"Peço a todas e todos vítimas destes crimes hediondos para que falem"

O coordenador da comissão de estudo sobre abusos na igreja, apelou à denúncia "sem medo". Conta com o apoio de quatro peritos na área e de alguém externo, uma cineasta<strong>.</strong>
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Pedro Strecht apresentou esta quinta-feira a equipa da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja, da qual é coordenador. Os seis elementos vão trabalhar, a partir do próximo ano, num espaço próprio e descaracterizado. O coordenador garantiu que o facto de serem financiados pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) não prejudica a independência do grupo. Pediu confiança às vítimas de maus tratos sexuais e que lhes relatem aquilo que passaram, seja por telefone, email ou página na Internet, disponíveis a partir de janeiro.

"Apelamos desde já a todas e todos quanto possam ter sido vítimas destes crimes hediondos para que falem. Que relatem, finalmente e sem medo, o que lhes aconteceu. Mesmo perante naturais hesitações, completamente aceitáveis diante de situações sobre as quais podem ter passado décadas, tocando agora em assuntos que não desejam voltar a fazer emergir, por favor, confiem na vossa voz interior e na utilidade de a partilhar para que nada de semelhante possa continuar a acontecer", leu no texto intitulado "Dar voz ao silêncio".

Serviu de apresentação de toda a equipa, que inclui quatros peritos na matéria: o juiz conselheiro Laborinho Lúcio, a socióloga Ana Nunes de Almeida, o psiquiatra Daniel Sampaio e a assistente social Filipa Tavares. Faz, ainda, parte a cineasta Catarina Vasconcelos, alguém exterior, "para confrontar com outras ideias" quem anda no terreno.

Uma comissão de seis pessoas, número questionado pelos jornalistas, tendo em conta a dimensão de outras equipas congéneres, como em França e na Alemanha. O coordenador respondeu que há liberdade para que seja alargada. O mesmo acontecerá com o financiamento da CEP, de valor não revelado.

"Somos os primeiros interessados em trazer à luz o que se passou na Igreja em Portugal, assusta-nos não saber mais sobre essa realidade. Não vamos negar os meios necessários para facilitar a investigação, o que será feito de acordo com as necessidades da Comissão para realizar o seu trabalho", assegurou José Ornelas, o presidente da CEP. Nesses meios, inclui-se o acesso aos arquivos da Igreja, "com respeito pelos direitos pessoais no que diz respeito à partilha de dados".


Janeiro marca o início formal dos trabalhos e só nessa altura será apresentada a sua metodologia. Há o compromisso da apresentação de um relatório conclusivo em dezembro, podendo existir intervenções intermédias se se justificar. "É importante ter metas temporais. É suficiente? Também tenho dúvidas, mas é suficiente para dizer se o tempo chega ou se é preciso continuar", disse o pedopsiquiatra.
Sublinhou que não são uma equipa de investigação criminal, tal compete à PJ, referindo que o ano poderá acabar com um recorde de denúncias por abusos a esta polícia. Só no primeiro semestre foram abertos mais de 1300 processos. Mas poderão encaminhar as vítimas dos crimes de abusos não prescritos e não denunciados. O crime de abuso sexual de menores é público (qualquer pessoa pode denunciar) e o Parlamento aprovou em outubro o alargamento do prazo de prescrição, estando em análise se serão 40 ou 50 anos da idade da vítima.

Também as denúncias públicas de abusos, nomeadamente na imprensa, serão tidas em conta, prometeu Pedro Strecht. "É nosso desejo esclarecer o que tenha ficado por esclarecer. Estamos atentos para perceber essas situações e o que aconteceu com as vítimas".
No texto "Dar voz ao silêncio", o pedopsiquiatra faz um diagnóstico dos abusos sexuais de menores. São pontos comuns: "baixa idade da criança; mais rapazes abusados na Igreja; agressor é na maioria homem; atos são continuados; identificação da vítima com o agressor; dificuldade em romper o silêncio com o passar do tempo; força da coação, externa e interna; só se conhece uma pequena parte".

Sublinhou a crescente indignação saudável contra quem abusa, nomeadamente do Papa Francisco. Orientações também sublinhadas por José Ornelas e que disse estar na origem das comissões de menores nas dioceses. Defendeu que a criação da Comissão pretende "ir ao encontro das pessoas que sofreram estes dramas, oferecendo a oportunidade de ter vez e voz, para verem reconhecida a sua justiça e a sua dignidade".

Pedro Strecht concluiu: "Estamos a dar início a um trabalho que se prevê complexo, longo, difícil de definir quanto a resultados finais, mas que verdadeiramente teria que ser feito, mesmo que ainda assim venha a ser olhado como origem de outros que se lhe possam vir a seguir no futuro, procurando sempre a necessidade de reforço de verdadeiras políticas de proteção e promoção da infância e adolescência, contribuindo assim para sociedades mais justas, saudáveis e livres num futuro melhor que tanto desejamos construir."

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