O perdão a Espanha de uma dívida de 40 milhões de euros pode ajudar a ministra do Ambiente e Energia, Graça Carvalho, e a sua homóloga espanhola, Teresa Ribera, a enterrarem o machado de guerra sobre a gestão das águas transfronteiriças, num acordo que vão assinar em Madrid. Em causa está uma alteração do regime de caudais dos rios Tejo e Guadiana, que tem sido desfavorável a Portugal há várias décadas. E, segundo o DN apurou, está também bem encaminhado o acordo sobre o pagamento dos consumos de água de Alqueva pelos agricultores andaluzes, que deverá avançar ainda este ano..Para tal, Portugal deverá remeter ao esquecimento uma dívida acumulada de perto de 40 milhões de euros, relativa a 20 anos de consumos de água de Alqueva por parte dos agricultores espanhóis, e contentar-se com o pagamento daqueles consumos só a partir deste ano, 2 milhões ao ano, apurou o DN junto de fonte próxima do processo. “Não é o ideal, mas, ao fim de 20 anos sem pagarem nada, é uma espécie de lança em África”..Nas negociações finais de ontem e hoje, em Madrid, Portugal está a bater-se pela fixação de um volume diário de água a liberar por Espanha para cada um dos rios, em vez do que está atualmente acordado, que é um volume semanal, o que leva à ausência total de água em alguns dias. Há um acordo de princípio sobre essa pretensão, faltando apenas definir os volumes exatos e em que condições. É uma situação “mais equilibrada e favorável para Portugal”, mas é nos detalhes que o Diabo se pode esconder, lembram outras fontes ouvidas pelo DN..Trunfos negociais.Portugal partiu para as discussões com alguns trunfos. Por um lado, é credor de uma dívida de cerca de 40 milhões de euros, pela captação de água da Barragem de Alqueva por parte dos agricultores espanhóis, mas não paga à EDIA, a entidade responsável pela gestão da albufeira. Só neste verão aquele valor foi oficializado e confirmado pela ministra do Ambiente, tendo em conta um cálculo de cerca de 2 milhões de euros anuais, feito pela Edia. O presidente da EDIA, José Pedro Salema, afirmou na ocasião que a situação configura uma “grande injustiça”. Para além do uso de um recurso escasso sem o respetivo pagamento, existe ainda a distorsão da concorrência entre agricultores, a 100 metros de distancia, que operam no mesmo mercado, mas uns pagam, outros não..Após várias reuniões entre as duas ministras sobre a gestão transfronteiriça dos recursos hídricos, foi obtido em julho um pré-acordo, de que haveria uma compensação por parte de Espanha à EDIA aos consumos feitos pelos seus agricultores. Mas, se do lado português, Graça Carvalho assumiu que Espanha deveria pagar cerca de 2 milhões de euros anuais pelos consumos de Alqueva, do outro lado do Guadiana nunca nenhum governante se comprometeu publicamente com valores. Do gabinete da ministra da Transição Ecológica e Desafio Demográfico, saiu este verão uma nota que referia apenas que admitia “uma situação atípica (termos em Espanha agricultores com captação em Portugal e títulos legais emitidos pela Confederação Hidrográfica do Guadiana) que importa regularizar, quer em termos de volume, quer em termos de compensação económica pela garantia gerada pela albufeira portuguesa”..Segundo o DN apurou um dos cenários mais prováveis será a EDIA cobrar não individualmente, mas à Confederação Hidrográfica do Guadiana (espanhola) os consumos. Em 30 milhões de euros de faturação relacionada com consumos de água, os 2 milhões não pagos não deixam de ser relevantes..O segundo trunfo negocial português poderá ser a necessidade de Espanha obter a validação portuguesa para o desenvolvimento do complexo hidroeléctrico José Maria de Oriol II, na província de Cáceres (na fronteira, junto a Vila Velha de Ródão). Os espanhóis querem fazer um sistema hidroeléttrico reversível, em que, em vez de a barragem só turbinar de alto para baixo, também bombeie no sentido inverso, com o objetivo de armazenar a água. “O que é importante Portugal garantir e deixar escrito é o volume de água que esse sistema deixa passar para baixo, para Portugal”, dizem as fontes ouvidas pelo DN..A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) identificou a possibilidade de impactes ambientais significativos daquela estrutura a operar pela Iberdrola, o mesmo acontecendo com as organizações ambientalistas..Impasses com 20 anos.Uma terceira moeda de troca que Portugal necessitará de usar é a regularização da captação espanhola no rio Guadiana, na zona do Pomarão (concelho de Mértola) _ que se encontra ilegal, porque caducou _ em troca do projeto nacional de uma nova captação, no mesmo local, para o reforço do sistema de Odeleite-Belicje, no Algarve. É da maior importância para Portugal, na medida em que permite abastecer uma região com sistemática falta de água..Espera-se que as negociações sobre os caudais, nomeadamente, do Baixo Guadiana permitam resolver ou melhorar um impasse que se mantém praticamente desde a assinatura da Convenção de Albufeira em 1998, que foi o último grande acordo entre Portugal e Espanha sobre os seus rios internacionais, com uma revisão em 2008..A relevância da definição de um caudal diário mínimo (em função da precipitação e da água disponível na albufeira) a libertar por cada país é crucial, na medida em que é preciso garantir que não há dias sem água, para preservar os ecossistemas, o que nem sempre acontece. Até agora, a gestão dos volumes de água liberados pelas empresas que gerem as barragens estão apenas condicionados a valores totais semanais, o que faz com que, muitas vezes, “liberem apenas em dias e horas de menor procura, quando o custo da energia é mais baixo”. Ora, “os peixes precisam de água às terças, quartas e quintas e não apenas aos domingos”, sustentam as mesmas fontes..Quem acompanha o processo de negociações refere que há uma conjugação de fatores que podem facilitar um entendimento entre Portugal e Espanha. Do lado português, uma ministra que, sendo credora de queixas válidas, “se mostrou, desde sempre, firme na intenção de resolver este assunto; do outro uma ministra com abertura negocial, que quer fechar o seu mandato sem pendentes delicados”, antes de rumar a Bruxelas para ocupar a pasta de Comissária Europeia da Energia e da Ação Climática.