Ordem suspende médicos com base em artigo que prevê punições até à expulsão

O Conselho Disciplinar da Secção Regional do Sul suspendeu preventivamente dois cirurgiões que estão a ser investigados no âmbito de uma denúncia de má prática clínica. O artigo invocado, o n.º33, refere que a suspensão preventiva só pode ser aplicada quando há indícios de factos que possam ser punidos com penas máximas, como suspensão até dez anos ou expulsão. O bastonário justifica a decisão com a recolha de "indícios graves", proteção dos doentes e para que a investigação não seja prejudicada.
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Os dois médicos do Serviço de Cirurgia Geral do Hospital de Faro, Pedro Miguel Henriques e Martins Santos, envolvidos na queixa que a médica interna, Diana de Carvalho Pereira, apresentou à Polícia Judiciária no início de abril, por má prática clínica, foram suspensos pelo Conselho Disciplinar da Seção Regional do Sul.

A decisão, que foi tomada numa reunião ao final da tarde de terça-feira, está expressa num Edital assinado pelo presidente do Conselho Disciplinar, Diogo Pais, que foi ontem afixado, na sede da Ordem dos Médicos, em Lisboa. E neste pode ler-se que "os cirurgiões Pedro Miguel Henriques e Martins dos Santos (diretor de serviço), são suspensos preventivamente pelo período de seis meses, nos termos do artigo n.º 33 do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Médicos, tendo sido fixado o dia 15 de junho para o início do cumprimento da suspensão e com término a 4 de dezembro".

Na base da decisão, está o facto de terem sido identificados "indícios graves" de que as boas práticas médicas não terão sido cumpridas e de este organismo da Ordem não querer que nada possa prejudicar a investigação em curso, "havendo que afastar, por agora, os médicos do serviço".

O próprio bastonário dos médicos assumiu que a decisão tomada "não foi fácil, mas já dei os parabéns ao Conselho Disciplinar pela sua atuação rigorosa e célere", reforçando que que "esta Ordem está apostada em assumir as suas responsabilidades e em fazer cumprir as legis artis, as boas-práticas da medicina".

O dirigente da Ordem especificou ainda que a decisão só foi tomada por haver "indícios de alguma gravidade nos casos enviados à Ordem dos Médicos e por os dois cirurgiões não poderem continuar em exercício por motivos de segurança dos doentes, e para permitir ao Conselho Disciplinar continuar a fazer o seu trabalho de análise dos processos".

Segundo é referido no Edital, a suspensão é decretada ao abrigo do artigo nº 33, do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Médicos, onde no segundo ponto especifica que "a suspensão preventiva só pode ser decretada nos casos em que haja indícios da prática de infração disciplinar à qual corresponda uma das sanções previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 14.º".

Ora, o artigo n.º 14, nas alíneas referidas, dita também que esta suspensão preventiva só pode ser decretada em situações em que possa ser aplicada como sanção "uma suspensão que pode ir até 10 anos ou mesmo a expulsão", que são as penas máximas.

O DN tentou contactar os médicos em causa, mas sem sucesso. O mesmo aconteceu com o Hospital de Faro, para o qual foi enviado um email para obter uma reação à decisão da Ordem, que não teve resposta.

Recorde-se que a queixa apresentada pela médica interna Diana de Carvalho Pereira, que foi afastada da unidade de Faro, por a relação com o seu orientador estar ferida de confiança, estando agora prosseguir o internato com orientação no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital de Portimão, visava 11 casos ocorridos nos primeiros três meses deste ano, dos quais três resultaram no falecimento dos doentes.

O caso veio a público porque a própria médica decidiu denunciá-lo, após ter feito queixa na PJ, nas redes sociais. "Fiz uma queixa na Polícia Judiciária de Faro contra o meu ex-orientador de formação e contra o diretor do Serviço de Cirurgia", referia na primeira publicação, sem divulgar qualquer nome dos visados.

"Relatei onze casos ocorridos entre janeiro e março deste ano daquilo que considero erro/negligência e que estão neste momento a ser investigados pelo Ministério Público", acrescentando que dos "onze doentes: três morreram, dois estão internados nos cuidados intermédios, os restantes tiveram lesão corporal associada a erro médico, que variam desde a castração acidental, perda de rins ou necessidade de colostomia para o resto da vida. Um dos doentes esteve uma semana com compressas no abdómen".

Outras se seguiram e foi através destas publicações que se foram sabendo alguns contornos da situação denunciada no Serviço de Cirurgia Geral de Faro. "Ele [o diretor do serviço] conhece os casos das queixas e não decidiu fazer queixa ou afastar o cirurgião em causa. É, portanto, conivente com os atos e foi também, pelo mesmo motivo, alvo das queixas".

Após a denúncia, Diana Pereira veio ainda dizer que estava a ser "alvo de retaliações". "Inventaram uma história para me difamar junto ao hospital inteiro. Alegam insanidade, quando a minha queixa é referente a atos clínicos, baseada em provas com meios complementares de diagnóstico e relatos cirúrgicos. Alegam insanidade. Eu nunca fui um perigo para nenhum doente."

Na altura, o bastonário Carlos Cortes afirmou logo que a denúncia indiciava elementos de grande complexidade. Nomeou uma Comissão Técnica Independente, liderada pelo cirurgião do IPO do Porto, Joaquim Abreu de Sousa, sobre o qual também foi enviada uma denúncia anónima à Ordem, sobre assédio moral e má prática, que deveria recolher toda a informação que depois deveria ser avaliada pelos órgãos competentes, mas que até agora nada se soube sobre o trabalho que esta pode estar a efetuar.

O bastonário tem reafirmado querer que "este caso seja tratado de forma exemplar" pela Ordem dos Médicos. A investigação do Conselho Disciplinar vai continuar, mas há outras em aberto das quais nada se sabe, como do Ministério Público e da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde.

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