Onde eu estava... por Carlos Alberto Vidal

Onde eu estava... por Carlos Alberto Vidal

Cantor e compositor, com uma carreira dedicada sobretudo à música infantojuvenil, para algumas das gerações que cresceram em democracia, Carlos Alberto Vidal é o Avô Cantigas. Nasceu em 1954, na Lousã.
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Com quase 70 anos de vida, observo de forma um pouco nostálgica aquilo que foram para mim esses anos gloriosos da década de 70, na qual viria a acontecer esse carinhoso ano de 1974. Sim, digo carinhoso pois na revolução de 25 de abril, salvo poucas exceções, vingou a vontade, quase romântica, de transformar balas em cravos.

Janeiro de 1974. Por essa altura, a minha vida profissional estava a começar. Já tinha o primeiro disco editado e abriam-se horizontes para uma possível carreira. Terminado o liceu, ingressei no conservatório e senti, enquanto estudante, o amanhecer daquele dia 25 que a todos deslumbrou.

Em janeiro de 1974, vivia então na vila de Cascais. À semelhança do que se passava um pouco por todo o lado, existiam iniciativas de carácter cultural, que eram também momentos de contestação ao regime. Estive sempre ligado a essas correntes. Lembro-me de algumas sessões em que participei e que decorreram no velhinho teatro Gil Vicente. Nessas sessões, destacava-se o nome de José Jorge Letria, que conheci nessa altura e a quem cumprimento pelas lutas em prol de uma liberdade que estava quase a chegar.

Janeiro de 1974. Aí que saudades de Georges Moustaki, de Sérgio Godinho, e de tantos outros. Curiosamente, a minha música ou as minhas canções nunca me levaram para uma área de notória intervenção. Fiquei-me por ocupar um lugar que foi, posso observar hoje, mais recreativo do que interventivo. Mas isso não significa que estivesse longe de toda a música que se produzia na altura. Música que tinha, nas suas linhas e entrelinhas, toda uma ânsia por uma manhã libertadora. Isto para dizer que nessa época e sempre que pegava na guitarra, a minha escola era o que ia aprendendo com o reportório de Zeca Afonso, José Mário Branco, Fausto, Sérgio Godinho.

António Pedro Santos / Global Imagens

Janeiro de 1974. Paralelamente a uma carreira nacional que parecia despontar, andava por bares e hotéis de Cascais tocando e cantando muitas músicas dos nomes que mencionei. Foram os grandes anos 70. Os Beatles ecoavam no mundo inteiro e, por cá, recordo outros nomes que também foram uma boa escola. Penso por exemplo em Jorge Palma ou na Banda do Casaco. Em Fernando Tordo e tantos outros.

Janeiro de 1974 e o 25 de abril ali tao perto. O tempo de uma vida permite armazenar épocas que, sucedendo-se plenas de vivências, acabam por ser a pegada que deixamos à medida que por cá vamos andando.

Passaram 50 anos. Voltar a janeiro de 1974 é voltar a uma época que nunca esqueceremos. Faltavam ainda 8 anos para que a minha vida levasse uma reviravolta fenomenal, com a criação do Avô Cantigas, personagem que venho interpretando até aos dias de hoje. Mas isso são outras histórias. Por agora, ficam as recordações do que se viveu naquele início de 74, vésperas da revolução. Podendo dizer: “Eu estive lá.”

Depoimento recolhido por Alexandra Tavares-Teles

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