Como explica que depois de um acordo assinado entre o Governo e as maiores estruturas sindicais da PSP e da GNR, venham outros sindicatos ameaçar com protestos? E sobre a equiparação aos militares?A ASPP manteve um processo negocial com o Governo. Nesse processo, que foi difícil, exigente e conhecido, foi possível atingir o incremento de 300 euros, indexa- dos, a 14 meses no superior de condição policial..Mas esse acordo estabelece ainda a alteração no regime de mudança de índice e algo pelo qual há muito lutámos, negociar tabela remuneratória e carreiras. Fechado este processo, estamos já a preparar o próximo que determinará a necessidade de valorizar salários-base dos polícias e, dessa forma, salvar a PSP da morte..Relativamente a outras abordagens e comparações, apenas temos a referir que há muito ruído, muita desinformação, contrainformação e desconhecimento pelo acordo. A ASPP defende a solidariedade e a seriedade como elementar na nossa ação..Queremos mais e temos razões e argumentos para exigir melhores salários, e reestruturação e suplementos, e vamos lutar por isso, que nos vai ser possível pelo acordo agora firmado. Outros lá estarão e devem fazer o seu trabalho, e não devem promover a desinformação, o ruído e a mentira..É verdade que houve sócios a sair da ASPP em protesto por terem assinado o acordo com o Governo?É verdade que a ASPP diariamente tem uma variação de entradas e saídas de associados, dada a sua dimensão, dinâmica e atividade, desde logo, temos constantes processos negociais, ação sindical, apoio e patrocínio jurídico a associados, prestação de serviços, entre outros..Relativamente à assinatura do acordo, tivemos alguns associados que fizeram questão de se desvincular, e outros que fizeram questão de se filiar. Nada de relevante, a nenhum título..Fortalece os sindicatos quando o Governo, no caso, a ministra da Administração Interna, valoriza o facto de os que assinaram o acordo não terem sido instrumentalizados, nomeadamente pelo Chega?O que fortalece os sindicatos é a compreensão e a consciencialização dos polícias, no que diz respeito ao trabalho que se desenvolve num quadro difícil e exigente..Quando os polícias, reconhecem o trabalho desenvolvido pelos dirigentes sindicais e são esclarecidos, tornam os sindicatos mais fortes..Se nesse âmbito, os Governos acederem às reivindicações e isso se traduzir em melhorias na condição dos polícias, valoriza-se não só os sindicatos, mas também os interlocutores certos..Mas sente que há, de facto, esse aproveitamento político dos polícias?Sinto que há, de facto, uma desmotivação nos polícias e que se arrasta há muito, e que essa desmotivação satura e se traduz, muitas vezes, em reações de incompreensão e revolta..Quanto à ação política, e mesmo político/partidária, respondam os políticos pelo que fazem. Sei, sim, que as pessoas, quando não se sentem reconhecidas e dignificadas, estão mais revoltadas..E os últimos Governos têm desvalorizado a segurança interna e os profissionais da PSP. Quer-se equilíbrio e estabilidade com desequilíbrios e constante instabilidade? Difícil..Mas há uma instrumentalização?Há uma tentativa de instrumentalizar a desmotivação..E tem sido bem-sucedida?A realidade da assinatura do acordo pelas principais estruturas sindicais mostra que a maior parte dos polícias não se deixa instrumentalizar..Não acha que há certos comportamentos que não dignificam os polícias e perdem o apoio de boa parte da população?Se me pergunta se há comportamentos errados, respondo que os há em todos os setores. E claro que comportamentos errados serão sempre criticados, mas não se confunda a árvore com a floresta e não se esqueça dos vários instrumentos e escrutínios que existem nas forças de segurança e que noutros setores não existem..Ainda assim, segundo um recente inquérito do ISCTE sobre a Justiça, os polícias aparecem como os profissionais que merecem maior confiança das pessoas…Isso é muito importante e ilustra a nobreza, o altruísmo, o compromisso e o espírito com que todos os dias os profissionais trabalham em prol das populações..E as populações sabem disso e sabem que em condições muito adversas, em contextos difíceis e sem recursos, nós respondemos e isso é reconhecido pelas pessoas, por isso dizermos, deem-nos condições para conseguirmos fazer melhor..O que hoje se faz na PSP, admito com total certeza, apenas é possível pelos polícias, seu sacrifício, dedicação e compromisso - se assim não fosse, não se