Pandemia deixou quase 5 mil cancros por diagnosticar

Menos consultas, exames de diagnóstico e rastreios geraram cenário preocupante nas diversas áreas da oncologia em 2020 e 2021. Doentes chegam às consultas em estádios mais avançados da doença, o que reduz as hipóteses de tratamento, contribui para o aumento da mortalidade, e implica gastos mais elevados para o Estado. Situação tende a normalizar em 2022.
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Mais de 13 milhões de contactos presenciais nos cuidados de saúde primários ficaram por realizar entre março de 2020 e novembro de 2021. Nos hospitais, o cenário foi semelhante com 500 mil cirurgias a serem canceladas (menos 25% do que no ano anterior), 3,8 milhões de episódios de urgência que não aconteceram (menos 40% do que em 2019), ou 1,2 milhões de internamentos que não existiram (menos 18%), por receio dos pacientes ou por falta de camas desviadas para doentes covid.

Os dados são do Portal da Transparência do SNS e retratam uma situação que, em muitos casos, ainda não voltou à realidade pré-pandemia. No início de 2022, como está o SNS a dar resposta a estas situações que ficaram pendentes, e como garante que ninguém fica para trás, sem tratamento ou diagnóstico? Estas e outras questões servirão de ponto de partida ao webinar "Pandemia vs Oncologia: Onde estamos e para onde vamos", que será transmitido através dos canais digitais do DN a 4 de fevereiro, data em que se assinala o Dia Mundial do Cancro.

A conversa, promovida em parceria entre o Diário de Notícias, AstraZeneca e Daiichi Sankyo, reunirá um conjunto de médicos oncologistas e hematologistas, que ajudarão a compreender a realidade que se vive atualmente nos hospitais, apontando caminhos de melhoria nos rastreios, diagnósticos e terapêuticas para que todos tenham acesso aos melhores, e mais eficazes, cuidados de saúde. Luís Costa, diretor do departamento de oncologista do Centro Hospital de Lisboa Norte, António Araújo, diretor do serviço de oncologia médica do Centro Hospitalar Universitário do Porto, Catarina Geraldes, hematologista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, e Tamara Milagre, presidente da Evita, associação de apoio aos doentes com cancro hereditário já têm presença confirmada neste webinar.

No Centro Hospitalar e Universitário do Porto, António Araújo acompanhou de perto a resposta do serviço de oncologia médica, que dirige, às condicionantes da pandemia. Nos primeiros seis meses, o especialista reconhece a dificuldade na realização de rastreios quer pelo receio dos doentes em procurar assistência, desde logo, junto dos seus médicos de família e nos centros de saúde, como no recurso às consultas externas ou de urgência no hospital. "Por aqui tentámos adaptar-nos o mais possível às circunstâncias manter os doentes acompanhados, sem interromper as terapêuticas", explica. Mas, apesar das dificuldades iniciais, António Araújo afirma que, atualmente, os rastreios e a atividade clínica e cirúrgica estão em vias de normalizar. "Os cuidados primários também estão a regressar à normalidade e, no hospital, temos apenas alguns atrasos nas últimas semanas devido à quantidade de médicos em isolamento profilático".

No caso concreto do cancro do pulmão, o especialista reconhece, contudo, que a pandemia provocou atrasos no diagnóstico, o que resultou no aumento de doentes com a patologia em estádios mais avançados, o que dificulta o tratamento. "Em muitos casos tivemos que optar por não tratar e garantir apenas os cuidados paliativos", diz. Uma situação que afeta, não só, a longevidade e qualidade de vida do doente, como comporta maior despesa para o Estado.

Pelo contrário, na hematologia, especialidade que trata doenças do sangue, oncológicas ou crónicas, o impacto da pandemia no acesso aos cuidados de saúde foi "muito pouco significativa", como assume Catarina Geraldes. A especialista refere apenas pequenos ajustes, nomeadamente, o aumento das consultas em formato não-presencial, tendo os tratamentos mantido o seu ritmo, apesar da opção por terapêuticas menos agressivas, e com menor necessidade de internamento, para não melindrar os doentes. Neste momento, diz, "a situação é quase normal, apesar de mantermos algumas consultas de acompanhamento à distância, maioritariamente por escolha dos doentes.

Terapêuticas mais eficazes, personalizadas e menos tóxicas são, na opinião dos dois especialistas contactados pelo DN, o resultado de "avanços notáveis" ao longo das últimas décadas. "São tratamentos mais eficazes e dirigidos e que poupam o doente à quimioterapia, muito mais agressiva", explica Catarina Geraldes. Esta abordagem terapêutica garante melhores resultados, mais sobrevivência e longevidade com qualidade de vida.

Na especialidade de hematologia, depois de feito o diagnóstico, o tratamento tem que ser iniciado com a maior brevidade. "Não podemos perder tempo", diz a hematologista. Felizmente, acrescenta, "não sentimos dificuldade no acesso à inovação terapêutica durante a pandemia". António Araújo partilha de opinião semelhante. "A inovação não para", reconhece. No tratamento do cancro do pulmão, a opção de terapêuticas era, há 20 anos, muito limitada, com a quimioterapia a ser praticamente a única. Na última década, explica o especialista, a imunoterapia surgiu como um grande avanço, ao atuar sobre o sistema imunológico. Hoje, em muitos casos, a opção passa pela utilização combinada das duas, o que dá mais tempo mesmo aos doentes em estádios mais avançados.

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