ONU: Bactérias são a maior ameaça à saúde pública
Um momento histórico: os 193 países das Nações Unidas assinaram uma declaração para combater as infeções com bactérias multirresistentes aos antibióticos, que matam no mundo, por ano e segundo as estimativas, mais de 700 mil pessoas. Naquela que é a quarta declaração relacionada com a saúde - antes foram feitas para o VIH, doenças não transmissíveis e ébola -, as Nações Unidas assumem que esta "é a maior ameaça à medicina moderna e à saúde global". Em Portugal as infeções hospitalares foram responsáveis por 4606 mortes em 2013, últimos dados da Direção-Geral da Saúde, em pessoas que tinham outras doenças associadas.
"A aposta tem de ser no uso adequado dos antibióticos e na redução das infeções hospitalares", disse ao DN o secretário de Estado da Saúde. Manuel Delgado adiantou que os países têm dois anos para apresentar as medidas tomadas para combater este problema. Se nada for feito, em 2050 morrerão por ano cerca de 10 milhões pessoas no mundo em resultado direto das resistências aos antibióticos.
"As Nações Unidas são um instrumento imprescindível na ordem mundial. É com base na Organização Mundial da Saúde, que pertence ao sistema, que depois estas questões assumem importância política. Abre-se o caminho para a colaboração efetiva, até na investigação. Na saúde, aspeto em que a humanidade mais tem progredido, a ONU tem feito a diferença", afirma o diplomata António Monteiro, que fez parte da Missão Permanente de Portugal junto das Nações Unidas.
O compromisso assinado ontem faz-se em três áreas, referiu Manuel Delgado: "Promoção adequada do consumo de antibióticos, evitando a prescrição e o consumo excessivo e alertar os cidadãos para o risco do consumo excessivo; intervir junto das farmacêuticas no sentido de desenvolver novas moléculas que garantam o combate às bactérias multirresistentes; e que exista uma intervenção que torne mais racional o uso de antibióticos na produção alimentar".
Manuel Delgado explicou que na área agroalimentar há que dialogar com a economia e agricultura. "Em relação à saúde, ainda temos um consumo excessivo. Em 2011 cerca dos 46% dos doentes internados nos hospitais consumiam antibióticos quando a média europeia era de 36%. A política do ministério e da Direção-Geral da Saúde é seguir em duas áreas: combater o excesso de prescrição e o excesso de infeções hospitalares. A incidência é de 10% quando a média europeia é de 6%. É preciso tomar medidas estruturais como a distância entre as camas e garantias para preservar a higiene dos dos espaços e das mãos. Os contratos com os hospitais já preveem incentivos aos que descerem as taxas de infeção. É preciso atuar na rede de cuidados continuados e nos lares de 3ª idade para que haja um esforço de supervisão e de antecipação das infeções. O programa nacional prevê a criação, em cada hospital, de equipas de controlo e combate às infeções, com relatórios de indicadores e resultados", frisou o secretário de Estado da Saúde.
Nos últimos três anos Portugal reduziu a incidência de algumas infeções e o consumo de alguns antibióticos. Já em 2016, nos primeiros quatro meses, venderam-se 2,9 milhões de embalagens de antibióticos nas farmácias, quando no período homologo de 2015 tinham sido 3,2 milhões.
O problema é mais grave nos hospitais, onde estão os doentes mais frágeis, com mais doenças e mais idosos. Fatores que elevam o risco de uma infeção com uma bactéria multirresistentes. Uma das mais temidas no mundo é a klebsiella pneumoniae, que em Portugal foi responsável por surtos nos hospitais de Gaia, Coimbra, S. João e Conde Ferreira (Porto). Dezenas de doentes foram infetados e, pelo menos, seis morreram.
Fazer um antibiótico pode levar entre 8 a 12 anos e pode ultrapassar os dois mil milhões euros de investimento. "Quem faz um antibiótico tem de ter a capacidade de recuperar o investimento. A maior parte das farmacêuticas não está interessada porque não acredita que seja possível por não terem o número suficiente de doentes. Há três anos havia entre 150 e 200 moléculas em estudo. Nos EUA e na Europa estão a ser estudados incentivos [aos laboratórios], como menores impostos ou garantia de compra de antibióticos em número suficiente para valer o investimento ou de parcerias em que há uma responsabilidade conjunta entre as farmacêuticas e as autoridades para contribuir para o desenvolvimento de medicamentos considerados essenciais. Os laboratórios estão novamente a olhar para a questão, a fazer parcerias e a trocar experiências. Viram uma necessidade de saúde pública", concluiu António Vaz Carneiro, que dirige o Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência.