Papa Francisco diz que legado de Aristides de Sousa Mendes é "para beber"
O Papa Francisco disse que o legado de Aristides de Sousa Mendes é "para beber", escreveu o sumo Pontífice numa carta lida esta sexta-feira na inauguração do Museu dedicado ao cônsul português que salvou milhares de vidas.
"É com alegria (...) que me uno de coração, não apenas para homenagear, mas para beber o legado de um homem perito em humanidade, justo entre as nações", escreveu na carta lida pelo porta-voz João Crisóstomo.
Na missiva, o Papa Francisco diz que há quatro anos, numa audiência geral, recordou Aristides de Sousa Mendes e "o quanto ele fez em prol da vida de milhares de judeus e outras pessoas perseguidas".
Nesse sentido, assumiu que "é reconfortante fazer memória da liberdade da sua consciência bem formada, alicerçada na defesa da dignidade da pessoa humana".
Nos dias de hoje, referiu, "são testemunhos de fraternidade como deste diplomata português" que "encorajam" e não deixam perder a esperança".
"Na verdade, também diante de nós se continuam a abrir sendas de resgate e caminhos de salvação. Queira Deus que não nos falte a coragem de os percorrer, sobretudo se se revelarem insuficientes as vias de encontro e os trilhos de diálogo", desejou.
O Papa Francisco terminou a carta "agradecendo ao Senhor e juiz da história os luminosos sinais de cada homem e mulher e boa vontade" e a "implorar do céu abundantes graças divinas sobre todos os participantes" na inauguração do Museu.
A mensagem do Papa Francisco foi lida na cerimónia de inauguração do Museu de Aristides de Sousa Mendes, hoje em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal, distrito de Viseu.
A cerimónia foi presidida pelo presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e contou com a presença da ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, e do secretário de Estado das Comunidades, José Cesário.
O secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, também esteve entre as centenas de convidados de todo o mundo, incluindo descendentes do diplomata e dos refugiados salvos por ele.
Também marcaram presença embaixadores de França, Luxemburgo, Estados Unidos da América (EUA), Bélgica, Áustria, Alemanha e Israel, assim como representantes de câmaras onde Aristides de Sousa Mendes foi cônsul.
Aristides de Sousa Mendes foi cônsul de Portugal em Bordéus no ano da invasão da França pela Alemanha Nazi na Segunda Guerra Mundial, e desafiou ordens expressas de António de Oliveira Salazar que acumulava a função de ministro dos Negócios Estrangeiros, e durante três dias e três noites concedeu milhares de vistos de entrada em Portugal a refugiados de várias nacionalidades que desejavam fugir da França em 1940.
Algumas fontes apontam o número de judeus salvos do Holocausto por Sousa Mendes na ordem dos dez mil, num total de trinta mil refugiados a quem terá passado vistos durante a Segunda Guerra Mundial.
Marcelo diz que Museu de Aristides de Sousa Mendes é lição para o futuro
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu esta quinta-feira que o legado de Aristides de Sousa Mendes, personalidade "única do século XX", deixa um legado para o futuro e, também por isso, o museu é universal.
"Ao visitar a casa pude ver de uma forma museologicamente espetacular como era esta família e esta casa no século XIX, princípio do século XX. A vida e carreira de Aristides, o que ele foi e o que ele fez como personalidade única no século XX", disse Marcelo Rebelo de Sousa.
O Presidente discursava, entre o português e o inglês, na cerimónia de inauguração do Museu de Aristides de Sousa Mendes, antiga casa da família do cônsul, em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal, no distrito de Viseu, que reuniu centenas de convidados.
"Este museu é uma lição para o futuro. Todos os museus deviam ser, mas este é especial. Não tivemos no século XX, em Portugal, tantos heróis assim como Aristides de Sousa Mendes", defendeu o chefe de Estado.
E "só não foi ele sozinho", como sugeriu um familiar ali sentado, porque, no entender de Marcelo Rebelo de Sousa "sua mulher e a sua família sempre o apoiaram", mas, "mesmo que fosse sozinho, foi um herói, único e singular".
"E queremos que esse exemplo passe a crianças como o João e a Joana", afirmou, referindo-se a dois descendentes da família de Aristides de Sousa Mendes que o acompanharam na visita ao museu no dia em que se vive "um momento histórico".
O Presidente contou que viu e apontou para as crianças, no decorrer da visita, para lhes dizer "o que era uma ditadura, o que foi o nazismo, o que foi Portugal durante a ditadura, o que era resistir à ditadura, o que foi salvar judeus que tentavam lutar pela liberdade fora dos seus países".
