"Poderia viver na Suíça mas oxalá não tenha necessidade disso"
As primeiras impressões do suíço Rudolfo Muller sobre Portugal foram pouco agradáveis. "No verão de 1983, com 21 anos, vim de moto, sozinho. Entrei de barco, em Vila Real [de Santo António], naquela altura ainda não havia ponte. A primeira coisa que me fizeram na fronteira foi obrigarem--me a pagar um seguro porque não tinha a carta verde do seguro. Já tinha estado na Jugoslávia, na Grécia, na Itália, em Espanha e ninguém me tinha pedido nada." Primeiro contratempo resolvido, o passo seguinte foi Monte Gordo, "para ver o mar". "Deparei-me com uns prédios recém-acabados e, por trás, umas favelas. Pensei para mim: neste país é que eu não fico muito tempo."
A ideia não durou muito. Cerca de 120 quilómetros, para se ser mais preciso. Em Beja, "eu, que na Suíça tinha participado naqueles movimentos do início da década de 80, dos autónomos e anarquistas, deparo-me com uma manifestação contra as armas nucleares, daquelas organizadas pelo Partido Comunista, em que vai o pai, o avô, o filho, o neto, vai tudo. Pensei: mas que povo fixe é esse? Porque lá eram só os jovens que participavam nas manifestações". Mas não foi só isso que o fez mudar de ideias: conheceu a Ana Maria. Aí, havia dois caminhos, recorda: "ou ficávamos por um romance de férias ou eu voltava."
Como não tinha uma situação profissional definida, regressou no outono. Sem um objetivo concreto, mas decidido a vir aprender português. "Mal não faz e depois logo se vê." Frequentou um curso livre de Língua e Cultura Portuguesa para estrangeiros na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa mas, conta, "onde aprendi mais português foi na greve dos estudantes". E contextualiza: "estávamos em 1983, com um governo de bloco central liderado por Mário Soares, o FMI cá, e aumentaram o preço da refeição na cantina de 30 para 50 escudos, um aumento brutal." Houve quem não fizesse greve, mas Rudolfo associou-se às lutas estudantis. "Foi aí que fiz muitos amigos. Para mim foi espetacular. Quando cheguei ao Natal arrumava já todos os outros a um canto. E mesmo com a Ana Maria, deixei de falar em francês e passei a falar em português."
O romance durou, ainda viveram dois anos na Suíça, mas acabaram por regressar. Professora, em Portugal Ana Maria tinha trabalho certo, e Rudolfo, natural de Baden, a 24 quilómetros de Zurique, sempre ligado à natureza, à botânica e à observação de aves, acabou por se tornar guia de viagens pedestres. Em 1998, já com duas filhas, a Catarina e a Gabriela, e cansado de trabalhar como guia, procurou outra ocupação. Foi então que surgiu a ideia de apostar num turismo rural. Encontrou o Monte da Choça, onde atualmente vive, a meio caminho entre São Teotónio e Odeceixe, na revista Casas de Portugal. Visitou-o pela primeira vez em fevereiro de 1998 e nesse verão, ainda com o processo de compra e de legalização como turismo rural em curso, já alugou pela primeira vez os cinco apartamentos que fazem parte deste típico monte alentejano. Todo o processo burocrático foi "um calvário", e os primeiros tempos foram muito difíceis. Depois, no início dos anos 2000, veio a internet. "Essa foi a grande revolução. Permitiu que mesmo os pequenos entrassem no mercado e fossem visíveis em todo o mundo."
Fundador e primeiro presidente da rede de turismo rural Casas Brancas, defende a mais-valia que é a associação que liderou entre 2002 e 2013: "Arrisco mesmo a dizer que não existe outra zona no país onde os empresários trabalhem tanto em conjunto como aqui. Quem é sócio das Casas Brancas e vai às reuniões, só por falarmos uns com os outros aprendemos e compensa a quota que pagamos."
Outra aposta que nasce para a região no seio das Casas Brancas é o lançamento, em 2008, da Rota Vicentina. Vice-presidente desta nova associação, é ele o responsável pelo traçado dos trilhos, um percurso que começa em Porto Covo e termina em Odeceixe. E que está a trabalhar para que num futuro próximo se estenda de Sines a Lagos. "Vai ser o melhor trilho costeiro no mundo inteiro", diz entusiasmado. Ao mesmo tempo, este suíço que trocou o ski pelo surf está também a colaborar na criação de um centro de BTT em Odemira.
Microempresário com muito orgulho - "gosto de viver assim, sem me preocupar com 50 empregados" -, Rudolfo faz questão de manter a aparência do monte quase inalterada, apesar das melhorias que foi fazendo ao longo dos anos e que inclui uma piscina. "Quero que isto seja um monte alentejano simples com todo o conforto que hoje em dia existe. Gosto que as pessoas estejam à vontade, mas que eu também esteja à vontade."
"Quando olho para trás, acho que tinha de ser mesmo assim: eu dou-me melhor com a mentalidade latina do que com a Suíça - gosto das coisas mais improvisadas, espontâneas, acho que opero mais com o coração. Eu poderia viver na Suíça mas oxalá não tenha necessidade disso", diz, 33 anos depois dessa primeira vinda a Portugal.
E sim, ele sabe bem que a bandeira de Portugal içada no Monte da Choça está ao contrário. Mas é para ficar. "Foi a primeira vez que pus a bandeira ao contrário. Deu sorte: ganhámos", diz referindo--se à vitória de Portugal no Europeu de França. Assim mesmo, num plural que faz dele português.