Pedro Góis. "Se não fosse a imigração, o cenário em Portugal seria muito pior"

Nunca nasceram tão poucas crianças em Portugal como no último ano. Cenário só não é mais dramático graças à comunidade migrante. O sociólogo Pedro Góis, investigador da Universidade de Coimbra, alerta para a importância de se olhar "para lá dos nascimentos"
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O ano de 2021 foi aquele com menos nascimentos em Portugal desde que há registos. Num ano ainda fortemente marcado pela pandemia de covid-19, a natalidade atingiu mínimos históricos, com menos de 80 mil nascimentos. São esses os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) que atormentam autarcas e Governo, porque hipotecam o futuro. Segundo as contas da Pordata, por cada mil residente nascem apenas oito crianças, quando na década de 1960 nasciam 24. E a tendência é sempre para pior, como é sabido.

Porém, se o cenário não é mais dramático deve-se na verdade às comunidades migrantes. Pedro Góis, professor de Sociologia na Universidade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Sociais (CES), tem acompanhado o fenómeno nos últimos anos. "Desde há uns anos a esta parte que cerca de 10% dos nascidos em Portugal têm uma mãe estrangeira", afirma ao DN. O número tem-se mantido mais ou menos constante, assegura, sendo que nos momentos de crise "decresce um pouco e logo a seguir tende a recuperar um bocadinho. Esta "contribuição" de 10% é maior do que a contribuição dos migrantes na população nacional, que ainda são só 6%. Há aqui um acréscimo do seu contributo, que é também demográfico, para além dos outros contributos - económicos, culturais", acrescenta o investigador, justificando o que, para ele, não é estranho: Portugal tem recebido migrantes jovens, em idade laboral.

"Podíamos dizer que eles salvam um pouco a demografia nacional, mas só se eles ficarem. Se eles nascerem cá, mas passado algum tempo regressarem ao país de origem dos pais, ou forem para outros países, o seu contributo é apenas momentâneo", afirma Pedro Góis, que acompanha de perto também outros processos: "Para além dos nascidos em Portugal, temos que contar com as crianças que nasceram no país de origem dos pais e que imigram para Portugal muito novas. Esses são também muitos e contribuem para a demografia e rejuvenescem a nossa população. Apenas não entram no patamar dos 0 aos 4 anos, mas no patamar a seguir".

Aponta, por exemplo, como maior contributo, aquele que vem do Brasil, nos anos mais recentes. "A nossa lei proporciona que, uma vez que estejam em Portugal há mais de um ano, os filhos adquiram a nacionalidade à nascença. Ou seja, estas crianças vão permanecer portuguesas por toda a vida, mesmo que vão para outro país. E esse contributo é muito importante", enfatiza. Acresce que, sem isso, a nossa taxa de fecundidade "estaria já em níveis assustadores".

"Sem imigração, a nossa população começaria a decrescer muito rapidamente", afirma Pedro Góis, certo de que "o cenário seria muito pior. A velocidade desse decréscimo depende muito dos imigrantes que acolhemos e dos filhos que nascem aqui em Portugal".

Instado a avaliar as condições sociológicas que o país lhes oferece, o investigador pronuncia-se favoravelmente. "Temos ouvido muito poucos relatos de uma má integração neste grupos etários. Há casos que têm muito a ver com a escassez de equipamentos sociais de integração nas idades mais jovens, nomeadamente no pré-escolar. E aí há alguma incapacidade, sobretudo nos grandes centros urbanos, até porque estas necessidades são muito dinâmicas, elas surgem à medida que as novas vagas migratórias acontecem."

Nesta altura, por exemplo, diz, "estamos a ter uma vaga migratória [da Ucrânia] muito abrupta e muito rápida que as estatísticas ainda não estão a refletir, mas de que já ouvimos alguns ecos desta escassez de equipamentos, que estão a tolher um pouco a sua integração, porque se não tiverem local para ir impedem os seus progenitores de trabalhar".

Ao cabo de vários anos enredado na investigação das comunidades migrantes, o professor da FEUC admite que um dos maior problemas do país continua a ser focar-se demasiado na questão dos nascimentos e da natalidade. "Era importante colocar a criança no centro. Estudar com ela e com as suas famílias quais são os planos para o futuro". O investigador reporta-se a dificuldades concretas: "Como uma parte significativa da nossa imigração vem do hemisfério sul, o calendário escolar é invertido. Eles terminam o ano em dezembro e nós em junho, por isso quando vêm estão a meio de um ano escolar e isso traz algumas dificuldades de integração", conclui."É preciso perceber se essa retenção num determinado ano faz ou não faz sentido".

"A importância de não olharmos apenas para os nascimentos é esta: eles ainda são crianças até muito tarde, e se olharmos só para os nascimentos esquecemos todo este grupo que acompanha os pais. Por isso é importante parar para perceber o que é que não estamos a fazer bem", adverte Pedro Góis, enquanto alerta também para o fenómeno transversal: "até há pouco tempo olhava-se para os grandes centros urbanos e para o Algarve. Mas isso mudou. Há zonas do país onde há escolas completamente preenchidas por crianças de comunidades estrangeiras. Temos que aprender a lidar com isso e com todas as diferenças, o que nos obrigada a pensar numa mediação cultural dentro do espaço da escola. Hoje é bastante normal nós termos numa escola 10, 15 ou 20 nacionalidades".

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