Porta aberta para o paraíso
O reticulado urbano do bairro de Alvalade continua orgulhosamente a albergar lojas, restaurantes e serviços diversos em que tradição e modernidade convivem pacificamente lado a lado. Públicos garantidos numa e noutra variante, é um dos poucos acantonamentos lisboetas que continua a atrair e fixar novos consumidores e habitantes. Incrustada na primeira transversal da Avenida da Igreja logo a seguir à Praça de Alvalade está uma pérola da Macaronésia, responsabilidade da madeirense Iolanda Silva. O nome não podia ser mais sugestivo: A Mar a Terra.
Reinaldo Rodrigues/Global Imagens
Frequentado por locais e passantes ocasionais, tem o aspecto cândido de lugar de tertúlia e quando se entra percebe-se que é uma espécie de gruta de Aladino; quanto mais vemos mais descobrimos. Configura por isso porta franca para o universo privado de Iolanda, para o qual todos somos sempre bem vindos.
Chama-se Macaronésia ao conjunto dos quatro arquipélagos Madeira, Açores, Canárias e Cabo Verde, baptismo feito pelo botânico inglês Baker-Webb pelos pontos em comum em termos de recursos naturais. Iolanda especializou-se nos dois primeiros e é daí que vem a maioria dos produtos que disponibiliza.
Tem versões diferentes do famoso bolo de mel, que faz questão de dar a provar e da prova normalmente faz-se luz e cada um escolhe o seu favorito.
O meu eleito foi bolo de mel de cana 3 Corações (500g, 13 euros), que conseguiu lavar o preconceito que trazia desde a minha juventude, devo ter provado exemplares menos bons. Este tem um equilíbrio de boca excelente, muito sabor e é excelente amigo do vinho.
Associo muito a Madeira ao maracujá mas nunca até agora tinha conseguido encontrar uma compota que o exprimisse de forma natural, sem exageros de açúcar nem notas francamente identitárias.
Falo do Doce de Maracujá do Porto Santo (275g, 8,50 euros) produzido pela Casal Diogo na ilha do Porto Santo. Tesourinho viciante, excelente com tostas, brilhante integrado em pastelaria diversa, ou mesmo num molho para bifes.
Iolanda Silva vende farinha de grainha de uva que eu nem sabia que existia, funcionou muito bem em bifinhos panados e em peixinhos da horta. Foi uma boa descoberta, para que tenho vindo a acrescentar soluções culinárias em casa e as ideias sucedem-se. Vende-se aqui também broas de grainha de uva (150g, 5 euros), deliciosas, feitas com a dita farinha.
O meu olhar fixou-se a certa altura numas latas de conserva com títulos muito sugestivos, produzidas pela Casa do Portinho, especialista em conservas de peixe fumado dos Açores. Feitas algumas experiências, elegi duas, filetes de veja (155g, 14,90 euros) e atum-patudo (140g, 9 euros). A veja é um peixe ossudo e gosta de nadar por entre as rochas costeiras a profundidades que vão dos dois aos 50 metros e nunca tinha provado filetada em conserva. Fiquei fã e integrada por exemplo em estufadinho de tomate e feijão verde configura perdição.
Já o atum-patudo sensibilizou-me por saber que é uma espécie ameaçada que pode entrar em vias de extinção, depois disso será difícil conseguir repovoar o Atlântico açoriano. A pesca sustentável que se pratica em todos os produtos da Casa do Portinho é uma garantia de que não estamos a contribuir para o agravamento do problema.
Voltamos à Madeira para encontrar neste espaço maravilhoso uma caixa de trufas de chocolate para Vinho Madeira (16 euros), produzidas pela UAU Cacau. O mestre chocolateiro Tony Fernandes trabalhou em conjunto com Francisco Albuquerque, enólogo chefe da Blandy (Madeira Wine Company) para criar quatro bombons varietais especificamente orientados para as castas Sercial, Verdelho, Bual e Malvasia. Interacção fascinante com o vinho da Madeira em geral, e vinhos da Madeira de cada uma das castas em particular. Compre logo duas caixas, porque a primeira esgota-se logo nas primeiras experiências.
Iolanda Silva faz questão de receber semanalmente da ilha queijadas caseiras de requeijão (2 euros), são deliciosas e diferentes do que normalmente encontramos nas pastelarias.
Funcionam muito bem com a poncha de maracujá ou laranja que aqui Iolanda prepara à nossa frente. Sumo natural, mel e rum agrícola produzem uma bebida de grande gabarito, do agrado de todos. Sugiro fortemente a aguardente de cana “Branca” (750ML, 25 euros), produzida na destilaria Engenhos do Norte. Muito suave e aromática comunica sabor sofisticado e raro. Outra maravilha da maravilhosa A Mar a Terra, que não se pode senão amar.