Francisco Seixas da Costa
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Onde eu estava... por Francisco Seixas da Costa

Francisco Seixas da Costa é transmontano. Nasceu em Vila Real em 1948. Integrou o corpo diplomático entre 1975 e 2013. Foi embaixador nas Nações Unidas, na OSCE, no Brasil, em França e na UNESCO. Em janeiro de 1974 tinha 26 anos
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"O capitão Teófilo Bento surgiu um dia na parada do quartel com um megafone. Estávamos nos últimos dias de janeiro de 1974, pode até ter calhado a 28 de janeiro, o dia do meu aniversário, na Escola Prática de Administração Militar (EPAM), na Alameda das Linhas de Torres, em Lisboa, a unidade que, tempos depois, na madrugada de 25 de abril, iria ser a primeira a sair para a rua, para tomar o objetivo estratégico que eram os estúdios da RTP. Lembro-me de alguns termos estranhado o inusitado uso daquele aparelho nas mãos do Bento, porque nada em particular o justificava.

À época, eu era, simultaneamente, bibliotecário, diretor do jornal “O Intendente”, oficial de Ação Psicológica da EPAM e instrutor dos cursos da oficiais e sargentos milicianos. Uma tarde, no meio da parada da unidade, Bento, com quem eu tinha uma relação simpática, mas respeitosamente distante, dirigiu-se-me: “Ó Seixas da Costa, preciso de falar consigo!” E como se fosse a coisa mais natural do mundo, foi adiantando: “Você estaria disponível para entrar numa ação militar para deitar abaixo o regime?”

Caí das nuvens! Tinha algum conhecimento da agitação que atravessava os meios militares, tinha estado presente em duas reuniões clandestinas de milicianos, onde se procurava acompanhar essas movimentações, mas não tinha a menor ideia de que Teófilo Bento tivesse um papel relevante nesse contexto. Reagi, por isso, com grande prudência, não fosse tratar-se de uma provocação: “Ó meu capitão! Isso é um assunto que não pode ser tratado assim! Tenho de ter mais informações para pensar nele”.

Ainda nessa tarde, falei com António Reis, aspirante como eu, que politicamente “bebia do fino” e que, rindo-se da inabilidade conspirativa do Bento, me confirmou que o capitão era a figura central da EPAM para uma organização do que estava em curso. E que falaria com ele sobre o “incidente”. Passaram algumas semanas. Veio o 16 de março e, pelo modo como as pessoas na unidade reagiram a esse golpe frustrado, ficou mais claro de lado estava cada um e com quem era possível contar para uma eventual nova ação.

Na madrugada de 25 de abril, o capitão Teófilo Bento, acompanhado do alferes Geraldes e do António Reis, iriam ter um papel destacado na sublevação da unidade e na organização da coluna que iria tomar a RTP.
Ainda na noite desse dia, foi Teófilo Bento quem, com todos nós a seu lado, fez as “honras da casa”, na RTP, a Spínola e à Junta de Salvação Nacional, que dali se dirigiu ao país. Dois dias depois, a 27 de abril, Teófilo Bento, que interinamente passou a chefiar a RTP, coordenou, na sala da biblioteca da EPAM, um encontro com um impressionante grupo de intelectuais, num “brainstorming” em que foi acolitado por António Reis e por mim. Pela sala espalhavam-se figuras como Luís de Sttau Monteiro, Mário Castrim, Luís Filipe Costa, Luís Francisco Rebelo, Álvaro Guerra, Manuel Jorge Veloso, Manuel Ferreira, Adelino Gomes, Orlando da Costa e creio que cerca de duas dezenas mais de figuras cimeiras da nossa vida cultural e jornalística”.

Depoimento recolhido por Alexandra Tavares-Teles

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