Por entre sismos, cabeça e olhos nas nuvens: é assim que se prevê o tempo
Na sala de operações, ouve-se um alarme. Toca várias vezes e é acompanhado por um aviso de “perigo”. Daniela Henriques está em frente a nove ecrãs, onde se veem mapas e várias ondas magnéticas. Quando ouve o aviso, dirige-se em passo acelerado até ao computador que o emite. Pode ser um sismo, mas, na maior parte das vezes, é apenas “ruído” causado por outros fatores, como comboios a passar perto de estações meteorológicas onde há sismógrafos, ou aviões a levantar. É preciso saber identificar entre aquilo que é ou não um sismo.
Para isso, Daniela analisa as ondas enviadas pelos diferentes sismógrafos em rede. E sabe exatamente quando vem um abalo. Enquanto conversa com o DN, olha para um dos ecrãs e uma das ondas começa a ficar menos espaçada e mais frequente, até que diz: “Vem ali um sismo.” Confirma-se: 1.9 de magnitude na escala de Richter, junto ao Cabo de São Vicente (zona de forte atividade sísmica, perto de onde se pensa ter sido o epicentro do Terramoto de 1755). Daniela escreve códigos no computador, que os processa e elimina o ruído da onda, detetando então o sismo e confirmando a localização.
Esta é apenas uma pequena parte de um dia normal de trabalho no Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), fundado em 1946, como Serviço Meteorológico Nacional. Tem o nome atual desde 2012, quando passou a monitorizar também os oceanos.
Na divisão de sismologia, são detetados os abalos em todo o território nacional (incluindo ilhas) e há, também, leituras do norte de Marrocos. O sismo de setembro de 2023 (de magnitude 4.5 na escala de Richter) foi detetado na rede nacional e, por consequência, também na sede do IPMA, onde nos encontramos. Isto, claro, além de comunicações com outros centros mundiais, que permitem identificar sismos por todo o globo.
O quartel-general da agência que monitoriza e prevê o tempo em Portugal é em Lisboa, junto ao aeroporto. Mas, para ter uma cobertura total do terreno, o IPMA tem várias estações espalhadas um pouco por todo o país. Funcionando em rede, são enviados dados diretamente para a sede. Por exemplo, a divisão de meteorologia aeronáutica, que faz o acompanhamento do tempo e envia diretamente para aviões que estejam no espaço aéreo nacional, tem câmaras em vários aeródromos e aeroportos nacionais. A intenção é assistir em tempo real às condições naquele local.
José Duarte, um dos meteorologistas, explica que, apesar das observações, “ainda há muitas coisas que são um modelo”. Ou seja: para preverem as condições, os meteorologistas consultam imagens de alguns satélites europeus e americanos, que lhes permitem prever algumas das condições, como chuva, vento ou trovoadas, que José Duarte classifica como sendo “um ponto importante” na circulação aérea. Não obstante a relevância e o perigo das descargas, isso não significa que haja necessidade de emitir um aviso para os pilotos das aeronaves que passem na zona. Apontando para o computador, José Duarte explica também que, caso existam erros, as previsões podem ser corrigidas a qualquer altura. “Mas a decisão [de passar ou não em determinada zona] é sempre dos pilotos. Eventualmente, pode ser do controlo de tráfego aéreo”, frisa.
É também nesta divisão de meteorologia aeronáutica que, por exemplo, são dadas as autorizações de voo nas zonas que dizem respeito ao espaço aéreo português. Foi aqui que, em 2010, após a erupção do vulcão islandês Eyjafjallajökull, foi emitido o aviso de que não seria possível sobrevoar o Atlântico devido à presença de cinzas.
Articulação entre entidades está sempre presente
Ainda assim, todas estas decisões não são unilaterais. Todos os dias, por volta das 10.00 horas, há um briefing, que reúne várias entidades.
