Quando aconteceu a Revolução dos Cravos, eu estava em Paris há oito anos. Antes tinha estado dois anos e meio em Israel, de forma que a Revolução de Abril me apanhou desprevenida, mas muito feliz..Eu vinha de Israel quando fui para Paris em 1967 estudar Sociologia na Sorbonne e tive a “sorte” de viver a revolução de Maio de 68, tal como passou a ser conhecida. Digo sorte, porque aos 20 anos identifiquei-me totalmente com uma revolução que, mais do que política, era de âmbito cultural e nela participei ativamente até ao fim. Maio de 68 mudou coisas fundamentais, nomeadamente na relação homem e mulher, na moral sexual e nos costumes. Foi nesse mês que foi criado o Movimento de Libertação das Mulheres questionando a sociedade patriarcal e defendendo a igualdade de direitos para as mulheres. Pessoalmente foi uma experiência de libertação coletiva que me marcou para o resto da vida..Foi assim que uns dois ou três anos depois me juntei ao Comité Marxista-Leninista Português (CMLP) cujo objetivo era lutar contra a ditadura em Portugal. O meu trabalho era sobretudo no Comité de Apoio aos Refractários e Desertores da Guerra Colonial, que chegavam em grande número a Paris, e através do qual os ajudava a encontrar alojamento, papéis, etc. Às vezes tínhamos de partilhar os nossos apartamentos com eles, mas também trabalhávamos com organizações francesas que faziam o que podiam para ajudar. Foi também nessa altura que tomei conhecimento da realidade dos emigrantes portugueses que moravam em grande parte nos bidonvilles, uma espécie de favelas, onde viviam em condições péssimas. Apesar disso, reinava um ambiente solidário e fraterno, pelo menos é o que guardo na minha memória das pessoas que lá conheci..O grupo de portugueses com o qual comecei a colaborar eram pessoas mais ou menos da minha idade, idealistas, generosos e solidários. Foi nesse grupo que conheci aquele que seria mais tarde o pai das minhas filhas e meu companheiro durante cerca de 15 anos. Ele fazia parte do aparelho clandestino e pouco tempo antes do 25 de Abril foi chamado para militar na clandestinidade, o que não chegou a acontecer porque, entretanto, deu-se a Revolução dos Cravos..Vim para Portugal umas semanas após a Revolução, e o que eu vi não era o Portugal da minha infância, nem do final da adolescência, quando o deixei para ir primeiro para Israel e depois para Paris. Era outra coisa e essa coisa chamava-se liberdade. Mas, apesar da alegria de viver finalmente em democracia no país onde nasci e onde escolhi passar a viver, confesso que os primeiros tempos em Portugal não foram fáceis. As mentalidades e os costumes não se mudam de um dia para o outro e lembro-me, por exemplo, de entrar em cafés onde apenas estavam homens que olhavam para mim com um misto de curiosidade e reprovação, sobretudo no norte para onde fôramos destacados e onde a violência contra o 25 de Abril ainda se fazia sentir. Na verdade, foram precisos vários anos para me adaptar e integrar, mas tudo na vida leva o seu tempo e foi o nascimento das minhas duas filhas, ambas em Portugal, que me trouxe a serenidade..O 25 de Abril não é hoje o que sonhávamos? Sem dúvida, mas só as utopias nunca concretizadas é que não nos desiludem, e o que temos é demasiado precioso para não o celebrarmos e, sobretudo, para o defendermos… Depoimento recolhido por Alexandra Tavares-Teles