Offline Lounge. Encontros para se desligar dos ecrãs e abrir-se aos outros
Começa com a entrega dos telemóveis que ficam guardados, devidamente identificados, numa caixa. Segue-se uma pequena sessão de mindfulness para ajudar a “descomprimir e a desconectar das distrações externas”. E depois cada um faz o que quer: há quem leia um livro, quem costure, desenhe, escreva, ou converse com os outros participantes, “sem interrupções, sem notificações” – é este o lema. O evento é o Offline Lounge, uma iniciativa que se propõe contribuir para o “detox digital”. Após a inscrição, é só aparecer à hora marcada no local definido, que não é fixo, e estar disposto a separar-se do seu smartphone, tablet ou computador durante duas horas e meia.
“A ideia surgiu sobretudo por eu sentir que por vezes me perco no turbilhão das aplicações, dos ecrãs, até porque dependemos deles no nosso dia a dia, quer por razões profissionais, quer por gestão de coisas pessoais, desde efetuar pagamentos, procurar informação, entretenimento, contacto com as pessoas. Comecei a sentir-me condicionada e com alguma falta de foco”, conta Silvie Lai, a promotora dos eventos.
“No início do verão estive num retiro durante duas semanas, em que estive praticamente quase todo o tempo offline, e é uma liberdade mental enorme, ganha-se espaço mental e parece até que o cérebro funciona numa rotação diferente, acrescenta.
Essa experiência foi o catalisador que a levou a criar esta iniciativa. “Eu sei que este tipo de eventos, encontros sociais offline, existem noutros países, o Offline Lounge não é pioneiro, mas penso que é importante cultivar esta consciência de que é tão essencial estar online – para tratar da nossa vida – como estar offline, para poder conectar com a nossa essência de uma forma totalmente presente”, explica.
O objetivo não é diabolizar os ecrãs e a pretensão é apenas dar um contributo para sensibilizar para esta questão. “Sei que não vou revolucionar a vida de ninguém, mas em conjunto podemos criar esta consciência, individual e coletiva, de que temos esse poder de deliberadamente estar off. Esse ato de consciência não depende das outras pessoas nem de ninguém, depende de nós, é uma escolha individual e que, parece-me, se for feita no coletivo, até se torna mais fácil e é mais leve”.
Silvie Lai, que é praticante e professora de ioga, explica que “durante uma hora e 45 minutos a pessoa é convidada a dedicar esse tempo a fazer aquilo de que mais gosta, que lhe dá prazer. Ou simplesmente não fazer nada, cultivar o não fazer nada é talvez das coisas mais difíceis de praticar nos dias de hoje. A ideia é mesmo abrandar, viver de uma forma menos rápida”, adianta.
Passado esse tempo, e para quem quiser, é hora de socializar. “As pessoas não se conhecem umas às outras, vão estar em diálogo, em conversa, sem roteiro, isto acaba também por ser uma proposta interessante porque, se calhar, em circunstâncias normais nunca iria conhecer determinado tipo de pessoas, e é uma forma de nos deixarmos levar pelo acaso de conhecer uma pessoa completamente diferente e ficar a conversar”.
O último evento, que reuniu mais de uma dezena de participantes de diferentes nacionalidades, realizou-se há duas semanas no jardim do Museu Nacional de Arte Antiga, mas a localização varia. “A ideia é mudar de sítio, os eventos decorrem entre Lisboa e Cascais e o objetivo é também escolher sítios que despertem alguma curiosidade. O próximo será na Casa das Histórias Paula Rego, que é um espaço arquitetónico muito interessante”.
Francisco Jacinto, programador de 25 anos, um dos participantes do encontro no jardim do Museu Nacional de Arte Antiga, diz que usa “tecnologia permanentemente, o meu trabalho é ao computador, também jogo, vejo vídeos, estou muito, muito tempo no telemóvel, todos os dias, acho que isto é um pequeno contraste”. “Estava em denial, aceito que essa é a realidade”, admite. Diz que só o facto de não ter o telemóvel, de “não sentir o seu peso no bolso”, dá motivação para conectar com as outras pessoas.
“Achei muito interessante estar longe da pressão de estar sempre contactável, mesmo ao fim de semana, de conhecer pessoas que não conhecia, pessoas com diferentes idades e origens”, afirma Clementina Morais, que também se inscreveu. Mas confessa: “Senti falta do telemóvel para fotografar”.
Lia Jones, professora de Inglês, revela que sentiu “falta do telemóvel para partilhar fotografias com os amigos”. “É interessante ver que se pode ter uma experiência sem ter de a registar”, sublinha. Fora isso, passou algum tempo a ler e não pôde fazer algo que lhe é habitual: fotografar um trecho do livro.
Dafne Ortiz, venezuelana, realça o lado da socialização deste encontro sem ecrãs. “Adorei, não tanto pelo tema do telemóvel, mas pela conexão com os outros, que há cada vez menos”.
No final, para fechar o evento, um pequeno exercício: em roda, olhar para os olhos da pessoa ao lado durante dois minutos. O que parece fácil, é um verdadeiro desafio, e uma surpresa para alguns. Mas não para todos: “Sou dançarina de salsa, tenho de olhar o meu par na cara. Aprendes a abrir-te”, diz Dafne Ortiz.
O próximo encontro do Offline Lounge realiza-se no dia 6 de outubro, entre as 15.00 e 17.30, no jardim cafetaria da Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais.