Francisco aceita os pecadores. Mas não os corruptos

Francisco é implacável na entrevista que dá ao vaticanista Andrea Tornielli, por ocasião do Jubileu. O lançamento é amanhã
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Um livro do Papa interessa ao mundo não cristão? Parece que sim, principalmente se tivermos em conta que vai ser editado amanhã em 86 países em simultâneo, para marcar o Jubileu da Misericórdia. Um volume no qual o Papa Francisco decide abordar vários temas fraturantes para o mundo atual, designadamente sobre o estado da justiça.

O Nome de Deus É Misericórdia é o título deste volume dividido em duas partes: uma centena de páginas em que é feita uma grande entrevista a Francisco pelo vaticanista Andrea Tornielli; meia centena de páginas com o texto da Bula de Proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, a Misericordiae Vultus, em que o Papa explica a sua decisão de classificar assim o ano de 2016 para a Igreja Católica.

A forma como Francisco aborda todas as questões na entrevista pode ser definida como a de um registo pacífico e contemporizador, chegando até a fazer algumas graças numa ou noutra resposta, como costuma ser o seu jeito em frequentes intervenções públicas. Mas não deixa de radicalizar a sua exposição quando utiliza o tema que domina todo o livro, o da misericórdia, para deixar bem marcada a sua posição sobre o tema da corrupção.

Aliás, uma condenação tão sustentada em premissas religiosas, como a do Livro da Sabedoria (12, 18-19); ou na atuação dos seus antecessores, como João Paulo II e os atentados terroristas das Torres Gémeas; bem como na justiça terrena, ao elogiar a promoção cada vez maior da reinserção dos presos e da recusa da pena de morte.

Exemplos de que Francisco se socorre antes de lançar a frase mais polémica deste livro: "Pecadores sim, corruptos não!" Uma "sentença" que já proferira durante uma homilia e fora um tema sobre o qual já discorrera longamente num artigo transformado em livro, in-titulado Corrupção e Pecado.

Desta vez, Francisco afirma que "a corrupção é o pecado que, em vez de ser reconhecido como tal e de nos tornar humildes, se tornou sistema, torna-se um hábito mental, uma forma de vida". Ou seja, explica, "o corrupto é aquele que peca e não se arrepende, aquele que peca e finge ser cristão, e com a sua dupla vida provoca escândalo".

Exemplos para o corrupto

Neste sétimo capítulo de O Nome de Deus É Misericórdia, Francisco faz várias caracterizações sobre o pecado e a corrupção: "A corrupção faz perder o pudor existente na verdade, na bondade, na beleza"; ou "o corrupto muitas vezes não se apercebe do seu estado", e ainda "o corrupto construiu uma autoestima que se baseia em atitudes fraudulentas".

Na sua linguagem direta, o Papa dá vários exemplos de quem considera corrupto: "Tem sempre a cara de quem diz: "Não fui eu!" A cara de quem a minha avó chamava "cara de santinho". É o que se indigna porque lhe roubam a carteira e lamenta-se pela falta de polícias nas ruas, mas depois engana o Estado, fugindo aos impostos, e talvez despeça os empregados a cada três meses para evitar contratá-los a tempo indeterminado, ou então possui trabalhadores ilegais."

Para o Papa não existem situações de pecado ou de corrupção "de onde não possamos sair", daí que a misericórdia seja o tema deste jubileu. Diz Francisco que rezar de forma especial neste ano permitirá a "Deus abrir uma fresta nos corações dos corruptos, dando--lhes a graça da vergonha e de se reconhecerem como pecadores".

O autor da entrevista ao Papa é o jornalista do diário italiano La Stampa, Andrea Tornielli, um conhecido vaticanista e coordenador do site Vatican Insider. Antes deste livro, Tornielli escreveu a primeira biografia de Francisco, em 2013, que foi traduzida em 16 países, além de um outro volume sobre o pensamento do Papa sobre questões económicas.

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