"O segredo é o gosto pela condução, sorte e dançar conforme a música"
As voltinhas no seu Toyota Corolla XL vermelho não podem faltar a Roberto Filipe. Não vai para muito longe de Santa Iria de Azóia, onde mora, mas mantém-se ao volante. Um carro com mais de 20 anos e que nunca o deixou "ficar mal". "Os carros antigamente eram chapa, não eram de plástico, os motores eram bons", comenta. Ele também o fez por merecer. "Tem que se ter cuidado, tomar precauções, não andar depressa, nunca bati em ninguém". Um mérito que lhe valeu um ano de seguro grátis na Tranquilidade, a sua seguradora de sempre, que lançou uma campanha para premiar os condutores com mais de 50 anos sem participarem sinistros.
Roberto só se percebeu da iniciativa quando recebeu a carta verde sem ter recebido a fatura para pagar. "Falei com o Manuel [o agente de seguros] e ele disse que o seguro estava pago. "Mas está pago como?", perguntei. E lá me explicou a campanha. Foi uma boa surpresa, já estava a fazer contas à vida".
A Tranquilidade tem 350 pessoas (70% destes segurados) com mais de 50 anos de seguro e sem nunca terem participado um acidente que provocaram, indica Emmanuel Lesueur, diretor de marketing da empresa. Prevê que todos os anos mais 80 pessoas sejam contempladas nesta campanha.
A ideia foi de José Costa, um "apaixonado dos automóveis" e de "conduzir". Carros e corridas são a sua paixão. Conta: "Enviei um email para o meu agente de seguros e perguntei-lhe se não merecia um prémio por ter mais de 50 anos de seguro sem acidentes. Ele pegou naquilo e enviou para a sede, em Lisboa. Acharam boa ideia e disseram-me que não pagava um ano". No seu caso , representa 350 euros, seguro contra terceiros e responsabilidade civil de 50 milhões de euros. Faz parte da campanha, já que a seguradora recorreu a exemplos reais para a promover.
José prefere o carro ao avião e o percurso mais longo que fez foi à Suíça. Este ano foi de férias com a mulher e o cão para Alicante. Em fevereiro viajou por Andorra e Barcelona. "Adoro conduzir, além das minhas voltas, ocupo-me dos netos. Há dias em que vou mais de duas vezes ao colégio". Tem dois filhos e quatro netos, de 7 e 5 anos, de 6 e 11 meses, respetivamente.
Ex-bancário, 75 anos, fez centenas de viagens, algumas com acelerador no fundo. Teve alguns sustos, ainda há dias um camião atravessou-se à sua frente. Qual é o segredo para não bater: "Gostar de conduzir, ter sorte e dançar segundo a música ... a estrada". Recorda os nove carros que teve. Terá percorrido 1,5 milhões de quilómetros. Conduz um Renault Mégane e um Mercedes, os seus carros, além do Mazda da mulher.
O prémio para Roberto Filipe representa 161 euros, seguro contra terceiros. Sempre na mesma seguradora. "Fiz a primeira apólice com o meu cunhado, que era agente, não vi razões para mudar. Prometem muito mas não dão nada e perdia as bonificações. Além de que o agente é meu vizinho."
Agente que para Roberto é o Manuel e que para a companhia é Agostinho Francisco, 62 anos, há 20 na empresa. Herdou os clientes do pai. Hoje "é mais difícil fidelizar as pessoas", explica: "A informação é muito maior e há uma relação mais distante com os clientes".
Há 50 anos, participava-se menos os acidentes, os prejuízos não compensavam: "Quando somos abordados fazemos uma avaliação do sinistro porque, na maioria dos casos, o seguro aumenta. Em face da despesa previsível, aconselhamos ou não a acatar a responsabilidade. Hoje compensa participar porque qualquer reparação é muito cara e o seguro está mais barato. Quando comecei, em 1997, um seguro contra terceiros custava 50 contos, o equivalente a 250 euros, hoje é menos."
Uma vida ativa, mas mais calma
Roberto trabalhou em cruzeiros como torneiro-mecânico, onde desenvolveu uma atividade artesanal: fazia peças em latão. E ainda hoje conserva um torno mecânico para as trabalhar. "Andava em barcos italianos e o comandante pedia sempre para eu fazer um chicholino [presente] para a mulher, eu fazia para ele e para mim". Amante, também, da fotografia, fez milhares de fotos e dezenas de filmes. "Passei tudo para digital. Agora, de vez em quando, tiro bocadinhos do filme para meter no Facebook, para os meus amigos. Como a qualidade não é muito boa, tenho de passar primeiro para Mp4, dá muito trabalho. Mas não vou ficar os dias num banco do jardim". Viúvo há mais de 40 anos, está habituado a viver só, uma vida que não tem sido fácil. Chora ao recordar as mortes, sobretudo da filha. Já tem dois bisnetos
A equipa do DN deu uma voltinha de carro com o senhor Roberto na Bobadela, onde decorreu a entrevista. Mudanças certeiras, condução lenta, estacionamento preciso. Recorda os carros e as matrículas, o atual, o Toyota, é de 1995, tem 108 Km. Manuel, o agente, avisara: "O senhor Roberto é polivalente, mesmo em caso de avarias. E, apesar de ter quase 90 anos, mantém uma atividade muito interessante." Os 90 chega em janeiro e já tem o atestado para renovar a carta.
Responsabilidade e maturidade
Arménio Neves defende que é precisa muita responsabilidade, além da sorte. "Com a minha idade, é preciso mais precaução, mais cuidado, até porque cada vez há mais malucos na estrada". Tem 85 anos, o último carro tem cinco anos, mas guarda o Renault Mégane, de 1991, para as voltas na terra, Seiça, em Ourém. "O meu primeiro foi um Ford Anglia, um carro que os ingleses fizeram para combater o Vauxvagen, dos alemães. Comprei-o novo. Esteve 12 anos na minha mão".
O veiculo tem cinco anos e 30 mil km. "Não ando muito, é só de Lisboa para Ourém e a volta, todos os meses, no autoestrada que é mais seguro. Moro ao pé da Assembleia da República, ando a pé. Quando tinha pernas era caçador e ia para o Alentejo, para todo o país, também nas férias. Ex-empregado de escritório, é viúvo, não tem filhos. Este ano não pagará os 470 euros de seguro, com danos próprios.
Tinha 27 anos quando tirou a carta, não precisou de uma autorização especial como o José Costa, que quis ficar "encartado" aos 18. O pai achou que não tinha maturidade, tinha de esperar um ano. "Entrei para o banco com 13 anos, como ordenança [paquete], disse que pagava a carta, mas não era esse o problema. Voltei a falar no assunto aos 19, o meu pai pediu para eu lhe trazer o papel para me dar a emancipação e eu trouxe o formulário para a condução. Recusou, disse que me dava a emancipação plena, que eu só podia conduzir quando fosse responsabilizado por todos os meus atos. Era único dos meus amigos que tinha a emancipação completa. Se calhar, isso também ajudou a não ter acidentes".