Patriarca de Lisboa lamenta que tudo o que envolve forças de segurança se transforme em facto político
O Patriarca de Lisboa. Rui Valério, lamentou esta quarta-feira que, nos últimos tempos, tudo aquilo que envolve as forças de segurança e, concretamente, a PSP, imediatamente se transforma em facto quase político, com leitura política.
Rui Valério, que falava à agência Lusa e à RTP no final da missa de Natal, que decorreu esta quarta-feira na Sé de Lisboa, sublinhou, contudo, que, independentemente das circunstâncias que a capital portuguesa está a viver no presente, "nunca deixa de ser uma cidade acolhedora, uma cidade de esperança".
"Todas as forças vivas que a compõem, que a constituem, estão verdadeiramente empenhadas e até comprometidas com o bem comum e, sobretudo, com a promoção da dignidade de cada ser humano", acrescentou.
O Patriarca de Lisboa disse saber que a polícia, na sua atuação, "nunca faz nada arbitrariamente, nem porque sim, nem porque lhe apetece".
"Nós sabemos que a nossa PSP tem uma das mais prestigiadas escolas, que é o ISPSI, o Instituto Superior de Ciências Policiais de Segurança Interna, que tem um reconhecimento internacional pela sua competência científica. Tudo aquilo que é a atuação concreta no terreno das nossas forças de segurança é nesse laboratório científico delineado, planeado. [...] Posso garantir que tem uma dimensão ética muito profunda", salientou.
"Nessa dimensão ética há aí um princípio que é basilar. [...] Nunca a polícia usa meios que sejam desproporcionais com os fins a que se propõem. Nós somos uma sociedade que só com mãos dadas, cooperando, construindo pontos, incitando e experimentando e ensaiando entendimentos, é que, como sociedade portuguesa, continuaremos o rumo da história, que é a história de Portugal", sustentou.
Sobre os vários conflitos que atualmente assolam um pouco por todo o mundo, o Patriarca de Lisboa lembrou as recentes palavras do Papa Francisco que, juntamente com muitos líderes mundiais de diferentes confissões religiosas, tem incitado e tem promovido: "a religião é um fator de paz".
"A dimensão religiosa é aquela que aproxima as pessoas de Deus, da transcendência, mas, ao mesmo tempo, aproxima as pessoas umas das outras, torna-as próximas, sensíveis. É por isso que o meu augúrio para o próximo ano é que, iluminados por este clima e por esta força transbordante de esperança, o mundo verdadeiramente seja aquele mundo que nós todos sonhamos e que Jesus nos vem mostrar que é possível", argumentou.
Questionado pela Lusa sobre o facto de se assistir ultimamente a um aumento do populismo em todo o mundo, sabendo-se, historicamente, que tal leva a extremismos, Rui Valério considerou-o "um atropelo à dignidade".
"O populismo é sempre o aproveitamento do ser humano ou de algum aspeto do ser humano, um aproveitamento para fins que não são propriamente daquela da promoção da dignidade da própria pessoa. E por isso é um atropelo à dignidade", respondeu.
"O populismo atropela sempre o ser humano na sua dignidade, na sua configuração como pessoa. Quando o populismo em si já é isso, a partir daí as coisas só podem piorar. Os extremismos, o radicalismo, a intolerância, a incompreensão, pois bem, é tudo uma consequência desse primeiro passo quando se instrumentaliza o ser humano ou uma condição do ser humano, a sua necessidade, a sua fome, a sua carência", acrescentou.
A partir daí, questionou, qual é o primeiro passo para as grandes catástrofes humanitárias?
"É quando nós deixamos de olhar para o outro como um fim. E eu receio que o populismo viva um pouco desta cartilha. E quando os motivos são religiosos é também condenável", defendeu.
"Todo aquele caminho que conduz à guerra, à violência, à exploração, ao atropelo do ser humano, são caminhos que nós temos primeiro que condenar, denunciar e depois que corrigir. Não podemos aceitar que a religião, em algum caso, em alguma circunstância, seja um meio para alcançar, enfim, desígnios ou metas menos nobres para a sociedade", respondeu.
