PGR quebra silêncio. "Não me sinto responsável por coisa nenhuma"
A Procuradora-geral da República, Lucília Gago, afirmou ontem que não se sente responsável pelo pedido de demissão do primeiro-ministro e alegou que a decisão de António Costa em abandonar o Governo foi resultado de "uma avaliação pessoal e política".
"Não me sinto responsável por coisa nenhuma. A Procuradoria-Geral da República [PGR], o Ministério Público [MP], investiga, perante a notícia da prática de factos, aquilo que deve investigar. Aquilo que resulta da lei é que deve investigar", respondeu Lucília Gago aos jornalistas, à margem de uma conferência sobre violência doméstica que decorreu na sede da Polícia Judiciária. "Não me sinto naturalmente responsável, porque se trata de uma avaliação pessoal e política que foi feita. A respeito disso não tenho nada a dizer", considerou a procuradora-geral, defletindo também as perguntas sobre os erros encontrados na indiciação do MP que conduziu a este processo.
No dia 7 de novembro, António Costa pediu a demissão, resultando três dias mais tarde na decisão do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em dissolver a Assembleia da República e convocar eleições legislativas antecipadas para dia 10 de março. A decisão do primeiro-ministro, de acordo com o que disse na altura, estava ligada ao o facto de estar a ser investigado pelo Supremo Tribunal de Justiça, algo que terá descoberto através do comunicado da PGR. "Fui surpreendido com a informação de que irá ser instaurado um processo-crime contra mim", disse, acrescentando que "a dignidade das funções de primeiro-ministro não é compatível com a suspeita de qualquer ato criminal. Obviamente, apresentei a demissão ao senhor Presidente da República", revelou. "Quero dizer olhos nos olhos que não me pesa na consciência qualquer ato ilícito. Confio na Justiça", concluiu.
Sobre o parágrafo evocado por António Costa no momento em que se demitiu, Lucília Gago justificou a sua inclusão no comunicado com a necessidade de ser um processo transparente. "Esse é um parágrafo que diz com transparência aquilo que estava em causa no contexto da investigação que está em curso. É uma necessidade de transparência, de informação relativamente à investigação que está em curso e, portanto, teria naturalmente de ser colocado, sob pena de, não constando do comunicado, se poder afirmar que estava indevidamente a ocultar-se um segmento da maior relevância"
De acordo com uma notícia publicada no Expresso no dia 17 de novembro, baseada em fontes judiciais, a decisão de incluir o parágrafo no comunicado foi mesmo de Lucília Gago, afirmando que terá sido a própria a redigi-lo. Agora, Lucília Gago recusou confirmar a sua autoria. "As notas para a imprensa são sempre trabalhadas pelo gabinete de imprensa, como foi o caso, e em situações mais melindrosas, mais sensíveis, são acompanhadas muito de perto na sua redação, pelo impacto público", destacou.
No dia em que apresentou a demissão, António Costa reuniu-se duas vezes com Marcelo Rebelo de Sousa. Entre esses dois encontros, o Presidente da República recebeu Lucília Gago em Belém. Mais tarde, na celebração do cinquentenário da Guiné-Bissau, Marcelo confirmaria que foi Costa que lhe pediu para receber a procuradora-geral. "Fui a Belém a solicitação do senhor Presidente da República. Não vou naturalmente revelar o teor dessa conversa. É o senhor Presidente da República que me nomeia e, portanto, é absolutamente normal que queira conversar comigo sobre temas relevantes para o desenvolvimento da atividade da Procuradoria-Geral da República", afirmou ontem Lucília Gago.
A coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, criticou Lucília Gago por deixar perguntas por responder. "As declarações da senhora Procuradora-Geral acrescentam pouco face ao comunicado que já tinha sido feito. Estou certa que haverá outras oportunidades para que esses esclarecimentos relativamente às suspeitas possam ser dados. Acho que era importante que o país pudesse ficar a saber os contornos das suspeitas que levaram à demissão do primeiro-ministro", afirmou.
Já a deputada única do PAN, Inês de Sousa Real, sobre as declarações da procuradora-geral, recuperou o tema dos erros encontrados na indiciação do MP, que não ficaram esclarecidos por Lucília Gago. "Mais do que justificar a sua não ingerência ou a sua não intenção de deitar o governo abaixo, seria importante explicar se o erro material que ocorreu no processo se ficou a dever ou não à falta de meios do Ministério Público", destacou.
O líder do Chega, André Ventura, considerou "positivo" que a mensagem de Lucília Gago tenha esclarecido que "o Ministério Público nunca podia ficar associado à ideia de proteção ao primeiro-ministro ou a qualquer membro do Governo", acrescentando que "clarificou muito melhor do que qualquer partido as razões pelas quais o decidiu dizer: porque havia de facto suspeitas sobre o primeiro-ministro, venham elas a verificar-se ou não, e estas tinham de correr no Supremo [Tribunal de Justiça]. Não era possível que o Ministério Público ocultasse", concluiu. Com Lusa
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