Pediatria. 11 urgências abertas 24 horas. "Há meios para cumprir regras das equipas tipo?"
O novo plano para os 14 serviços de Lisboa e Vale do Tejo foi ontem divulgado pela Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde. A maioria mantém-se aberta, só três encerram à noite e um fecha ao fim de semana de 15 em dias. O bastonário dos médicos deixa uma pergunta.
No verão de 2022, assistiu-se ao encerramento de vários serviços de urgência de pediatria em todo o país, de forma mais sistemática no Algarve e em Lisboa e Vale do Tejo. O motivo: falta de médicos para assegurar as escalas. A situação voltou a complicar-se em dezembro, com a época festiva, e a 12 de janeiro, pouco depois de ter tomado posse, a Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS) criou uma "unidade técnica operacional para avaliar a reorganização dos serviços de urgência de pediatria médica na área de Lisboa e Vale do Tejo". Esta unidade trabalhou com todos os serviços de urgência de pediatria da Área Metropolitana de Lisboa, de forma que a DE considerou de "esforço sério, relevante e num período limitado".
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A última reunião foi a 7 de março e ontem foi apresentada a decisão final da DE-SNS, embora este novo plano só vá funcionar de 1 de abril a 30 de junho, altura que será reavaliado. Para já, mantém-se em funcionamento quase todos os serviços de urgência pediátrica da região, que vai desde a zona Oeste, à zona Norte e à Margem Sul. Ou seja, das 14 unidades, 11 vão funcionar 24 horas, três encerram portas às 21:00 e um serviço funcionará ao fim de semana de 15 em 15 dias, refere o comunicado enviado às Redações pela DE-SNS.
Em jeito de reação, o bastonário dos médicos, Miguel Guimarães, lança de imediato uma questão para o ar, sobretudo para o horário noturno: "Vão ficar 11 urgências abertas, mas há capacidade para manter todas a funcionar cumprindo todos os requisitos das equipas tipo de pediatria?"
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O presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, Jorge Amil, não comenta o número nem a localização das urgências abertas, mas quer acreditar que "a Direção Executiva do SNS analisou os recursos existentes e concluiu que tal era viável".
De acordo com a nova reorganização, funcionam durante as 24 horas os serviços do Centro Hospitalar do Médio Tejo (Unidade de Torres Novas), do Centro Hospitalar do Oeste (Unidade de Caldas da Rainha), do Hospital Distrital de Santarém, do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (Hospital Santa Maria), do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (Hospital D. Estefânia), do Hospital Fernando da Fonseca (Amadora-Sintra), do Hospital de Vila Franca de Xira, do Hospital de Cascais, do Hospital Garcia de Orta, do Centro Hospitalar Barreiro Montijo e do Centro Hospitalar de Setúbal. Este último suspende a atividade das 21:00 de sexta-feira às 09:00 de segunda-feira, de 15 em 15 dias.
Os restantes três serviços funcionam das 09:00 às 21:00. É o caso do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental (Hospital S. Francisco Xavier) - que já tinha este horário há vários anos, com os seus médicos a integrarem a escala noturna, uma vez por semana, no Hospital D. Estefânia - do Centro Hospitalar do Oeste (Unidade de Torres Vedras), que, "já não conseguia cumprir no período noturno com os requisitos dos serviços de urgência de pediatria", e do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, que desde o dia 1 de março suspendeu a atividade à noite e ao fim de semana.
Esta solução pode ter sido "um remendo, para acalmar e tranquilizar os autarcas, e daqui a uns meses será apresentado um plano com uma reorganização diferente e com um aumento de eficiência em relação a este."
O bastonário dos médicos diz ao DN acreditar também que "este não será o plano definitivo", considerando mesmo que esta solução pode ter sido "um remendo, para acalmar e tranquilizar os autarcas, e daqui a uns meses será apresentado um plano com uma reorganização diferente e com um aumento de eficiência em relação a este", porque, questionado pelo DN sobre se esta solução é a melhor do ponto de vista da otimização dos recursos, Miguel Guimarães afirma: "Desse ponto de vista é mau. Na minha opinião, não se justifica haver 11 urgências abertas as 24 horas".
Recorde-se que o bastonário foi uma das vozes críticas em relação à hipótese de se manter apenas abertos quatro polos para a região, quando tal foi noticiado pelo semanário Expresso. "Fui contra, disse que era um corte excessivo e defendi que a resposta poderia ser garantida de forma segura mantendo apenas seis ou sete dos 14 serviços abertos as 24 horas, e, obviamente, selecionados de acordo com as necessidades, procura e recursos", assumiu.
