“Olha o passarinho”. Na década de 1960 as selfies chegaram ao espaço
Rizz, ou a capacidade de alguém atrair terceiros através do seu estilo, charme ou carisma ganhou embalo na língua entre a geração Z e o estatuto de palavra dicionarizada em 2023. A cada ano, o Oxford English Dictionary elege a palavra internacional que se destacou nos 365 dias anteriores. Um termo que surge do consenso entre os editores daquela publicação, do rastreio feito pela ferramenta Oxford English Corpus a cerca de 150 milhões de palavras do inglês publicadas mensalmente na web e das tendências nas redes sociais. Rizz seguia-se a um rol de outras palavras eleitas nos anos anteriores, entre elas binge-watch, o ato de consumir compulsivamente programas de televisão. Em 2013, uma palavra nascida 11 anos antes num fórum australiano na Internet, brilhou como palavra internacional do ano. O velhinho autorretrato fotográfico, cujas origens remontavam ainda ao século XIX, era agora uma selfie (do inglês self - eu - com a adição do sufixo ie -inho/nha). Na época, o mundo viciara-se em selfies. Naquele ano de 2013 o uso do neologismo no seio da língua inglesa acelerara em 17.000%. O registo digital ou foto que a pessoa, máquina ou animal tiram de si mesmos viajara para todos os contextos terrestres e fora deste nosso mundo. Quando há 11 anos o Oxford English Dictionary apontou os holofotes para a palavra selfie, o gesto humano que esta identifica ganhara o estatuto de prática extraterrena há mais de 50 anos. Na década de 1960, um astronauta americano acenava ao mundo através de um autorretrato em microgravidade.
Um ainda jovem Robert Cornelius, norte-americano pioneiro da fotografia, nascido em Filadélfia em 1809, é tido como o autor do primeiro registo fotográfico de um rosto humano captado pelo próprio autor. Em 1839, no exterior da loja de lâmpadas que geria com os seus pais, Cornelius apontou a si a rústica câmara fotográfica. O daguerreotipo, o primeiro processo fotográfico a ser comercializado junto do comum cidadão, resulta na impressão de um rosto com o seu quê de apreensão. Há 185 anos, Cornelius postou-se perto de 15 minutos frente ao olho da objetiva. A paciência recompensou-o com a eternidade sob a forma de registo fotográfico. Meses depois, na outra banda do Atlântico, o amador da fotografia e inventor francês Hippolyte Bayard reiterou o feito de Cornelius. O autorretrato fotográfico do francês também ganhou um lugar na História. A leste, na Rússia, o ano de 1914 levou às mãos de Anastásia Nikolaevna, filha de Nicolau II, uma câmara fotográfica. Com ela, a jovem de 13 anos, fez-se fotografar frente a um espelho. Uma das primeiras selfies da Historia captada por uma adolescente. A aurora do século XX, trouxe o anúncio da massificação das câmaras fotográficas portáteis. Um dos engenhos que se adiantou para difundir o autorretrato fotográfico cunhou o nome numa entidade milenar, nascida na crença do Homem muito antes de qualquer perspetiva de fixar para a posteridade uma imagem efémera. Nos cantos e sombras dos lares ingleses e escoceses, cria-se viverem os Brownies, duendes do bem. No século XX, estes duendes saltitavam nos anúncios e também nas embalagens da Kodak Brownie, uma câmara portátil fotográfica nascida nos Estados Unidos, feita sucesso global. Do estirador do ilustrador canadiano Palmer Cox, radicado em Nova Iorque, saía uma verdadeira indústria de duendes. Os Brownies apanhavam boleia das publicações femininas, dos livros infantis, de artefactos e, em breve dos anúncios à Kodak. As mãos das crianças norte-americanas e europeias acolhiam um novo brinquedo. Uma máquina fotográfica de baixo custo, fácil de operar e apta a captar sorrisos através do autorretrato. Na década de 1970, o autorretrato fotográfico floresceu com a disseminação das câmaras portáteis e, mais tarde, com os suportes digitais.
Na época, as avós das atuais selfies já haviam conquistado o espaço. No ano de 1966, o astronauta norte-americano Buzz Aldrin, no decurso da derradeira missão Gemini (a 12.ª), da NASA, entregou-se a uma atividade extraveicular (EVA na língua inglesa, de Extravehicular activity). Fora do engenho espacial, o astronauta nascido em 1930, captou um autorretrato fotográfico. Um momento inaugural fora da atmosfera terrestre seguido de inúmeras selfies no espaço captadas em anos posteriores, algumas de entre elas com recurso à superfície espelhada do capacete dos astronautas. Após 2002, as primeiras selfies captadas sem ajuda de outro astronauta, incluíram as fotografias do norte-americano Donald Pettit, em janeiro de 2003 numa missão do vaivém espacial Endeavour e do seu conterrâneo Stephen Robinson, em agosto de 2005, a bordo do vaivém espacial Discovery. Em setembro de 2012, o astronauta japonês Akihiko Hoshide, dispôs-se a uma caminhada espacial de seis horas e 28 minutos. A selfie que captou, mais tarde carregada na sua conta na rede social Twitter (atual X), tornou-se um fenómeno da Internet. As selfies no espaço ganhavam o estatuto de estrelas a brilhar na Terra. Um atributo que não era apenas apanágio humano. No século XX, as máquinas partiram à conquista do espaço sem esconderem a sua vaidade pelos feitos em microgravidade. No ano de 1976, a sonda da missão Viking 2 captou uma foto do seu convés após pousar no solo de Marte. Em 1989, foi a vez da sonda Galileu, no seu trajeto rumo ao planeta Júpiter, “sorrir” para a sua selfie, uma vaidade mecânica igualada em 2010, pela sonda IKAROS, da Agência Japonesa de Exploração Espacial, dotada de duas câmaras sem fios, ejetadas da nave, com o propósito de captarem selfies espaciais. Em 2012, o rover espacial Curiosity, iniciou a sua missão no solo de Marte após uma viagem de 560 milhões de quilómetros. A 7 de setembro de 2012, o Curiosity tirou a primeira selfie, obtida por uma câmara acoplada ao seu braço robótico. A 8 de setembro lia-se na conta de Facebook da missão: “Olá lindos! Tirei este autorretrato enquanto inspecionava a minha câmara (...) Este foi um teste para garantir que a tampa, a sua dobradiça e a área que ela varre ao abrir estão livres de detritos”. Em novembro de 2013, um dia após o Oxford English Dictionary anunciar a palavra internacional do ano a conta @MarsCuriosity no X celebrava o momento. O planeta Marte tornava-se palco para selfies endereçadas à Terra. Em fevereiro de 2018, o rover Opportunity usou a sua câmara para tirar uma selfie a assinalar os seus “5.000 sóis em Marte”, ou seja, cinco milhares de dias de trabalho no planeta vermelho. O seu Sol número 1 fora a 25 de janeiro de 2004. Acreditava-se que o engenho funcionaria ao longo de 90 sóis.
Dos confins de Marte para as selvas da Indonésia, um autorretrato captado por uma macaca da espécie Macaca nigra gerou uma onda de contestação internacional. Em 2011, no decorrer do seu trabalho de campo, o fotógrafo da natureza britânico David Slater, descuidou o seu equipamento fotográfico. Desatenção aproveitada por uma macaca para captar algumas fotos do seu rosto. A série “Selfies de uma macaca”, publicada com assinatura de David Slater, levou a uma ampla discussão sobre a posse de direitos de autor em obras feitas por animais não humanos. Um debate que se prolongou até 2018.