Pedrógão Grande. Cinco anos depois, persiste o temor de que a tragédia se repita: "O território continua abandonado"
Associação das Vítimas vai homenagear a equipa de Saúde Mental liderada pela psiquiatra Aba Araújo. Mas o momento soa a protesto junto da tutela, porque desde há meses que o horário de funcionamento da equipa foi reduzido. Quanto ao resto, cinco anos depois, "muito pouco foi feito", denuncia a presidente, Dina Duarte.
Cinco anos depois, há ainda muitas marcas do fogo de Pedrógão por apagar. A Associação das Vítimas vai homenagear, esta sexta-feira, a equipa de Saúde Mental que desde 2017 tem estado no terreno, "como forma de fazer pressão para que a tutela perceba a importância de retomar o modelo em que funcionou até 2021. Em vez de estarmos a fazer um grande protesto, prestamos homenagem", diz ao DN Dina Duarte, presidente da direção da AVIPG - Associação das Vítimas do Incêndio de Pedrógão Grande.
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A equipa de Saúde Mental de Leiria Norte que está há cinco anos no terreno é liderada pela médica psiquiatra Ana Araújo, do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC). A equipa acompanha dezenas de pessoas e ainda continua a receber pacientes que, "eventualmente, não começaram o processo terapêutico e psicofarmacológico de tratamento desde o início desta tragédia", afirmou esta semana aquela especialista, à Agência Lusa.
Mas não é por acaso nem apenas por uma questão de gratidão que a AVIPG se lembrou de, este ano, homenagear o grupo, constituído por seis pessoas (psiquiatras, enfermeiros e administrativa). "Tem como objetivo afirmarmos o bom trabalho que foi feito por esta equipa e pedirmos para que a mesma não nos seja retirada, e que volte a atuar da mesma forma e nos mesmos moldes em que atuou até finais de 2021. Nessa altura trabalhavam até às 19 ou 20 horas, enquanto tivessem pessoas para atender e, neste momento, às 18h já têm de estar em Coimbra", explica Dina Duarte.
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Quando olha para este tempo que passou, Dina Duarte sente "um misto de nostalgia, do que era este território; de como pensávamos que vivíamos num espaço seguro e que o país não nos iria nunca falhar, nem a Proteção Civil deixaria ninguém morrer, em estrada nenhuma. E afinal aconteceu o pior, aqui, neste território. Hoje olhamos para isso e afinal vemos que morreram 66 pessoas. São 66 famílias enlutadas".
Dina mora no Nodeirinho, a poucos metros do tanque onde se salvaram várias pessoas, mas numa aldeia que perdeu mais de uma dezena dos seus poucos habitantes. Naquele dia não estava em casa. Tinha ido com o marido (o pintor João Viola) passar o dia a Castanheira de Pêra.
O casal perdeu familiares e amigos, e haveria de passar os dias, meses e anos seguintes no apoio à recuperação de pessoas e bens. "O que custa é percebermos que pouco foi feito em termos de alteração da paisagem - que tanto temos debatido e tantas promessas nos fizeram", sublinha a presidente da Associação fundada por Nádia Piazza, que entretanto se afastou.
Por outro lado, aponta Dina, "tudo o que está a ser feito em termos do que nós consideramos necessário para uma aldeia mais segura - que é esse o ponto -, com os 100 metros das limpezas feitos, teve de ser com um projeto financiado por privados. Este país não pode continuar assim. Não podemos continuar a pedir solidariedade e a fazer parcerias para coisas que são obrigações do Estado".
A presidente da AVIPG recorda que "o governo prometeu muita coisa". "Fez algumas, mas não aquilo que desejaríamos, e que deveria, em termos do território".
E essa é a maioria preocupação: "Percebemos que a legislação ainda não está aplicada, que não o deve ser de uma forma coerciva, mas tem de ser feita uma maior sensibilização junto das aldeias, para que as mesmas tenham, pelo menos, a faixa [de limpeza] dos 100 metros. E para que no futuro as estradas sejam mais seguras e não voltemos a sofrer do mesmo. Sob pena de 66 mortes não terem sido suficientes. Muitos tememos que volte a acontecer, porque o território continua abandonado. Muitos dos proprietários já nem sequer sabem onde têm os terrenos".
Para o futuro, o que esta associação deseja "é que não voltem a ter de ser pagas indemnizações. Porque isso significaria que não voltavam a repetir-se tragédias como a que nos bateu à porta há cinco anos. E tínhamos obrigação de as evitar".
Marcelo ainda por confirmar
Desde há cinco anos que o Presidente da República tem marcado sempre presença em cada 17 de junho, pelo menos na missa em memória das vítimas - que se realiza rotativamente em cada um dos concelhos afetados pelo fogo: Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pêra. Este ano calha neste último. Mas até esta quinta-feira ainda não havia confirmação oficial sobre a presença de Marcelo Rebelo de Sousa.
Além da homenagem à equipa de Saúde Mental, destacam-se ainda dois concertos, ambos na igreja de Castanheira, sexta e sábado, às 18.30, com a participação de jovens artistas belgas.
Ainda esta sexta-feira realiza-se a quarta edição da Volta da Memória, uma prova de bicicleta organizada por Abílio Carvalho, um professor de Educação Física na Escola de Pedrógão Grande e residente em Figueiró dos Vinhos. "É a minha homenagem às vítimas do incêndio, pedalando a solo no dia 17/06/2022, 66km - 1km por cada vítima e no dia 19/06/2022 com um grupo de amigos", afirma. O percurso engloba os concelhos de Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pêra.
Os incêndios que deflagraram no dia 17 junho de 2017, na localidade de Escalos Fundeiros, Pedrógão Grande, e que alastraram aos concelhos vizinhos de Castanheira de Pêra e Figueiró dos Vinhos, provocaram a morte de 66 pessoas, além de ferimentos a 253, sete dos quais em estado grave. Os fogos destruíram cerca de meio milhar de casas e 50 empresas.
Está a ser construído um monumento de homenagem às vítimas (da responsabilidade da Infraestruturas de Portugal), que deveria ser inaugurado nesta altura, mas o atraso na obra não permitiu conclui-lo a tempo. A autoria é do arquiteto Eduardo Souto Moura, em cujo escritório trabalhava uma das vítimas deste fogo: uma mulher que regressava com o marido e os dois filhos, pequenos, da Praia das Rocas, em Castanheira de Pêra. A família morreu na estrada 236, apanhada pelas chamas.
dnot@dn.pt
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