Onde eu estava... por Maria José Ferreira Nobre

Onde eu estava... por Maria José Ferreira Nobre

Maria José Ferreira Nobre é natural de Guimarães. Licenciada em História, é a responsável pelo Fundo Local da Biblioteca Municipal Raul Brandão, em Guimarães. Nasceu a 25 de março de 1963.
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Em janeiro de 1974, frequentava o 1º ano de ciclo na Escola Preparatória João de Meira, que funcionava nas atuais instalações da Câmara Municipal de Guimarães, o antigo Convento de Santa Clara, do séc. XVII. Sem adaptação para as funções de uma instituição de ensino, para crianças dos 10 aos 12 anos, lembro-me das muitas, centenas de escadas, salas de aula com um pé direito muito generoso, janelas grandiosas através das quais ventava frequente e assustadoramente. Os alunos estavam, no entanto, proibidos de passar no corredor que dava acesso aos aposentos da direção da escola, sob pena de serem severamente punido. Neste edifício chovia nas salas, os alunos escorregavam nas escadas com frequência, por chover dentro das instalações como na rua.
Lembro-me muito bem do professor de História, um senhor com uma figura altiva, muito sério, mas sempre muito solicito quando o procurávamos. Foi ele quem nos disse, três meses depois, com gravidade: “Meninos, houve um golpe de Estado. Vamos todos imediatamente para casa, não parem com ninguém na rua, e fiquem em casa. Quando puderem regressar à escola serão avisados.” Só regressaríamos depois do primeiro 1º de maio, festejado com imensa alegria e muitas manifestações por todas as artérias da cidade.
Após o 25 de abril de 1974, foi então decidido, finalmente, encerrar aquelas instalações impróprias para funcionar como instituição de ensino e foi finalmente inaugurado um novo edifício, com todas as condições, a que o meu irmão já teve direito.


Guimarães foi sempre uma cidade muito conservadora, mas apesar de todas estas circunstâncias, teve sempre um movimento associativo muito forte e pela mão do meu pai tive sempre acesso a todas as formas de acesso à cultura, “subversiva” para a época.
Lembro-me muito bem de ir às sessões dos domingos de manhã, muitos fora do circuito comercial, sempre com o meu pai, sessões vigiadas pela PIDE. E, pasme-se, nos intervalos do cinema havia a exibição de pequenas peças de teatro e teatros de marionetes, escritos e adaptados por uma figura marcante da minha infância e da minha formação - Joaquim dos Santos Simões, professor, democrata, antifascista, um homem cuja cidadania nunca foi posta em causa. A ele se deve a criação do Cineclube
Este senhor, natural do Espinhal, no concelho de Penela, estudante em Coimbra, fundador do TEUC (Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra), fundou o Teatro de Ensaio Raul Brandão, onde encenou peças de Gil Vicente, Raul Brandão, e muitas outras proibidas pelo Estado Novo.
Lembro-me de ter contacto precoce com o teatro e o cinema. Com os livros. E de ir com o meu pai à  livraria Raul Brandão, em cuja cave se vendiam e trocavam livros proibidos que o meu pai escondia na gabardine que sempre levava quando fazia aquelas visitas. Foi assim que comecei a ter contacto com Gaibéus, O Arquipélago de Gulag e muitos outros. A gostar muito de ler e a amar bibliotecas. 

Texto recolhido por Alexandra Tavares Teles

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