cumpria a missão, tenho plena convicção disso..Neste momento qual é o peso da ASPP?A ASPP é pioneira no sindicalismo policial português. É a maior estrutura sindical policial em Portugal, com um número de associados na casa dos 8000..Representa agentes, chefes e oficiais, e profissionais de todas as valências, serviços e áreas geográficas. Somos um sindicato implementado na sociedade portuguesa, somos uma estrutura madura e sabemos bem da nossa responsabilidade e capacidade..Temos um universo de associados relevante e um património histórico, material e imaterial muito considerável..Que impacto teve essencialmente a mudança da lei sindical, em 2019, cujo objetivo era, entre outros, limitar o número de sindicatos (há 20 neste momento na PSP) à sua representatividade?Teve um impacto positivo na regulação da representatividade, e no equilíbrio e credibilidade da ação sindical. A quem interessa confusão e ruído? Interessará a quem quer trabalhar de forma séria? Não me parece..Mas será importante perceber por que se deixou chegar a esse ponto e se, no futuro, se pretende continuar a valorizar e considerar da mesma forma sindicatos responsáveis e sérios, com outros, cujas atitudes e posturas são altamente duvidosas e questionáveis..O aumento acordado de 300€ no Suplemento por Serviço nas forças de segurança (vulgarmente conhecido como Subsídio de Risco) é o maior aumento de uma vez só atribuído aos polícias. Estratégias sindicais à parte, vai fazer diferença para a maior parte dos profissionais, não vai?A resposta é, vai. Posto isto, tenho dito que estes 300 euros culminaram de um processo que se iniciou condicionado [por uma referência à PJ]..Ou seja, para um colega meu que encare este processo negocial tal como foi, e as suas circunstâncias, estes 300 euros são algo interessante. Se um colega meu encarar estes 300 euros em comparação com a realidade da PJ, descurando o processo negocial em si, ignorando as circunstâncias e as dificuldades, estes 300 euros são pouco..Uma coisa sei, respeitando todas as opiniões, sei que estes 300 euros tornaram-se um pedido de muitos polícias que, no início e no fim da carreira, vão sentir uma melhoria. Mas não chega, é preciso mais - firmámos o acordo para garantir mais e, aliás, para garantir a sobrevivência da PSP..A ministra da Administração Interna anunciou para 6 de janeiro o início das conversações para a revisão do estatuto. Pode dar-me 3 ou 4 pontos que considerem essenciais mudar?A questão salarial é elementar. O início de carreira está num nível que não consegue atrair jovens. As próprias carreiras estão atrofiadas. Totalmente incongruentes. Com polícias sem índices para progredir, com polícias a querer sair por pouca valorização..Portanto, a melhoria remuneratória é o mote para a resolução dos problemas. Daí entender que muito do importante deste acordo agora celebrado é a oportunidade de dar este passo, algo que há muito exigimos..Daí entristecer-me que alguns colegas não percebam a mensagem e a nossa intervenção..Outro ponto é a revisão dos suplementos remuneratórios que não se revêm desde 2009. Faz sentido um patrulheiro ter um suplemento de 59 euros por mês? Um chefe ou um comandante ter um Suplemento de Comando de pouco mais de 100 euros? Ambos os suplementos até envergonham essas funções..Faz sentido um Suplemento de Turno estar limitado num valor tão baixo e independentemente de fazer quatro turnos ou 10 turnos,uma ou oito noites? E o de Piquete que, atingido esse limite, os piquetes posteriores são “à borla”?.Quanto à questão da pré-aposentação, entendo que neste ponto já é ofensivo e irresponsável a manutenção deste doentio incumprimento. Polícias sem direito à sua legitima pré-aposentação e um envelhecimento enervante da Instituição. Não resolver este problema é ser irresponsável e ingrato para com milhares de polícias a quem se mentiu e enganou..Por fim, é importante reestruturar a polícia. O que querem da Polícia? Que esteja em todo o lado, nos aeroportos, nos municípios, no combate à criminalidade, a tratar de gatinhos, ruídos e estacionamento, a fazer serviços privados, a dar palestras? Concordo com uma reestruturação que seja séria e sem propósito único de poupança..Tem-se falado bastante, nos últimos dias, sobre insegurança nos grande centros urbanos de Lisboa e Porto. Estes comandos são os que concentram maior número de polícias, pelo menos metade do efetivo, mas a população queixa-se da falta de polícias. Onde estão, afinal?Por