Hepatites agudas. Pais devem estar atentos aos sinais, sobretudo aos olhos amarelados
O Reino Unido é até agora o país com maior número de casos de um tipo de hepatite cuja causa é ainda desconhecida. Dos 190 identificados em pouco mais de um mês em 12 países, reúne 114, uma morte e 17 transplantes. Foi o primeiro país a dar o alerta às autoridades de saúde europeias a 5 de abril, depois de a 31 de março o Conselho de Saúde do Serviço Nacional de Saúde Escocês (NHS) dar conta ao Public Health Scotland (PHS) que havia cinco crianças, dos três aos cinco anos, internadas há várias semanas com hepatite grave e de origem desconhecida. Passados sete dias, já tinham sido identificados casos em todo o país e em crianças aparentemente saudáveis. Só depois começaram a chegar situações relatadas em outros países, como EUA, Israel, Espanha, Dinamarca, Irlanda, Holanda, Itália, Noruega, França, Roménia e Bélgica. Ontem, o Japão também veio anunciar a possibilidade de ter o primeiro caso da doença.
Até ontem, Portugal ainda não tinha diagnosticado nenhum caso deste tipo, mas como referiram ao DN Rui Tato Marinho, diretor do Programa Nacional para Hepatites Virais, da DGS, e o pediatra Jorge Amil Dias, especialista na área de gastroenterologia e presidente do Colégio da Especialidade da Ordem dos Médicos, "é muito plausível que venham a ser diagnosticados. O mundo global é assim".
Mas ainda é cedo para se saber o que se passa e o que pode estar na origem desta hepatite aguda ou atípica, como já foi designada. No entanto, as situações já estão a ser investigadas pelas autoridades de saúde. "Para se ter evidência científica de uma dada situação são precisos mais dados, mais informação. A percentagem de casos identificada até agora é maior do que os casos habituais de hepatite na população normal, mas 200 casos em medicina, não são muitos casos para se perceber o que se está a passar. E, como se costuma dizer, não há fumo sem fogo".
A situação está a preocupar as autoridades europeias. A Comissária Europeia para a Saúde ainda ontem o admitiu numa conferência de imprensa sobre a covid-19. Dos 12 países com casos registados, nove integram a UE. O Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC, sigla inglesa) criou um Grupo de Crise para vigiar a doença e, na manhã de ontem, reuniu com os representantes dos organismos oficiais da saúde de cada país, incluindo Portugal.
Segundo explicaram ao DN, na reunião foi divulgada a informação recolhida pelo Reino Unido, que consta de um relatório de 140 páginas, e foi pedido a todos os Estados que façam o mesmo, para se tentar identificar os "fios condutores". E já há alguns. "É uma hepatite grave, que está a provocar a destruição grave do fígado; uma em cada dez crianças precisou de um transplante do fígado e os mais atingidos são as crianças muito pequenas, a maioria está entre os três e os cinco anos, embora possa haver casos extremos, em crianças com menos de um ano ou em adolescentes, com 16 anos", explicou Rui Tato Marinho , que também é diretor do Serviço de Gastrenterologia e Hepatologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) e professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL).
Mais há mais "fios condutores", como "a possibilidade de a origem da doença estar num adenovírus", embora haja outras hipóteses a serem estudadas, e o facto de este vírus ser distinto dos que estão na origem das hepatites A, B, C, D e E.
Contudo, e quando se fala em sintomas, há um que está a distinguir a situação e que é idêntico ao de qualquer hepatite, a icterícia, os olhos amarelados, sendo este um dos sinais a que os pais devem estar mais atentos, embora os os sintomas mais comuns já registados vão desde febre, diarreia, vómitos, dor abdominal, urina escura, falta de apetite e prostração.
O diretor do programa das hepatites destaca: "Algumas crianças têm febre, diarreia, vómitos prostração e ficam com os olhos amarelados. É a tal icterícia a que os pais devem estar atentos, pois é um dos sinais de problemas no fígado". Por isso, o melhor conselho que este médico considerou poder dar aos pais "é que se mantenham atentos".
A Organização Mundial da Saúde veio também ontem afirmar não ter encontrado qualquer relação da doença com a covid-19 ou com a administração da vacina. Mas há especialistas que consideram plausível que o vírus esteja a atingir as crianças mais pequenas devido aos confinamentos.
Rui Tato Marinho confirmou ao DN que "esta á uma hipótese plausível, mas há várias que estão a ser analisadas". "As crianças pequeninas não estiveram tão expostas aos vírus normais, ficaram mais fechadas em casa e os adultos à sua volta andavam de máscara, portanto houve uma modificação no ambiente", argumentou.
As crianças mais atingidas são as da faixa etária abaixo dos cinco anos, embora "possa haver casos extremos, refere este médico. O ECDC revelou que esta situação já foi detetada em crianças com menos de um ano, bem como em adolescentes, com 16 anos.
Em Portugal, ainda não há nenhum caso registado que se enquadre neste diagnóstico, mas "os pediatras já estão muito atentos à situação", sublinhou Rui Tato Marinho. O pediatra Jorge Amil Dias, especialista na área de gastroenterologia e presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, corroborou. "Há muitos anos que os pediatras estão habituados a identificar os sintomas da hepatite e num caso de suspeita farão os exames necessários para a diagnosticar".
Questionado sobre que conselhos dar aos pais, o médico disse que "não há muitos". O importante "é que, no caso de a criança ficar doente, observarem com atenção os sinais. Se forem sinais genéricos devem abordar o médico assistente, se forem sinais de alguma severidade, com o atingimento do estado geral da criança, então deverão recorrer a um serviço de urgência hospitalar, que fará os exames necessários".
Para o pediatra, nesta altura, "não há que sofrer por antecipação nem criar pânico à volta da situação". Como diz, "a doença pode não chegar cá, embora seja muito plausível que chegue. O mundo global é assim".
No entanto, explica que os casos registados foram diagnosticados em locais que estão bem identificados, podendo também estar associados ao consumo de algum produto ou de algum alimento, mas é preciso aguardar por mais informação. Enquanto presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria, o médico disse ao DN que "o colégio não emitirá qualquer documento sobre a situação, porque as suas funções não são científicas, são reguladoras, de supervisão e de formação. E esta questão não está nesse âmbito".
Em Portugal, todas as crianças são vacinadas à nascença contra a Hepatite B, que juntamente com a Hepatite C são as formas mais graves da doença, e isso "dá uma proteção muito boa às crianças, sendo raro hoje desenvolverem formas de hepatite muito graves". Os pediatras estão atentos, as autoridades também, havendo já grupos de peritos a estudar a situação. Agora, "é aguardar por mais informação", dizem os médicos portugueses.