Onde eu estava... por Luís Máximo dos Santos
Em fevereiro de 1974, tinha 13 anos. De uma família remediada, frequentava o segundo ano do curso comercial na então Escola Comercial Patrício Prazeres, em Lisboa. Gostava muito da escola, das aulas e da grande maioria dos professores. Curiosamente, era padre e lecionava Religião e Moral o pior professor que então tive. Não se coibia de ser agressivo, a roçar a violência, para os alunos.
A escola tinha qualidade e era exigente, embora nalguns aspetos os currículos estivessem obsoletos. Por exemplo, ainda havia aulas de caligrafia: letra inglesa, letra francesa e cursivo.
Fiz lá bons amigos, alguns dos quais tenho o privilégio de manter. Adolescente, não tinha noção do que pretendia vir a fazer em termos profissionais. Temia chegar aos 18 anos e com o ingresso no serviço militar obrigatório ser mobilizado para a Guerra Colonial. O meu irmão mais velho estava nessa época a cumprir o serviço militar, destacado em Angola. Na guerra, portanto. Por isso, a minha inquietação começou cedo. Sou de uma geração que sabe bem o que são aerogramas.
Ia de elétrico para as aulas que começavam às 8 horas da manhã. A paragem do elétrico era muito próxima do Instituto Superior Técnico. Muitas vezes, de manhã cedo, já estava à porta a polícia de choque acantonada com os cães nas viaturas. Fazia-me muita impressão. Mudava para o passeio oposto para evitar passar ao lado das carrinhas, que tinham um ar assustador.
A presença da polícia era frequente. Não passava despercebida. Ganhava extrema visibilidade em datas com significado político ou no quadro de ações de rua de forças da oposição. Mas mesmo alguém tão novo quanto eu dava conta da sua presença em muitas outras situações, algumas bem comezinhas. Por exemplo, em espetáculos de músicos e cantores que faziam da sua arte (também) uma forma de contestação da situação política vigente e nos quais a juventude da época se revia.
O convívio com alguns amigos e, sobretudo, a influência dos meus dois irmãos levou a que, apesar de tão jovem, tivesse alguma politização. À luz dos olhos de hoje pode parecer estranho, mas naquela época era bastante frequente.
De resto, fazia a vida normal de uma adolescente da altura numa cidade. Ia de vez em quando ao cinema. Recordo as salas do Monumental, do São Jorge e do Tivoli. Já então, conversava com os amigos sobre filmes, muitas vezes à tarde, no café, para onde íamos com o intuito nem sempre conseguido de estudar a matéria escolar.
A música é desde sempre uma das minhas paixões. De tal maneira que quis aprender guitarra clássica. De violão e cabelo comprido, pouco apreciado pelos pais, tentava tocar compositores clássicos brasileiros, e uma ou outra cantiga do Zeca Afonso.
Dois meses mais tarde, numa quinta-feira que parecia igual a todas as outras, fui para a escola como habitualmente. Verifiquei que os alunos estavam aglomerados à entrada, muitos nas suas brincadeiras normais. O diretor informou-nos então que naquele dia a escola estaria fechada. Que devíamos ir de imediato para casa porque “havia uma revolução”.
A História permitiu-me o privilégio de viver a adolescência no meio de uma revolução. Sim, foi um golpe de Estado, que se tornou numa revolução política, social e económica. Uma espécie de “descongelamento” da História, à maneira portuguesa, que gerou em dois anos um condensado de acontecimentos que muitos países europeus tinham vivido em trinta anos.
Depoimento recolhido por Alexandra Tavares-Teles