Onde eu estava... por Teresa Tito de Morais Mendes
Em janeiro de 1974 estava, sem saber, no período final do meu exílio na Suíça, em Lausana, onde casei, tive 2 filhos, estudei e trabalhei (1965 -1974).
Na passagem do ano 1973/74, comemorada na nossa casa, em Lausana, com o meu pai (Manuel Tito de Morais), Maria Emília, Mário Soares e Maria de Jesus Barroso houve um brinde especial. Ao abrir uma garrafa de espumante português dissemos: “Para o Ano em Portugal!” Acertámos em cheio.
Mas apesar do brinde e dos desejos, o nosso exílio prolongava-se e no íntimo acreditávamos que o regresso estaria ainda distante. A nossa casa começou a ficar mais confortável e até uns bons sofás em pele conseguimos comprar, pois o Jaime já estava a trabalhar, como cirurgião pediatra, no Hôpital de l’Enfance.
Para além de estudarmos e trabalharmos, foi na Suíça que aconteceu o que mais importante teve as nossas vidas: o nascimento dos nossos dois filhos: Carlos Miguel e Rita, a quem passámos os valores da liberdade e da democracia.
Para espanto dos suíços, a nossa casa estava sempre cheia. Além da minha mãe, que vinha regularmente de Portugal visitar-nos, outros familiares e amigos provenientes da Argélia, Brasil, Camboja, Itália, França, Inglaterra, Suécia e Holanda, faziam uma paragem em terras helvéticas e animavam o nosso “exílio”, onde improvisávamos alojamento para todos, muitas vezes, no chão, e desfrutávamos de belos momentos de convívio, apostando em grandes mudanças para o futuro.
Esses foram anos exaltantes de mudança com o aparecimento do movimento hippie, com a célebre frase: Peace and Love ou Faites l’Amour pas la Guerre, que combatia a guerra do Vietname, preferia a vida em comunhão com a natureza e revoltava-se contra todas as normas sociais. Vivemos a exaltação do Maio de 68, em França, com o lema “É proibido proibir”, o fim da Primavera de Praga, a chegada do primeiro homem à Lua. E foi também em Lausana que vibrámos com os golos do Eusébio no ano em que Portugal chegou às meias-finais no Campeonato Mundial de Futebol.
Regressámos a Portugal, os quatro de carro, na segunda quinzena do mês de julho. Umas violentas cólicas abdominais, que culminaram com uma cirurgia de urgência à vesícula, atiraram-me para a cama do Hospital de Morges onde acompanhei as notícias dos primeiros dias de liberdade em Portugal.
Para trás ficou o exílio, a Suíça onde vivi a liberdade que me tinha sido negada em Portugal, permitindo-me falar nas ruas e nos cafés, sem a sensação de estar a ser escutada pelos informadores, ver filmes e ler livros sem censura, interessar-me por música, pintura, teatro e viajar, sobretudo para França e Itália, onde qualquer pequena cidade está cheia de história e arte.
Tínhamos, eu e o Jaime, 20 e 22 anos quando decidimos partir para a Suíça. O Jaime passou “a salto” a fronteira em Figueira de Castelo Rodrigo, na Beira Alta, e eu deveria apanhar um avião para Genebra, onde viviam alguns familiares meus.
Já dentro do avião ouvi chamarem pelo meu nome, várias vezes. Fiquei calada sem me mexer. Entraram então de rompante dois agentes da PIDE aos gritos e tiraram-me do avião à força. Deixei o aeroporto dentro de uma carrinha celular da PIDE rumo à sua sede na Rua António Maria Cardoso.
Estive presa três meses no Reduto Sul do Forte de Caxias.
Texto recolhido por Alexandra Tavares-Teles