Os alertas têm-se sucedido: as gerações jovens atuais podem ser as primeiras a viver menos do que os seus pais. E no topo dos fatores de risco estão as doenças relacionadas com a alimentação. Desde logo, a obesidade, há muito considerada uma epidemia global pela Organização Mundial da Saúde, e que afeta hoje mais de mil milhões de pessoas (uma em cada oito) no planeta inteiro. Em Portugal, os números também preocupam: “Mais de 60% da população adulta portuguesa tem problemas de peso, obesidade ou pré-obesidade, refletindo a tendência europeia. E no caso das crianças entre 7 e 9 anos, já 45% apresentam obesidade ou pré-obesidade”, sublinha ao DN Helena Real, secretária-geral da Associação Portuguesa de Nutrição.Neste Dia Mundial da Obesidade, que hoje se assinala, há pouco para celebrar e muito trabalho a fazer para tentar inverter uma realidade que, diz a nutricionista, foi agravada pela pandemia de covid-19. Se em 2019 se “começava a ver um declínio daquilo que eram os níveis de obesidade nas crianças, a pandemia de veio estragar, em certa medida, esse esforço”, tendo levado a um “ligeiro aumento dos níveis de obesidade e pré-obesidade” nessa faixa etária - a obesidade subiu dos 11,9% em 2019 para 13,5% em 2022, enquanto a pré-obesidade passou de 29,7% para 31,9%, segundo os dados do último estudo COSI, iniciativa da OMS Europa. “Se a estrutura escolar impunha uma maior regulação alimentar e de atividade física, isso regrediu com os confinamentos em ambiente doméstico”, evidencia Helena Real, esperando que os próximos dados já traduzam um regresso a rotinas mais saudáveis. Mas se a pandemia de covid-19 já ficou para trás, há hoje outros fatores a preocupar os nutricionistas, sobretudo relacionados com modas e comportamentos. Do “inevitável” Ozempic e medicamentos similares, que apresentam resultados quase “milagrosos”, até aos influenciadores digitais que promovem dietas alimentares mágicas nas redes sociais. Comecemos por esses revolucionários fármacos inicialmente indicados para o tratamento da diabetes tipo-II, mas que se tornaram famosos pelo efeito de emagrecimento que tem levado a uma corrida às farmácias - só no último ano, em Portugal, venderam-se mais de 300 mil embalagens de semaglutido (princípio ativo do Ozempic) e chegou a haver rotura de stock, deixando muitos diabéticos sem acesso ao medicamento. “No passado já se verificou o mesmo com outros fármacos que na altura apareciam como sendo miraculosos”, nota a secretária-geral da Associação Portuguesa de Nutrição, que admite que este é atualmente um tema bastante popular entre quem procura ajuda médica ou de nutrição. “Claro. É mais fácil deixarmo-nos tentar pela ideia de que tomar um remédio qualquer nos vai resolver o problema do que analisarmos e mudarmos aquilo que são, muitas vezes, comportamentos de muitos anos, seja a nível alimentar ou de estilo de vida”.. Se é verdade que os medicamentos podem ter um papel positivo no controlo da obesidade, “o risco real está na ilusão de que um comprimido pode resolver um problema complexo sem a adoção de hábitos saudáveis”, refere Helena Real. A nutricionista lembra que a obesidade é, sobretudo, “uma doença de comportamento alimentar, e os fármacos, por si só, não resolvem a raiz do problema”. Pelo contrário, “podem levar à negligência de hábitos alimentares saudáveis, o que compromete a saúde no médio e longo prazo”, diz, lembrando que uma alimentação inadequada é fator de risco também para várias doenças crónicas, como diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e até cancro.Mitos e desinformaçãoNuma era em que grande parte da informação é absorvida no universo digital, nas diversas redes sociais que frequentamos, outro problema que ganha cada vez maior dimensão, aponta Helena Real, é a proliferação de influenciadores que ditam tendências de dietas e hábitos alimentares para milhares de seguidores online. O problema? Nem sempre (“ou raramente, até”) essas informações são baseadas em ciência. “Comer é um ato muito complexo, e recomendar dietas sem conhecimento técnico é muito perigoso”, destaca a vice-presidente da Associação Portuguesa de Nutrição, que admite preocupação em relação ao impacto crescente da “desinformação sobre alimentação e saúde”. Entre os “mitos mais prejudiciais” que importa desmascarar estão “as dietas radicais, que incentivam a eliminação total de grupos alimentares”, e os chamados alimentos “milagrosos”, promovidos como “soluções infalíveis para emagrecer ou curar doenças”. “O perigo está no facto de muitas pessoas seguirem essas recomendações sem avaliar se são adequadas para o seu próprio organismo. Não é porque um influenciador perdeu peso com uma determinada dieta que essa estratégia funcionará para toda a gente”, diz Helena Real, sublinhando que “este alerta é essencial, pois cada organismo responde de forma diferente, e uma dieta mal orientada pode levar a deficiências nutricionais graves”.Entre as diversas abordagens alimentares estudadas, a Dieta Mediterrânica continua a ser uma das mais recomendadas pelos especialistas devido aos seus benefícios para a saúde e sustentabilidade ambiental. Como explica a nutricionista, “a Dieta Mediterrânica não é um plano de restrição, mas sim um estilo de vida equilibrado, que valoriza os produtos locais e respeita a sazonalidade dos alimentos.”De resto, salienta Helena Real, o combate à obesidade passa, sobretudo, “pela promoção da literacia em alimentação e saúde”, incluindo, por exemplo, “conteúdos de nutrição nos programas escolares, especialmente nas Atividades de Enriquecimento Curricular (AECs)”. Além disso, a secretária-geral da APN lembra a importância de “incentivar políticas públicas que favoreçam uma alimentação sustentável”, como a fiscalidade positiva. “O IVA zero para produtos alimentares saudáveis é um exemplo de uma estratégia que já mostrou bons resultados”, conclui, realçando que a obesidade é também uma das doenças que mais refletem as “desigualdades socioeconómicas”. .Dia Mundial da Obesidade: reflexões sobre a prevenção e o tratamento.O que define a obesidade?