrido há séculos, ou no século passado, o seu impacto seria dizimador. Teria sido uma doença muito mais agressiva e, se calhar, teria suplantado o impacto da Gripe Espanhola. A situação que vivemos agora é fruto do avanço científico. Foi a primeira vez que se conseguiu fazer, e quase em tempo real, a evolução do vírus, que se foi modificando, de acordo com as necessidades de sobrevivência que as medidas de combate mundial lhe foram impondo.

O combate mundial funcionou?

Sim, sem qualquer dúvida. O combate teve três grandes fases. A inicial corresponde ao primeiro ano da pandemia, de monitorização e vigilância permanente do vírus, com a adoção de medidas não farmacológicas, que permitiram ganhar tempo até ao desenvolvimento de uma solução, que foram as vacinas. A segunda, no ano dois, foi marcada pela forte implementação das vacinas, que permitiram o regresso à normalidade. E, agora, no terceiro ano, estamos na fase de estabilização e de progressiva normalização, que chamaria de ganhar o futuro. E ganhar o futuro é saber lidar com este novo vírus respiratório, além dos já existentes, com mais previsibilidade e menos incerteza. O que provavelmente nos levará a novos sistemas de vigilância à escala global, a reforços vacinais, provavelmente em combinação com outras vacinas para outros microorganismos.

A pandemia está a acabar?

Sim. Em abril, vai haver uma reunião da OMS para avaliar a evolução epidemiológica, sobretudo na China, mas o que se verificou até agora, é que, apesar da explosão de casos neste território decorrentes do fim da estratégia de zero casos e do seu impacto em termos de morbilidade, mortalidade e de pressão nos serviços de saúde, não estamos perante linhagens de variantes que possam pôr em causa o estado de proteção à escala global já existente. A informação recolhida revela que as linhagens detetadas na China já teriam circulado na Europa, pelo que já havia algum grau de imunidade, quer natural quer vacinal. Diria mesmo que há a forte possibilidade, e se tudo continuar a correr como até agora, que, em abril, a OMS iniciará um conjunto de medidas necessárias para decretar o fim da pandemia.

Chegados a essa fase, quais devem ser as preocupações em relação ao SARS-CoV-2 e que caminho deve ser seguido?

A nível mundial, devem ser reforçados os mecanismos de vigilância de vírus e epidemiológica para se ter capacidade de prever as mutações expectáveis ao longo do tempo e poder-se preparar o desenvolvimento de vacinas e identificar os grupos de risco atreitos a esta nova doença.

Em relação a Portugal, o que ainda é preocupante? O vírus ou as sequelas do vírus?

Começam a ser mais preocupantes as sequelas do vírus. Temos tido dois tipos de sequelas. As mais imediatas, que, muitas vezes, não são devidamente associadas à infeção pelo SARS-CoV-2, e as de longo prazo. As mais imediatas foram verificadas em estudos realizados a base de dados gigantescas de doentes e têm revelado que a infeção levou a um aumento do risco de fenómenos tromboembólicos e ao aumento de complicações cardiovasculares, mesmo em indivíduos que não necessitaram de hospitalização. Tem-se vindo a verificar também um aumento no aparecimento de outras patologias em doentes que não as tinham previamente. Por exemplo, há estudos que demonstram haver um aumento de doentes com diabetes após infeção por SARS CoV-2, resultante da destruição das células pancreáticas no decurso da história inflamatória. Depois, temos as sequelas a longo prazo, queixas de cansaço, adinamia, tosse crónica e algumas situações de falta de ar para o exercício. Isto é o que nos tem aparecido mais em consulta hospitalar, mas, no início, também houve queixas de perda do olfato e do paladar, de cabelo, de alterações do sono, dificuldade em adormecer ou acordar precocemente, e alguma incapacidade em manter a concentração durante períodos prolongados.

"Se esta pandemia tivesse ocorrido há séculos, ou no século passado, o seu impacto seria dizimador. Teria sido uma doença muito mais agressiva e, se calhar, teria suplantado o impacto da Gripe Espanhola."

Ainda há risco de as pessoas que são agora infetadas com o vírus de desenvolverem longo covid?

Sabemos que com a sublinhagem da Ómicron é menos frequente desenvolver longo covid do que foi com outras variantes, que a vacinação também diminuiu de forma significativa a evolução para o longo covid e que doentes que fizeram antivirais, também tiveram menor risco de evolução para o longo covid. Isto está demonstrado em vários estudos. Mas pode acontecer nos doentes que desenvolvam doença mais grave, que tenham sido mais sintomáticos ou nos mais idosos. Portanto, qualquer doente deve estar atento à manutenção e persistência de alguns sintomas, como dificuldade no sono, de concentração, falta de forças, pelo menos, mais de quatro a seis semanas.

O tratamento do longo covid deve ser uma preocupação para os sistemas de saúde?

Na minha perspetiva sim. Tenho defendido que faz sentido a criação de um Programa Nacional para o longo covid, com centros de referência para se uniformizar a avaliação dos doentes e haver a possibilidade de comparar resultados com as melhores metodologias em termos de benefícios dos doentes, com recursos de saúde e sustentabilidade do SNS.

Neste momento, como está Portugal em relação a outros países da Europa?

Os indicadores que melhor podem avaliar o trabalho comparativo dos diferentes países é o excesso de mortalidade cumulativa e a taxa de vacinação e estes demonstram que Portugal está indiscutivelmente entre os países que tiveram melhor resposta à pandemia. Relativamente à taxa de mortalidade cumulativa, esta ronda os 9%, o que é muito pouco quando comparado com o que se verificou em Itália e em Espanha. Em relação à vacinação, Portugal é dos países com melhor resposta à escala global.

Número de casos

310. Há um ano, nod ia 28 de fevereiro, a DGS dava conta de que o país tinha registado 11 845 casos de covid-19 e 21 mortes. Este ano, no mesmo dia, foram registadas 310 infeções e sete mortes. Aliás, a realidade é outra, da ordem das centenas. Neste fevereiro, o dia 20 foi aquele que teve mais casos, 369 e quatro mortes. Mas também já houve dias com 112 casos e duas mortes.

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