Portugal começa hoje a trabalhar num plano para rastrear tumores da próstata, pulmão e gástrico
Na véspera do dia em que se assinala no mundo a luta contra o cancro (4 de fevereiro), há boas notícias: vêm aí novos rastreios, os atuais vão ser uniformizados, para não se deixar "ninguém de fora", e no rastreio do cancro da mama já se atingiram os objetivos europeus. Por agora, há que corrigir o que ainda não está a 100%. "O acesso aos rastreios tem de ter uma lógica de absoluta igualdade e não depender da região onde se vive", diz o diretor do Programa Nacional.
Portugal é dos países da União Europeia que menos gasta em cuidados com o cancro, mas tal proporção não se reflete no desempenho. Ou seja, e ao contrário do que se poderia esperar, o desempenho no tratamento é superior à média da UE e se a mortalidade não é mais é mais elevada, deve-se precisamente a este facto. E isto mesmo está confirmado no primeiro relatório da OCDE sobre desigualdades no tratamento da doença oncológica divulgado esta semana.
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Para o diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, da Direção-Geral da Saúde, "este retrato é muito realista, porque, de facto, em termos de tratamento o país está bem e acima da média da UE", mas, José Dinis, reconhece, na véspera do Dia Mundial da Luta Contra o Cancro (4 de fevereiro), que temos "ainda um longo caminho a fazer em relação aos rastreios", já que esta é a ferramenta que "tem o poder de alterar a história natural da doença e de dar algum retorno em saúde à sociedade, através de uma redução na mortalidade".
Por isso mesmo, Portugal começa hoje a trabalhar num plano para novos rastreios a três tipos de cancro, próstata, pulmão e gástrico, que se juntam assim aos do cancro da mama, do colo do útero e do colorretal, que já estão em prática desde 2008-2009. Quando é que estes novos rastreios vão ser aplicados no terreno, José Dinis, diz que ainda não sabe, "hoje damos o pontapé de saída, mas há muito a fazer", recordando que "os rastreios primeiros foram aprovados pelo Conselho Europeu de Oncologia (CEO), em 2003, e só cinco a seis anos depois é que começaram a ser aplicados pelos países".
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E destaca: "Não queremos que os três que agora foram definidos demorem tanto tempo a pôr em prática, mas vai ter de haver uma discussão ampla sobre como fazer, sobre como investir e onde, porque tudo isto implica um investimento de muitos milhões de euros", acrescentando: "Vamos ter de recorrer a especialistas de muitas áreas, ouvir muita gente, porque é preciso montar uma rede para a realização dos rastreios e para depois se poder dar resposta aos casos positivos". O médico defende mesmo que Portugal "vai ter de ir acompanhando todas as iniciativas feitas pelos outros países, porque vamos ter todos o mesmo dilema: como fazer e como investir para se obterem os melhores resultados. Diria mesmo que vai ser uma aventura conjunta a nível europeu, com cada país a fazer o seu trabalho".
O objetivo é o mesmo para todos: reduzir a mortalidade na doença oncológica, (por exemplo, Portugal na última década só diminuiu 1%, o que é pouco relativamente a outros países), e, por isso mesmo, foram selecionados os três tipos de cancro (próstata, pulmão e gástrico) que são os que os especialistas consideram ter "mais ferramentas para intervir e alcançar resultados enormes", segundo o diretor do programa nacional.
"Nós escolhemos estes três cancros para novos rastreios, mas estes coincidiram com os que o CEO tinha definido para o conjunto de todos os países da UE. Precisamente, por considerar que é nestes que será possível obter melhores resultados em saúde. Já são um problema de saúde pública, com uma doença já muito incidente, muito grave e que mata muito. Portanto, são dos mais apelativos para intervirmos e conseguirmos modificar a história natural da doença", argumenta. José Dinis sustenta que a escolha também surge por já existirem "projetos-piloto de rastreios nestes três tipos de cancro que alcançaram evidência científica, demonstrando ser possível reduzir a mortalidade nestas áreas quando as populações são rastreadas, mas cada país vai ter de fazer o seu trabalho, porque as populações são diferentes".
A primeira reunião para discutir este tema vai ter lugar hoje e com uma das estruturas do Estado para a área da Saúde, o que, afirma, "é quase uma manifestação de intenção, porque o Estado português tem de encarar a oncologia e o problema dos rastreios de forma diferente".
