OCDE pede "clareza e transparência" no financiamento do ensino superior
As instituições do ensino superior (IES) em Portugal recuperaram a quebra de alunos verificada entre 2011 e 2015. Tudo pareceria ir no bom caminho, não fossem as projeções do Instituto Nacional de Estatística para 2035, que apontam para uma diminuição de 13,5 % na população entre os 20 e 25 anos. É a principal fonte do setor e há que "alargar a base de recrutamento", diz a OCDE - atrair alunos dos cursos profissionais e internacionais, criar formação ao longo da vida. Mas o mais importante é reformar o sistema de financiamento.
O estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) insere-se no levantamento das condições de financiamento do ensino superior público dos países membros. Portugal foi um dos primeiros a participar na revisão dos recursos, o que envolveu o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
O relatório final - "Financiamento do Ensino Superior " - é divulgado esta segunda-feira.
É analisado o ensino português e o seu financiamento, recomendando-se uma reforma profunda do processo. É fundamental assegurar "que o desenho de um futuro modelo para determinar a alocação das dotações base atribuídas às IES se orienta por princípios de transparência, equidade de tratamento entre as instituições financiadas e eficiência".
Além da evolução positiva do número de inscritos, a OCDE salienta o aumento da representatividade da faixa etária entre os 30 e 34 anos. Em 2021, 43,7% desta população frequentava o ensino superior (mais que a média da UE, 41,6%), muito acima dos 27,8% de 2012. Mas não chega para compensar a diminuição demográfica.
E a distribuição territorial destes estudantes é desigual. A expansão dos 30-34 anos deu-se principalmente na região Norte, ao mesmo tempo que o Alentejo, Algarve e Açores registavam menos inscritos. E serão as instituições aqui localizadas que mais irão sentir o decréscimo de estudantes.
A solução será rever a forma de financiamento, sublinha a OCDE, desde logo aumentar o investimento público. A despesa das IES corresponde a 0,9% do PIB, quando a participação pública é de 0,7%. Os valores da média da OCDE são 1,1% e 0,9%, respetivamente.
O investimento revela-se menor quando se usam outros fatores. Por exemplo, em 2018, a despesa total do país por estudante correspondia a 68% do valor da média dos países da OCDE. Já os custos com pessoal representam 74% do total, contra 68% nos países da OCDE.
Entre 2011 e 2021, o Orçamento do Estado para as IES aumentou 15% em termos nominais, mas não se repercutiu no investimento com os alunos. Desde 2020, este item tem-se mantido, porque o número de inscritos aumentou cerca de 13%. "A ausência, desde 2009, da aplicação de uma fórmula para a alocação de fundos às IES, tem tido como consequência um progressivo desalinhamento entre o financiamento e os números de inscritos nas IES", conclui o relatório.
O diagnóstico está feito, o sistema de financiamento do ensino superior precisa de uma reforma, diz a OCDE. Pede "clareza dos objetivos das dotações atribuídas às IES" - transparência, igualdade de tratamento e eficiência.
Eis algumas das recomendações. Deve-se providenciar apoio para as IES localizadas em regiões onde se verifica uma contração demográfica, através de mecanismos complementares e autónomos de financiamento e de regulação política fora do âmbito do modelo de alocação do financiamento base.
Deve ser desenvolvida legislação para rever o modelo de alocação do financiamento base a ser atribuído às IES. Este deve explicitar "o propósito e objetivos das dotações atribuídas às IES públicas, incluindo-se o seu papel para o cofinanciamento de atividades de investigação" nos estabelecimentos de ensino.
Nos próximos cinco anos, os fundos europeus devem ser direcionados para o financiamento de ciclos de estudo curtos - cursos técnicos e superiores profissionais.
Dever-se-á adotar como princípio um orçamento de base-zero, a partir dos princípios mais básicos, prevendo-se um período de transição para que as instituições se adaptem ao novo sistema, que deverá ser o mais curto possível.
O novo modelo poderá ser aplicado progressivamente. Outra das recomendações é que se "atualize a visão do país para o sistema de ensino superior, reconhecendo de forma mais explícita a sua necessidade de reestruturação".
A OCDE dá como exemplo o Contrato de Legislatura para 2020-2023, em que se estabeleceram metas para o desenvolvimento do sistema de ensino superior público. "Esta iniciativa tem sido útil, tanto na transmissão de informação relevante para as estratégias institucionais, como na orientação do rumo do sistema de ensino superior".
Mas tem falhas: "As tentativas de proteger as instituições do interior e das regiões insulares, atribuindo-lhes vagas adicionais e não ajustando a sua dotação base ao número real de estudantes inscritos, são iniciativas que estão condenadas a falhar no médio prazo".
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