Marcelo Rebelo de Sousa contou que ouviu "histórias únicas" de filhos e netos que viveram na casa, agora museu, e destacou a de uma neta que "só percebeu a história da família quando abriu uma mala, com recordações da família".
"Isto é um museu, que não é local, nem regional, nem nacional. É universal. Este museu diz-nos a todos nós, que aqui estamos, que a luta de Aristides de Sousa Mendes não terminou, começa todos os dias e essa é a lição que ele nos deixa", defendeu.
Marcelo Rebelo de Sousa citou ainda as mensagens ouvidas anteriormente do papa Francisco e do secretário-geral da ONU, António Guterres, que diziam para "todos os dias construir a paz em vez da guerra".
"Respeitar a dignidade humana, conviver com todos, ser tolerante, praticar o diálogo, ser contra tudo o que é racismo, intolerância, xenofobia, ódio, aceitar que não há povos eleitos, não há personalidades eleitas, somos todos igualmente seres humanos, esta é a mensagem", terminou.
No seu entender, "Aristides de Sousa Mendes colocou Portugal no mundo".
"O seu exemplo deveria ser sempre o nosso exemplo. Viva Aristides de Sousa Mendes, viva Portugal, viva para além de Portugal a mensagem universal de Aristides de Sousa Mendes, viva o diálogo, a tolerância, viva a não-discriminação, viva a justiça, viva a fraternidade, viça a paz, viva um mundo melhor", terminou já debaixo de palmas.
No início da sua intervenção, Marcelo Rebelo de Sousa agradeceu ainda ao secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, em nome da "linhagem [socialista] que representa", lembrando Mário Soares, Maria Barroso, Jaime Gama "e muitos outros", pela "luta constante pela memória de Aristides de Sousa Mendes e pelo seu reconhecimento nacional e internacional".
Melhor homenagem é criar condições para a mais objetiva história do cônsul de Bordéus
A ministra da Cultura defendeu hoje que a melhor homenagem que se pode prestar a Aristides de Sousa Mendes, depois da inauguração da Casa do Passal, passa por criar condições para "fazer a sua história o mais objetivamente possível".
"A reconstrução da Casa do Passal, com toda a sua dimensão arquitetónica e simbolismo de respeito pela sua vida e coragem, deverá concretizar um programa que favoreça a investigação, crie bolsas, faça desenvolver os recursos documentais e os instrumentos de prova", destacou Dalila Rodrigues.
Na cerimónia de inauguração da Casa Museu de Aristides Sousa Mendes, no concelho de Carregal do Sal, distrito de Viseu, Dalila Rodrigues sublinhou que só assim será possível chegar às "melhores interpretações, procurando estabelecer comparações e determinando quais os regimes de heroicidade mais relevantes para compreender" o cônsul de Bordéus.
"Dotar a Casa do Passal de recursos documentais e bibliográficos que permitam transformá-la em lugar de memória e de formação de cidadãos responsáveis e conscientes da barbárie dos massacres racistas que foi o Holocausto, muito em especial num país que julga ter permanecido à margem da Shoah, é um imperativo que esta homenagem a Aristides Sousa Mendes, estou em crer, vai permitir e consolidar", sustentou.
Ao longo da sua intervenção, a ministra da Cultura recordou que Aristides de Sousa Mendes salvou milhares de vidas, num contexto e circunstâncias que "engrandecem ainda mais a sua coragem e a sua desobediência iluminada a uma ordem dos homens, para obedecer a um imperativo maior".
"O seu legado não é apenas o seu exemplo, é tudo aquilo que ele tornou possível. A sua história e a história das vidas que salvou mostram-nos o valor inestimável da resistência face ao horror: está nas nossas mãos garantir que, até nos lugares mais violentos e nos momentos mais difíceis, a cultura e a humanidade sobrevivem", apontou.
De Aristides de Sousa Mendes, "um homem singular", evidenciou a sua empatia e sentido de solidariedade, em maio e junho de 1940, que lhe "valeram o estatuto de herói".
"O Museu Aristides de Sousa Mendes é, a partir de hoje, um espaço singular do património nacional e um lugar de grande relevância cultural, social e histórica para o nosso País. A Casa do Passal é um símbolo da memória de Aristides de Sousa Mendes e da nobreza da sua ação heroica que, num dos capítulos mais negros da história da humanidade, salvou a vida a milhares", concluiu.