Aliás, "se tal hipótese tivesse ido para a frente nem sequer estava proporcional ao que foi feito no Grande Porto - que tem 1,7 milhões de habitantes, menos natalidade e mais médicos de família do que Lisboa e Vale do Tejo, que tem mais de três milhões de habitantes, mais natalidade e muito menos médicos de família. E no Porto ficaram a funcionar três serviços de urgência pediátrica, São João, no Porto, em Vila Nova de Gaia e em Penafiel".
Na opinião de Miguel Guimarães, os autarcas devem estar sempre envolvidos numa discussão de reorganização de serviços, porque "têm um papel essencial junto da população, mas há que olhar para todos os indicadores e tomar decisões. Uns ficarão satisfeitos outros não, mas se isto for assumido em conjunto, como uma missão, toda a gente sai a ganhar, em primeiro lugar os utentes, depois os autarcas e o Governo". Neste caso, sublinha, parece que "todos os autarcas vão ficar satisfeitos, mas até quando?".
Por outro lado, o bastonário diz não entender a solução para o hospital de Loures, já que esta unidade, "é a segunda urgência de Lisboa, aquela que recebe mais crianças diariamente, uma média de 200, que tem uma população jovem, mais natalidade e menos médicos de família. Será que não há mesmo pediatras que possam ser contratados?" Esta é outra das questões que deixa. Quanto a resultados, estes terão mesmo de ser avaliados ao fim de um tempo.
O presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria, Jorge Amil, assume não ter tido ainda "a oportunidade de analisar com atenção o novo plano, mas a primeira reação que me ocorre é que optaram por um esquema de escala, o que parece discutível". Este é caso, por exemplo, do Hospital de Setúbal, que vai funcionar aos fins de semana de 15 em 15 dias. "Os regimes abertos ou fechados devem ter um regime permanente. Compreendo que haja serviços que não fiquem abertos as 24 horas, mas que sejam sempre os mesmos em vez de se andar a mudar de um local para o outro". Jorge Amil defendeu que a questão do número de serviços abertos e a localização é da competência da Direção Executiva, o importante é que "a cobertura para a região de Lisboa fique garantida em segurança".
Plano assume necessidade de reforço do trabalho em rede entre as equipas das instituições hospitalares e dos cuidados de saúde primários.
Mas a proposta agora apresentada pela DE-SNS visa ainda que a par desta mudança de horários avancem outras medidas, nomeadamente "o reforço do trabalho em rede entre as equipas das instituições hospitalares e dos cuidados de saúde primários, com o INEM e a Linha de Saúde 24, assim como o planeamento atempado", pois, sustenta no documento, que só assim se "constitui uma estratégia adequada para assegurar uma cultura de previsibilidade e confiança para utentes e profissionais de saúde."
O comunicado, assinado pelo diretor Executivo do SNS, Fernando Araújo, define o que é preciso fazer. Em primeiro lugar, uma aposta na literacia em saúde, assumindo que há que "reforçar a estratégia sobre prevenção da doença e autocuidados para aumentar o conhecimento dos cidadãos das medidas a tomar no âmbito da doença aguda e reduzir-se a utilização inapropriada dos serviços de saúde".
Depois, "promover a cultura da utilização da Linha SNS24, antes da procura ativa de cuidados nas instituições de saúde", indo ser "criada uma equipa que integrará profissionais dos cuidados de saúde primários, cuidados de saúde hospitalares e INEM, coordenados pela DE-SNS, que articulará com a DGS e a SPMS, no âmbito do Gabinete da Secretaria de Estado da Promoção da Saúde".
E, por fim, do lado dos Cuidados de Saúde Primários, é importante que "as equipas de saúde familiar tenham capacidade para atendimentos não programados, no âmbito da doença aguda de crianças e adolescentes, através do reforço de recursos e de organização de cuidados para responderem às necessidades".
Em relação ao INEM, é preciso também reforço de campanhas para "a literacia no uso do 112, tendo como objetivo proporcionar melhores respostas para os casos urgentes/emergentes". Sobre as consultas hospitalares, reconhece-se a necessidade de "reforçar as respostas no ambulatório, para as agudizações dos doentes crónicos".
No final, é assumida também a necessidade de captação e fixação de especialistas e internos de formação especifica de pediatria nos serviços de urgência, criando condições de diferenciação e valorização do desempenho, bem como de equilíbrio com a vida familiar, o que se traduz, na redução do recurso exagerado ao trabalho suplementar". E proposto projetos que visam criar equipas só dedicadas ao serviço de urgência de pediatria.
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