Onde eu estava... por Arménio Fidalgo

Onde eu estava... por Arménio Fidalgo

Em janeiro de 1974, o então 1.º tenente, hoje comandante, Arménio Fidalgo estava embarcado num submarino, procedendo a trabalhos de reparação. Era casado e pai de duas filhas de 5 e 4 anos. Nasceu na Gafanha da Nazaré, em 1945.
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Tenho 28 anos. Resido na Damaia, num apartamento alugado, sou Oficial da Marinha com o posto de 1.º tenente, depois de ter completado o Curso da Escola Naval, iniciado em setembro de 1963.

Especializado em Submarinos desde 1971, encontro-me atualmente embarcado no submarino Barracuda, que se encontra na Doca Seca do Arsenal do Alfeite, efetuando a sua primeira Grande Reparação (Manutenção) com uma duração inicial prevista de 18 meses. Prazo já ultrapassado.

Na qualidade de chefe de Serviço de Armas Submarinas, acompanho e fiscalizo as operações de reparação dos sonares e dos tubos lança-torpedos. Encontrando-me a prestar serviço num submarino em reparação, e sem navegar, decidi matricular-me no ISEL (Economia) em setembro de 1973, pelo que neste período tenho assistido às aulas em horário pós-laboral. As aulas começam depois das 17.30, estendendo-se até às 21.00. Duas vezes por semana, para lá das 11.00 da noite.

Na Faculdade, o sistema de exames é misto, com provas individuais ou trabalhos de grupo. O meu é constituído por 3 homens e 2 mulheres, todos trabalhadores-estudantes. Nos dias em que as aulas terminam às 23.15, levo o meu carro para o Alfeite, de modo a ter transporte para a Faculdade e, depois das aulas, para casa. Nos restantes, costumo utilizar o barco de transporte de pessoal da Marinha, da Doca da Marinha para o Alfeite e vice-versa, apanhando depois o elétrico 28 para a Faculdade, na Rua do Quelhas.

Neste início de 1974, a conciliação do trabalho com os estudos tem exigido muito trabalho e sacrifícios. Profissionais e pessoais. No final das aulas, cerca das 21.00, é costume um dos colegas dar-me boleia até à Estação da CP no Rossio, onde apanho o comboio da Linha de Sintra até à Damaia. Chego tão tarde que já as minhas filhas dormem. E esse é um dos maiores custos pessoais.

A minha vida fica ainda mais complicada sempre que é necessário embarcar num dos restantes submarinos da Marinha. O que acontece com frequência, na medida em que não há oficiais em número suficiente para completar as guarnições dos restantes submarinos. É necessário fazer escalas. Assim, tenho andado a saltar de um navio para outro com a periodicidade de 1 ou 2 semanas, conforme a missão, intervaladas de cerca de 3 meses.

Nestes períodos tenho de faltar às aulas, mas, devido à coesão do grupo de trabalho, consigo recuperar o tempo perdido, sobretudo aos fins de semana. Penalizando mais uma vez a família.

Na Faculdade, em contactos com outros alunos, começo a tomar maior consciência política e social da situação em que o país se encontra, com um regime nitidamente ditatorial e sem as liberdades fundamentais asseguradas. Num exercício de futurologia, posso dizer que estou disponível para participar nas reuniões de oficiais, no Clube Militar Naval, que prevejo para breve. Nas quais se decidirá o nosso apoio às ações que os oficiais do Exército vierem a tomar. 

Depoimento recolhido por Alexandra Tavares-Teles

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