Rastreio do cancro da mama atinge objetivos europeus
Mas, hoje, serão também divulgados dados sobre o trabalho que está a ser feito em relação aos rastreios já em prática. E se no que toca ao rastreio do cancro da mama "Portugal já atingiu os 100% da população elegível", o mesmo já não acontece em relação aos rastreios do colo do útero e do colorretal. Segundo afirma José Dinis, "a 31 de dezembro de 2022, e de acordo com os dados preliminares que temos, Portugal já convocou 98% das mulheres elegíveis para rastrear. Podemos dizer que a missão foi cumprida, porque o objetivo europeu era convocar mais de 90%".
Ou seja, "conseguimos recuperar o que tinha ficado para trás nos dois anos de pandemia e ainda atingir os objetivos europeus, mas isto também se deve à extraordinária colaboração com a Liga Portuguesa Contra o Cancro e ao conseguir-se expandir o rastreio até à região de Lisboa e Vale do Tejo. Hoje, temos uma cobertura quase total, ficou apenas uma área residual, a nível de rastreio do cancro mama. Finalmente", sublinha satisfeito.
A questão agora, reconhece, é conseguir que a adesão das mulheres ao rastreio também seja elevada, porque uma coisa é a convocatória para o rastreio atingir quase os 100%, outra é-a sua realização ter a mesma dimensão. José Dinis admite ter havido "uma baixa adesão ao rastreio na região de Lisboa e Vale do Tejo, o que fez diminuir a média de adesão a nível nacional de cerca de 65% para 50%, o que quer dizer que ainda há 50% de mulheres convocadas que não fazem rastreio, mas este fenómeno é típico de uma primeira chamada, o mesmo aconteceu nas outras regiões. À segunda chamada, as mulheres já estão mais alerta e a adesão é sempre maior. Portanto, missão cumprida no rastreio do cancro da mama".
No entanto, o mesmo não se pode dizer em relação aos rastreios do colo do útero e do colorretal, defendendo mesmo mais uniformização na forma como são feitos para não se deixar ninguém de fora. Aliás, anunciou ao DN, que estão prontas novas normas, "só à espera do aval da tutela", para que se inicie esta uniformização, reforçando que "todas as pessoas devem ter acesso aos rastreios e não só as que frequentam os centros de saúde". Explicando: "Em relação ao que se perdeu durante os dois de pandemia, também já recuperámos alguma coisa em relação a estes dois tipos de cancro, mas esta recuperação ainda está longe de atingir os objetivos europeu, mas aqui os problemas são de outra índole e vamos ter de fazer alguns acertos, nomeadamente na forma como são feitos os rastreios".
José Dinis diz mesmo haver já na forja "uma nova norma para o rastreio do colo do útero, que está prestes a ser aprovada, que vem mudar a forma como as doentes são convocadas para o rastreio. A convocatória passa a ser centralizada, através de uma carta ou de um SMS, tal como era para a vacina contra a covid-19 e não através dos centros de saúde, porque senão só as mulheres que usavam estas unidades é que eram chamadas a fazer o rastreio. Portanto, não era um verdadeiro rastreio nacional, mas mais um rastreio oportunista. Como está a ser feito agora, e apesar de termos atingido 50% das mulheres elegíveis, ainda há 50% que ficam por chamar e este número não nos deixa confortáveis. E o método que está a ser seguido tem de ser corrigido".
Rastreio do Colorretal só funciona na região Norte
Em relação ao rastreio do colorretal, o diretor do programa nacional diz existir ainda um outro problema. É que este "só está verdadeiramente implementado na Região Norte. Nas outras quatro regiões existe mas em números muito residuais", argumenta.
"Enquanto a Região Norte já cobre quase 90% da população elegível, as outras regiões ainda não. Cada região ARS teve autonomia para definir a sua metodologia, algumas pareciam ser muito assertivas, mas depois não prática não o foram. Houve mesmo regiões que nem sequer têm feito convocatórias para rastreio porque sabem que depois não têm capacidade de resposta aos casos positivos. Foi o caso, por exemplo, das regiões do Sul, e isto não pode acontecer".
Por isso, refere José Dinis, também no que toca ao rastreio do colorretal está a ser preparada uma nova norma para uniformizar mais a metodologia de funcionamento dos rastreios para todos os cidadãos tenham acesso ao rastreio, independentemente da região onde vivem.
"A estratégia de rastreios tem de ser nacional e o que está a acontecer agora é se uma pessoa é do Norte é rastreada ao cancro do cólon retal, se é de LVT, do Alentejo ou do Algarve já não é". O médico diz que a situação está identificada e que agora é preciso corrigir, acreditando que o facto de existir uma "direção executiva para o SNS pode ajudar a melhorar a situação". Pelo menos, este é um dos seus alertas na véspera do dia em que assinala a luta contra a doença.
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