Rui Valério admitiu que o aproveitamento do fator religioso para esses fins deturpados "é uma constante da história, o extremismo".
"Mas é uma constante da história, desde a antiguidade. Creio que hoje cabe um pouco aos responsáveis, aquilo que vulgarmente se conhece por líderes religiosos, salvaguardar esta integridade da dimensão religiosa do ser humano, da sua dimensão espiritual, que é verdadeiramente fulcral para a vida da pessoa e para a vida de uma sociedade", concluiu.
Rui Valério defende que devem ser lançadas "sementes da paz" em todos os conflitos
O Patriarca de Lisboa defendeu esta quarta-feira que o ser humano é capaz de abrir o coração para receber as abençoadas sementes da paz, que são necessárias lançar na Rússia, Ucrânia, Médio Oriente, Síria, Moçambique e em tantas outras regiões.
Discursando na homilia da missa de Natal, que decorreu na Sé de Lisboa, Rui Valério lembrou que são essas sementes que Deus trouxe ao mundo, e que geram raízes, unindo uns aos outros, "criando fraternidade e construindo união e proximidade recíproca".
"São sementes assim que é necessário lançar na Rússia e na Ucrânia, no Médio Oriente, na Síria, em Moçambique, e em tantas outras geografias...", sublinhou o Patriarca de Lisboa
Segundo Rui Valério, a encarnação de Deus lança no coração de cada um essa semente de paz, "essa bênção messiânica que o Pai derrama como orvalho da manhã sobre o mundo", para enraizar nos corações da humanidade, de cada homem, "e produzir frutos de concórdia, de fraternidade e de justiça".
"Mas hoje, o mundo conhece novamente o troar dos canhões, a dissonância da polarização na política, da fragmentação nas abordagens existenciais... porque, no fundo, os homens continuam fechados em si próprios. Permanecem duros e privados de disponibilidade ao sopro de Deus que quer encarnar o seu Filho, a sua Palavra eterna, em todos os recônditos da vida e da existência", sustentou.
"As sementes da paz geram frutos, mas também raízes. Raízes que unem cada um à firmeza do Altíssimo, à sua indestrutível misericórdia; mas também aproximam cada ser humano do seu semelhante", acrescentou.
Na homilia, Rui Valério destacou que o "verbo de Deus" revela que a verdadeira morada de cada ser humano, enquanto pessoa, "não é feita de matéria e empirismo, mas está no coração, na interioridade de cada um, para ir ao encontro do outro, para o receber e hospedar como irmão".
"Que o Menino do Presépio, Deus feito Homem, molde o nosso coração ao Seu. Só Ele o pode fazer. [...] A primeira reação de Jesus, como a de qualquer criança fascinada pelo novo que vai descobrindo, é a de um sorriso. E Jesus também nos sorri, para suscitar em nós uma reação, uma resposta, um sorriso de alegria", sublinhou.
"Deus olha-nos, e não está carrancudo, nem arrependido de nos ter criado, nem de ter dado o tudo por tudo, por nós. Confirma a sua confiança na humanidade, renova o seu pleno amor à criatura que criou à sua imagem e semelhança. É o sorriso da confiança em nós, suas criaturas amadas. A afirmação de que nos criou para a comunhão de amor é a fonte da nossa alegria e da nossa esperança", acrescentou o Patriarca de Lisboa.
Rui Valério agradece ao "Senhor" por ter inaugurado um homem novo e uma nova humanidade.
"A partir de Belém da Judeia, coração do mundo, hoje tão martirizada pela cegueira e pelo ódio, irrompe do Menino da manjedoura, a luz e a força que transforma o coração de cada um de nós, de cada mulher e de cada homem; nós, já recriados, seremos a força e a luz da renovação da humanidade", realçou.
"Que a nossa primeira palavra dirigida ao mundo, seja a mesma palavra inaugural do primeiro Natal, dita aos Pastores: 'Não temais, anuncio-vos uma grande alegria'. [...] É a eterna primeira palavra que o Natal produz. É a outra face da Esperança. Que cada um anuncie a esperança, o raiar de um novo dia, dissipando o medo em cada noite escura da alma e do coração", concluiu Rui Valério.