Quando chegamos à sede do IPMA, somos conduzidos a uma sala, ao lado do centro de operações (onde só se entra com autorização, por razões de segurança). Numa das paredes, há um ecrã, onde, dali a alguns minutos será projetada a videochamada. Do outro lado, estão várias outras entidades, desde a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ASNR) até à GNR ou à Associação Portuguesa de Bombeiros Voluntários (APBV). O objetivo é atualizar e dar informações sobre ocorrências no país, desde acidentes a incêndios. No caso do IPMA, é dada uma previsão de tempo para aquele dia e os seguintes.
A comunicação de hoje fica a cargo de Bruno Café, um dos meteorologistas da divisão de Previsão Meteorológica e Vigilância do IPMA. Antes de iniciar a leitura do boletim, comunica aos restantes participantes no briefing que o DN está na sala em reportagem. Ninguém levanta problemas. Começa, depois, a leitura do boletim, onde, entre outras coisas, já se fazia adivinhar a presença de poeiras do norte de África na atmosfera. É também dada a previsão de, entre hoje e quarta-feira, haver uma queda nas temperaturas e uma intensificação no vento. Terminada a intervenção, saem da sala os funcionários do IPMA que ali estiveram a assistir e regressam todos aos seus postos.
Já no centro de operações, Bruno Café explica então ao DN como é o seu dia: “Trabalhamos por turnos e estamos, normalmente, sempre com as mesmas pessoas. Os turnos das diferentes secções coincidem, no fundo. Mas claro que a monitorização é constante. Quando entramos de manhã, vemos o tempo que esteve durante a noite, o que aconteceu nas últimas horas. Vemos o que os modelos meteorológicos estão a prever também e se tem havido alterações, etc. Com esse resumo de informação, começamos a trabalhar. O modelo que tem atualizações de 12 em 12 horas: uma ao início da manhã e outra ao início da noite. Ou seja: quando entramos, começamos logo a trabalhar com a nova informação, que depois usamos para fazer o briefing da Proteção Civil.” Quando chegam ao posto de trabalho, os meteorologistas olham para os modelos e fazem “algumas correções, se for caso disso”. Algo que “normalmente não acontece”, mas que uma situação “mais incerta” pode obrigar a fazer.
Bruno Café explica ainda que, apesar de ser cada vez mais comum ver previsões alargadas, os meteorologistas focam-se “mais nos primeiros cinco dias”.”Fazemos a previsão para o continente e Madeira, para hoje, amanhã e para os três dias seguintes”, acrescenta. No caso dos Açores, as previsões são feitas no local, pois há um centro meteorológico próprio no arquipélago.
Apesar da incerteza após os três primeiros dias, a previsão é sempre feita com base nos diferentes modelos. Observações, neste caso, “servem apenas para confirmar se o modelo está a fazer uma boa previsão”. E, explica Bruno Café, os próprios modelos mudam consoante a previsão (se for um rio atmosférico, é utilizado um. Se forem poeiras, outro, e assim sucessivamente).
Supercomputador ajuda no processo
Todos estes dados recebidos no centro de operações são processados internamente.
Saindo do centro de operações, somos guiados por Paula Almeida, responsável pela divisão de Sistemas de Informação e Comunicações. O ponto de paragem é o centro de dados, uma parte importante de todo o processo.
É aqui que está um supercomputador, utilizado no processamento de dados de satélite e não só. A sala é quente e escura, mas as condições de ventilação estão garantidas. Há vários cabos um pouco por todo o lado. Paula Almeida explica que o supercomputador é resultado dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Ao todo, diz, a ferramenta tem mais de dois mil núcleos de processamento.
É também no centro de dados que se processa outra parte importante: o lançamento dos balões meteorológicos, duas vezes por dia (uma de manhã, outra de tarde). Como explica Paula Almeida: “O lançamento é feito apenas com um clique num botão. Mas primeiro é preciso pedir autorização à torre de controlo [o IPMA está no perímetro do aeroporto Humberto Delgado], para não perturbar o tráfego. Depois de lançado, o balão sobe na atmosfera medindo três fatores: humidade, temperatura e pressão atmosférica. Quando atinge o pico de altitude, o balão rebenta e começa a descer. Mas vai sempre medindo estes fatores até ao fim.” Quando chega ao solo, os dados recolhidos são depois analisados e processados pelo IPMA, sendo parte integrante das previsões.