Onde eu estava... por Luís Pinheiro de Almeida

Onde eu estava... por Luís Pinheiro de Almeida

Trabalhou na ANI e nas sucessoras: ANOP, NP, Lusa. Fundou o jornal Blitz. É licenciado em Direito. Nasceu na cidade de Coimbra, em 1947.
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Em janeiro de 1974 estudava na Faculdade de Direito, em Lisboa, ainda a curtir as mágoas de ter deixado Coimbra. Estava a fazer a transição de uma “cidade de província” para a capital. Não tinha muitos amigos, só alguns da Faculdade, com quem gostava de ir ao Stones, depois de estudar até às tantas. Lembro-me de ir com o Luís Santos Ferro, no seu BMW 2002 TI Alpine, e com o Manuel Queirós de Andrade, no seu Lotus Eleven. Logo por aqui se vê a diferença abissal entre os dois modos de vida. Por vezes, acompanhava-nos o João Manuel Oliveira e Silva, cuja avó, com uma quinta na rua do Patrocínio (Estrela), não nos deixava entrar em casa para “não a infetar”. Nesta fase, o “Caruncho”, boîte preferida, era coisa que não existia em Coimbra.

Era aluno do curso de Marcelo Rebelo de Sousa, Leonor Beleza, Jorge Braga de Macedo e muitos, mas com a angústia de o não ter feito em Coimbra, quanto mais já tinha a pasta da licenciatura do meu Avô forrada com renda. Gostava muito de ir ao Jardim Cinema ver dois filmes por 7$50, se ficássemos nas poltronas, ou 5$00 nas cadeiras de verga.

Sim, Lisboa, era (é) outra coisa, de tal maneira atraente e glamorosa que até deu para escrever um livro a contar aos amigos que ficaram em Coimbra o que perdiam por estar na “província”: Beatles, livros, filmes, espetáculos, “tudo o que faz um gajo feliz”.

Luís Pinheiro de Almeida nasceu na cidade de Coimbra, em 1947.

Por essa altura, Coimbra era uma “cidade de província”. Não havia nada para fazer, a não ser ver os jogos da Académica, ainda hoje o meu clube de coração. Frequentar os típicos cinemas – Sousa Bastos, Avenida – ou as sessões ao ar livre nos Bombeiros. 

Íamos tantas vezes que já sabíamos os filmes de cor. No Legião Estrangeira, os soldados acordavam de madrugada no deserto. Sabedores do enredo, levávamos despertadores que tocavam poucos segundos antes da alvorada.

Em Coimbra tudo era permitido, com graça. No dia da cidade, 4 de julho, era costume apagarem-se as luzes da cidade. Bares, cafés, cervejarias, tudo ficava às escuras. Pouco antes do “apagão”, a estudantada, de capa e batina, enchia as cervejarias para uns petiscos. Depois, na escuridão, desapareciam. Sem pagar, claro. O “truque”, apesar de conhecido, passava impune. 

Sempre que a Académica vinha jogar a Lisboa, comprava-se um fardo de palha para o cavalo de D. José, no Marquês, coitado, que estaria cheio de fome, com certeza.

Só por este pedacinho de prosa, se pode calcular o drama, o trauma de viver “na capital”: um choque que ainda hoje, quase 60 anos depois, me custa, e muito!

Porém, verdade se diga, em Lisboa tive outros ganhos. Como é previsível, 1974 foi um dos anos mais importantes da minha vida, também por causa do 25 de Abril, em que participei como “militar assistente”. No dia 25 de novembro era oficial de dia no COPCON. Mas os momentos mais alegres eram mesmo as visitas da Académica aos clubes da capital.  

Texto recolhido por Alexandra Tavares Teles

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