vezes também me questiono onde andam. Mas também questiono onde estavam os autarcas quando, há cerca de dois anos, enviámos [a ASPP] uma carta a cerca de 73 autarcas responsáveis por áreas de jurisdição da PSP a apelar para que não acreditassem nas soluções apresentadas pelo Governo e, na altura, a resposta que tivemos - principalmente da Associação de Municípios Portugueses - foi inclusive agressiva..Mas quanto aos polícias, andam por todo o lado, desde aeroportos à investigação criminal, unidades especiais e policiamentos de proximidade, trânsito, a licenciar armas e explosivos, a fazer policiamentos desportivos, eventos, a responder a violências domésticas, furtos, roubos, burlas, ofensas à integridade física, segurança pessoal e instalações, a responder a necessidades de idosos, de comerciantes, a colmatar a ausência de outros patamares e atores sociais que tudo dizem fazer, mas que a Polícia é quem está ... Se nos querem em todo o lado, têm de investir mais..Portugal está também muito acima da média europeia. As últimas estatísticas do Eurostat, indicam que a média da UE em três anos (2020, 2021 e 2022) de polícias por 100 mil habitantes foi de 341, enquanto que em Portugal é de 445 (em 2022 foi 455 - o 6º país com mais polícias, atrás de Montenegro, Chipre, Turquia, Croácia e Grécia). Como argumentar pela falta de efetivo?Num universo de 20 000 polícias da PSP, quantos patrulheiros existem? Atrevo-me a dizer que abaixo de 6000. Quanto polícias da PSP fazem serviço exclusivo de tribunais? Quantos polícias estão em comissão de serviço nas polícias municipais de Lisboa e Porto?.Quantos polícias se mantêm em serviços de apoio operacional, naturalmente com a importância que essa componente tem no funcionamento da PSP, mas comparando com a realidade de outros países. Se perceber as diferenças, terá a resposta. Há efetivamente falta de polícias, mas há também, e efetivamente, necessidade de reformular a polícia..Ao mesmo tempo que as pessoas se queixam da falta de polícias, todos vemos polícias a guardar supermercados, lojas, jogos de futebol e eventos privados. Sabemos que essas remunerações, os gratificados, são importantes para os rendimento dos polícias, mas não está a haver um grande desequilíbrio?.Os polícias que são vistos nesses locais estão nas suas horas de folga. A não ser que se queira que os polícias fiquem em serviço ordinário 24 horas sobre 24 horas. Aliás, diria mesmo que pouco falta para isso, e cada vez mais os polícias estão a ser obrigados a realizá-los e a perder as suas folgas..Diria até que estes serviços remu- nerados são a única forma de termos o famigerado policiamento de proximidade de que a senhora ministra fala, mas que não temos capacidade de garantir..Aliás conheço casos de alguns serviços remunerados que acabam por cobrir necessidades públicas. Os serviços remunerados devem ser encarados como trabalho suplementar que sai do corpo dos polícias e que são uma forma de compensar os baixos salários, mas são também uma forma que a Polícia arranjou de resolver os seus problemas com recurso a privados..Deveriam ser regulamentados, tais serviços, e dar-lhes o estatuto merecido. O trabalho extra, que é aquilo que os serviços remunerados são, deve ser pago como tal e deve ser regulado e dignificado. Estar num hospital numa noite de Natal deve ser pago em proporção a essa necessidade....Mas a segurança dos eventos privados não está a sobrepor-se à segurança pública?Não sempre, mas muitas vezes acontece que os serviços para privados acabam por se sobrepor à segurança pública. Não se nota ainda mais porque os polícias estão a sustentar isso nas folgas..Por exemplo, veja-se as festas de São João ou a Queima das Fitas. São eventos públicos, mas a segurança é feita com serviços remunerados. Muitos polícias chamados a ir deixam de estar a realizar serviço nas suas esquadras , porque os que estão de folga não chegam. Deixam de estar no seu serviço nas esquadras para ir para esse serviço..Estão previstos 1600 polícias para a nova Unidade de Fronteiras da PSP. Já denunciou, quando o SEF foi extinto, que não havia capacidade de a PSP substituir o SEF nos aeroportos. Como estão as coisas neste momento?Estão como estão - basta ir aos aeroportos: 1600 polícias para os Estrangeiros e Fronteiras é o mesmo que dizer continuem sem esquadras..Os aeroportos têm particularidades e especificidades próprias, e há muito tempo. Colocaram sob a responsabilidade da PSP algo que era da