Pandemia fez 400 mil pessoas passar à condição de pobreza em Portugal
A quebra de rendimentos mais profunda aconteceu entre quem já era pobre, que perdeu um quinto do que ganhava, estima centro Prosper da Universidade Católica.
Acrise trazida pela pandemia terá feito passar à condição de pobreza 400 mil pessoas em Portugal, agravando a taxa de risco de pobreza para 23% e acentuando as desigualdades de rendimentos. Os 5% mais ricos em Portugal ganharão agora 8,3 vezes mais do que a restante população, estima o Centro da Economia para a Prosperidade da Universidade Católica, o Prosper.
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"A distribuição do rendimento moveu-se para toda a gente, mas quem caiu abaixo do nível de pobreza foram as pessoas que eram classe média e passaram a ser pobres", explica Joana Silva, diretora do centro e uma das autoras do estudo, que parte dos dados de distribuição de rendimento do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento do INE para simular o impacto da quebra de rendimentos no último ano para os diferentes grupos, face a um cenário em que não tivesse havido crise. As estimativas incorporam os efeitos dos apoios lançados, como o lay-off simplificado, mas deixam de fora o impacto do desemprego.
Sem pandemia, calcula o estudo, a mediana de rendimentos nacional teria ficado em 10 100 euros, com o limiar de pobreza nos 6060 euros. Entre quem estava antes da crise um pouco acima do limiar de 6060 euros - e que, por isso, surge já enquadrado na classe média - terá havido um universo de 400 mil pessoas cujos rendimentos afundaram, descendo ao patamar que dá acesso à pobreza.
O estudo mantém a linha imaginária de fronteira com a pobreza que seria traçada na ausência de crise para definir esta nova distribuição. Porém, os dados oficiais de pobreza tenderão a ser mais brandos, quando forem conhecidos, já que a perda de rendimentos também reduz o limiar de pobreza, fazendo assim com que uma percentagem menor da população seja considerada pobre.
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A opção foi, no entanto, a de retirar esse filtro artificial para revelar o impacto da crise. "Era por construção que não ia haver pobreza, porque a mediana diminuiu também", justifica Joana Silva.
Já considerando todos os grupos de rendimentos que sofreram perdas, a descida não foi igual para todos. Quem caiu mais fundo no elevador social, afinal, foram os mais pobres de entre os pobres portugueses, que ficaram praticamente sem um quinto dos rendimentos que tinham.
"A pessoa média portuguesa perdeu 7% do rendimento, mas se considerarmos os cidadãos que tiveram perdas vemos que entre a classe média a perda foi de cerca de 15%, e entre os mais pobres foi de 19%", reflete a economista que dirige o Prosper.
A conclusão está em linha com os efeitos diferenciados na atividade económica, que penalizou mais setores de salários baixos, com mais trabalhadores com baixas qualificações, e também uma região em particular, o Algarve, conforme destaca a análise do centro da Católica.
Já no grupo de população com rendimentos médios-baixos que sofreram efetivas perdas, a diminuição de ganhos foi de 16%, sendo que a classe média-alta que perdeu efetivamente rendimentos, como referido, houve perdas da ordem dos 15%. Por fim, entre os mais ricos que perderam com a crise a descida de rendimentos média foi de 11% (ver quadro).
Por efeito das mudanças na distribuição de rendimentos, a desigualdade aumentou em 9%, estimam os economistas do Prosper, com os 5% mais ricos de Portugal a ganharem agora 8,3 vezes mais que os restantes 95% da população (contra 7,6 vezes apenas num cenário sem crise).
Os dados do estudo - "O impacto da Covid-19 na Pobreza e Desigualdade em Portugal, e o efeito mitigador das políticas de proteção" - dão também dimensão ao efeito das medidas de apoio adotadas durante o primeiro confinamento, na primavera do ano passado, e conclui que seria tudo muito pior sem ela.
Segundo as simulações, assistir-se-ia em apenas oito semanas a um aumento imediato da taxa de pobreza de 22%, quase tanto quanto o lastro da pandemia acabou por deixar no conjunto dos meses de 2020 (a subida na taxa terá sido de 25%, segundos cálculos). Já com as medidas adotadas, o impacto do primeiro estado de emergência ficou, nesse período, por um agravamento de 3%.

Maria Caetano é jornalista do DInheiro Vivo