O tempo num relógio feito de neurónios

Investigadores do Centro de Neurociências da Fundação Champalimaud fizeram descoberta
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Um grupo de investigadores da Fundação Champalimaud descobriu um dos mecanismos de relojoaria que existe no cérebro e que está na base de algo que é essencial a quase tudo na vida do dia a dia: conseguir estimar o tempo. Este tiquetaque é protagonizado por um conjunto de células numa zona do cérebro designada estriado, que se "acendem" à vez, em sequência, como numa espécie de onda, e que dessa forma conseguem materializar a perceção do fluxo temporal.

"Descobrimos que essa população de células cria sequências de atividade que registam a passagem do tempo, de forma a coincidir com as estimativas subjetivas que fazemos dele", explica Joe Paton, que coordenou o estudo.

Fazer movimentos coordenados, como andar, conduzir um automóvel ou tocar um instrumento musical, aprender, falar, todas estas operações exigem que o cérebro possa fazer estimativas mais ou menos precisas do tempo. Mas como é que ele faz isso?

Foi desta pergunta fundamental que o grupo de Joe Paton - que estuda em ratinhos a neurologia da perceção do tempo - partiu para chegar aos resultados e à conclusão agora publicados na revista científica eLife. Mas foi há cerca de um ano que os investigadores fizeram a descoberta que conduziu a esta investigação, que agora culminou na identificação do novo pedaço de relojoaria neuronal no estriado - uma área do cérebro que integra um núcleo interno chamado núcleos de base e que é muito importante para os movimentos do corpo ou para a aprendizagem.

Nessa altura, os investigadores verificaram que há ali, no estriado, um padrão de atividade em que as células ficam ativas em momentos diferentes, como se através delas viajasse uma onda elétrica muito devagar, que pode levar entre 10 e 60 segundos a completar-se. "Perguntámo-nos então se aquele padrão seria um dos relógios de que andávamos à procura", conta Joe Paton, ao DN.

Àquela pergunta seguiu-se todo o trabalho necessário para conceber e realizar uma experiência que pudesse fornecer uma resposta. E esta, por seu turno, confirmou agora a suspeita dos investigadores.

A experiência encontrada pela equipa foi feita com ratinhos que tinham de decidir se um determinado intervalo de tempo era mais longo ou mais curto do que outro, sendo as diferenças eram diminutas enquanto o padrão da sua atividade neuronal estava a ser registado em tempo real.

Os ratos foram treinados para escolher, virando à esquerda ou à direita consoante a sua perceção do tempo, entre a duração de intervalos de 1,5 ou de 2,5 segundos. Com esta diferença, a sua perceção era sempre correta. No entanto, com intervalos de tempo mais parecidos entre si, como 1,5 ou 1,6 segundos, os ratos acumulavam erros. Pergunta: o que estava acontecer nesses momentos de avaliação incorreta nas células do estriado dos ratinhos?

"O que observámos foi que a onda [da atividade das células no estriado] viaja mais rapidamente quando o rato julga que o intervalo de tempo é maior do que realmente é, ou seja, o relógio interno dele anda mais depressa do que o tempo em si", explica Joe Paton. Porquê? "Não sabemos", diz o investigador. No entanto, há várias possibilidades e a equipa já está a trabalhar no que se segue para compreender melhor o funcionamento deste relógio interno à escala celular.

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