responsabilidade do SEF, por preço de custo de trabalho mais baixo, foi um excelente negócio para alguém, mas não para os polícias..Aliás, a PSP continua nos aeroportos a fazer as diligências do SEF, mas a auferir o mesmo de sempre: os colegas dos aeroportos não têm qualquer suplemento, apesar das diversas formações, não recebem as diligências de forma devida, como por exemplo as escoltas de indivíduos que não podem permanecer em território nacional, continuam a fazer tudo o que lhes pedem numa realidade migratória e turística assustadora..Deixo esta pergunta, a importância pecuniária deixada pelos turistas em Portugal, aquando da sua entrada nos aeroportos e outros pontos não poderia sustentar também um pouco o orçamento da PSP?.Aquilo que se perspetiva para os aeroportos em 2025, a PSP não terá capacidade se nada for feito..A Lei de Programação de Infraestruturas e Equipamentos das Forças e Serviços de Segurança, define investimentos de 607 milhões de euros até 2026. Todos os Governos anunciam milhões para instalações, novas e obras, mas nunca cessam as imagens de situações de degradação de esquadras, como, aliás, foi recentemente sublinhado num relatório da IGAI. Estas verbas estão a ser aplicadas onde é necessário?Sempre que um Governo apresenta um plano de investimentos, a pergunta que se deve fazer é, qual o valor executado do anterior? Isto porque, de facto, não se percebe onde param os 607 milhões porque, por exemplo, a esquadra onde trabalho possui já debilidades que se arrastam há dois anos: só há um carro patrulha, e em más condições, e não temos coletes antibalísticos, nem para 20% do efetivo..Agora multiplique isto por muitas e muitas outras esquadras. Os sucessivos Governos anunciam, houve melhorias, mas aquilo que sei é que à dimensão dos anúncios que são feitos e a realidade traduz 20%... veja-se as instalações da Belavista no Porto ou a esquadra de Porto Santo, ou tantas e tantas outras..Acompanho esta área há 20 anos e sempre ouvi as mesmas queixas dos sindicatos, falta de motivação, a questão das instalações, a redução no apoio à doença… Nada mudou para melhor em 20 anos?Se responder que nada mudou para melhor nos últimos 20 anos estou a mentir e isso não faço. A pergunta que se coloca é, estamos melhor ou pior? Veja isto, os polícias, há uns anos, tinham um ordenado-base superior a três ordenados mínimos, hoje têm uma diferença de cerca de 100 euros..Ainda bem que o salário mínimo nacional aumentou e espero que aumente mais, mas a pergunta que se coloca é: e os salários dos polícias?.Outro exemplo, os polícias firmaram um contrato com o Estado para a duração da sua vida ativa, hoje mentem aos netos porque não podem brincar com eles, porque são impedidos de sair para a pré-aposentação, apesar de terem requisitos..Há uns anos os polícias tinham um serviço de apoio na doença que oferecia garantias, hoje os polícias pagam um valor avultado para tal e, por exemplo, em Beja ou em muitas ilhas dos Açores nem um prestador de serviço médico têm..Antigamente um polícia tinha uma folga de 15 em 15 dias, a luta sindical de anos permitiu ter duas folgas por semana e agora corta-se as folgas para fazer serviços privados. Há razões ou não para se estar desmotivado? O que me preocupa não são os desmotivados por natureza, são os muitos profissionais de excelência que se encontram desmotivados..Atribui alguma subida de criminalidade ou, noutro aspeto, redução de multas, devido a essa “desmotivação”?Não, e isso é muito ingrato. Os profissionais da PSP sabem bem o compromisso que têm e com quem têm. Uma coisa é estar desmotivado com um Governo - e tanta razão nos assiste nesse campo -, coisa diferente é perceber e atuar em prol da paz e tranquilidade públicas..Defender os nossos concidadãos e populações. Sabe o que é ajudar ou resolver um problema a um idoso que ninguém se lembra que existe? Sabe o que dói ver uma criança em apuros, e nos vir à cabeça o nosso filho? Sabe o que é investigar para apanhar um suspeito e ver o trabalho no lixo? É assim que os polícias agem..Se as remunerações não atraem candidatos à polícia, o que os faz então candidatarem-se?Creio que essa questão poderá colocar-se por ainda alguma [pouca] vontade de envergar uma farda e estar ao serviço do país. Outros, porque ainda sentem o fascínio..Mas também, e sem inocência, afirmo que alguns será como porta de entrada para algo mais alargado... a Administração Pública e servir de plataforma de lançamento. Não duvido.