A Polícia Judiciária (PJ) está a realizar buscas em vários pontos do país — incluindo no Gabinete Coordenador de Missão no Âmbito dos Incêndios Rurais, sediado no Estado-Maior da Força Aérea, em Alfragide — numa megaoperação que visa apurar suspeitas de um alegado cartel na contratação de meios aéreos para o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR).Entre os alvos da investigação na Operação Torre de Controlo estão, sabe o DN, várias empresas ligadas ao setor, como a Helibravo, Heliportugal, Gesticopter, Gestifly, Elitellina e HTA Helicópteros, bem como três oficiais aposentados da Força Aérea — dois generais e um tenente-coronel.De acordo com dados do portal BASE, que centraliza informações sobre contratos públicos em Portugal, estas empresas já celebraram contratos com o Estado no valor total de mais de 342 milhões de euros (342.839.136,48€), entre 2009 e 2025, maioritariamente para a disponibilização e locação (aluguer) de helicópteros destinados ao combate a incêndios rurais, mas também para emergências médicas e outros serviços aéreos especializados, como transporte aéreo, fotografia aérea, apoio a levantamentos técnicos e aluguer de helicópteros para eventos específicos.Só no último ano e meio — desde janeiro de 2024 —, há 33 contratos destas empresas registados no BASE, num valor total que ascende a 175 milhões de euros. E praticamente todos celebrados com a Força Aérea no âmbito da contratação de meios aéreos para o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR), aquilo que está sob escrutínio nesta investigação da PJ.Detalhamos aqui os contratos por empresa:— A Helibravo, liderada por João Maria Bravo, assinou 43 contratos públicos entre 2009 e 2025, totalizando mais de 183 milhões de euros (183.144.689,89€). Destes, 21 contratos foram com a Força Aérea, dos quais 14 por concurso público e 7 por ajuste direto. Só neste ano de 2025, a empresa já celebrou quatro contratos com a Força Aérea, no valor de mais de 47 milhões de euros, todos por concurso público, para a disponibilização e locação de meios aéreos do DECIR.Como titulares da empresa estão registados João Maria do Casal Ribeiro Bravo, Maria Cristina do Casal Ribeiro Bravo, José Maria do Casal Ribeiro Bravo, Maria Madalena de Casal Ribeiro Bravo e a empresa de armamento Sodarca, também detida por João Maria Bravo, empresário conhecido também por ter sido identificado como um dos financiadores do partido Chega, numa reportagem de investigação do jornalista Miguel Carvalho, publicada na revista Visão, em julho de 2020. — A Heliportugal, uma das primeiras empresas de helicópteros privadas em Portugal, fundada em 1982, firmou 19 contratos entre 2012 e 2024, num valor total superior a 63 milhões de euros (63.684.760,09€). Quatro destes contratos, todos por concurso público, foram com a Força Aérea, abrangendo a aquisição de serviços de operação, gestão de aeronavegabilidade e manutenção de aeronaves, além da locação de meios aéreos para o DECIR. Mas a empresa de Pedro Silveira, que em março viu ser-lhe suspensa a licença de transporte aéreo, fez apenas um contrato com a Força Aérea nos últimos anos, em 2024. — A Gesticopter tem apenas registado no BASE um contrato, e já em 2025, no valor de 16.375.617 euros, com a Força Aérea. Foi realizado através de concurso público, para serviços de locação de meios aéreos do DECIR (2025-2027). A empresa, avançou a SIC Notícias, tem ligações familiares ao ministro da Presidência, Leitão Amaro, através do cunhado e do irmão do governante. O ministro já admitiu a ligação e afirmou ter pedido escusa, em Conselho de Ministros, para decisões relacionadas com o combate a incêndios, devido a este conflito de interesses. — A Gestifly celebrou oito contratos entre 2024 e 2025, totalizando mais de 25 milhões de euros (25.196.340,59€), todos com o Estado-Maior da Força Aérea. Cinco destes foram por ajuste direto e três por concurso público, todos relacionados com a disponibilização e locação de meios aéreos para o DECIR.— A Elittelina SRL tem um contrato registado no portal BASE, também com o Estado-Maior da Força Aérea como entidade adjudicante, com a data de 31 de março de 2024. O preço contratual foi de 3,1 milhões de euros (3.130.665€) e refere-se igualmente a um concurso público para disponibilização e locação de meios aéreos para o DECIR. Sucursal portuguesa de uma empresa italiana, tem sede no Porto e como representantes Miguel Almagro e Enrico Carraro. — Já a HTA Helicópteros assinou 12 contratos entre 2016 e 2025, no valor total de 51.307.063,50 euros. Destes, os últimos sete contratos foram com a Força Aérea, em 2024 e 2025, por valores totais de 51,036 milhões de euros. Dois deles foram por ajuste direto e cinco por concurso público, todos para serviços do DECIR.Num aumento de capital realizado em dezembro de 2015, a empresa apresentava três titulares: Maria Fernandes Barros, José António Fernandes Barros e Marta Féria Barros. Em 2021, Maria Fernandes Barros cessou funções como gerente. .Corrupção no combate a incêndios. Constituídos 12 arguidos, há dois generais e um tenente-coronel suspeitos.Suspeitas de manipulação dos concursos públicosAs suspeitas da PJ recaem sobre a possível manipulação de concursos públicos, com práticas que poderão ter inflacionado preços ou restringido a concorrência, prejudicando o erário público.A investigação, que inclui buscas às instalações das empresas e às residências de alguns responsáveis, aponta para a possibilidade de um esquema coordenado que envolveu a adulteração das regras de contratação pública ao longo de anos, numa lógica de cartel.As autoridades suspeitam de crimes como associação criminosa, corrupção, burla, tráfico de influência e fraude fiscal, relacionados com a viciação de concursos públicos.Governo destinou muitos milhões ao reforço dos meios aéreos de combate a incêndiosEsta operação surge pouco meses depois de, em dezembro passado, pela voz do ministro Leitão Amaro, o Governo português ter anunciado a aprovação de um total de 221 milhões de euros para a contratação de meios aéreos de combate a incêndios entre 2025 e 2028, somando-se a 136 milhões de euros já anteriormente autorizados, com o objetivo de ter 71 aeronaves alugadas e cinco próprias no âmbito do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR), de forma a garantir a cobertura aérea necessária para os próximos quatro anos.Recorde-se que, em 2018, o então primeiro-ministro António Costa havia acusado empresas de meios aéreos de agirem de forma "concertada" para inflacionar preços, acusação que, à época, foi rejeitada por João Bravo, da Helibravo, e Pedro Silveira, da Heliportugal, que criticaram a gestão dos concursos pelo Estado.