O que divide os especialistas na vacinação das crianças

Ministério da Saúde e Direção-Geral da Saúde explicam hoje como vai decorrer o processo de vacinação dos 5 aos 11 anos, que veio inflamar as divisões entre especialistas
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O debate sobre a publicação, ou não, dos pareceres técnicos que levaram à decisão de avançar com o processo de vacinação contra a covid-19 para as crianças dos 5 aos 11 anos é a última brecha a provocar divisões num tema que tem inflamado a discussão pública. Esta sexta-feira, o Ministério da Saúde e a Direção-Geral da Saúde vão revelar os detalhes do plano de vacinação que arrancará dentro de dias, mas as vozes dissonantes multiplicam-se entre os próprios profissionais de saúde, evidenciando a sensibilidade do tema.

Durante a tarde de quinta-feira, a Comissão Técnica de Vacinação (CTVC) da DGS reuniu-se para definir os últimos detalhes do plano de vacinação que hoje é anunciado, sobretudo a questão do intervalo ideal entre doses para esta faixa etária - as crianças serão inoculadas com duas doses da vacina da Pfizer/BioNTech, com um terço da dosagem aplicada aos adultos, conforme recomendação da Agência Europeia do Medicamento. Ao mesmo tempo, a ministra da Saúde respondia na Comissão Permanente do Parlamento aos requerimentos da Oposição para que sejam divulgados os pareceres que levaram a DGS e a CTVC a recomendar a inoculação da população dos 5 aos 11 anos.

Marta Temido reforçou o que a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, tinha já anunciado: a posição técnica e a norma final da DGS "serão naturalmente tornados públicos para quem os queira consultar", mas não os pareceres consultivos que lhes deram origem, os quais "são documentos internos preparatórios do processo de decisão", disse Graça Freitas. "São internos, não são secretos. Não creio que não haja transparência. Esses pareceres são vertidos para normas que remetem elas próprias para documentos consultados e que qualquer pessoa pode consultar".

O pedido de divulgação dos pareceres, no entanto, não foi apenas uma arma política. Também a Ordem dos Médicos veio a público "requerer acesso ao parecer que sustentou a decisão da Comissão Técnica de Vacinação". "A confiança das populações nas instituições é crítica para o sucesso no combate à pandemia e para a própria democracia, e a transparência na vacinação das crianças é crucial para que os pais possam tomar decisões informadas", explicou o bastonário dos médicos, Miguel Guimarães.

Não é apenas uma questão de "transparência", no entanto, o que divide os próprios profissionais de saúde nesta matéria, aumentando a angústia entre os pais que vão ter de decidir se vacinam ou não as crianças nesta faixa etária. Os pros e contras englobam argumentos como a redução dos contágios de covid-19, a estabilização da vida social, escolar e emocional das crianças, ou a segurança e eficácia das vacinas (de um lado), face aos números reduzidos de casos de doença nestas idades e dúvidas que permanecem com os efeitos a longo prazo (de outro lado).

Durante o dia, ganharam eco declarações do presidente do presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria da Ordem dos Médicos, o pediatra Jorge Amil Dias, para quem a vacinação das crianças é "desproporcionada" e "desnecessária". "Cerca de 200 mi crianças já contactaram com o vírus, já adquiriram anticorpos contra o vírus, porque o contacto com a infeção causa imunidade natural, ou seja, pelo menos um terço das crianças desta faixa etária já estão naturalmente imunizadas", defendeu, acrescentando ainda que ainda não se sabe se os casos [muito raros] de miocardites registados "após um, cinco, dez anos vão causar algum tipo de limitação na qualidade de vida".

Ricardo Mexia, médico de saúde pública, concorda que "a transparência deve imperar no processo, para que os pais tomem uma decisão de forma tranquila", mas enaltece que "está provado que os benefícios superam os riscos e não há qualquer dúvida sobre a eficácia das vacinas". Mexia refuta ainda a ideia de que as crianças "estão a ser vacinadas para proteger os adultos", lembrando que as crianças dessa faixa etária "são atualmente as que estão mais expostas", pelo que "há que protegê-las", disse na CNN Portugal.

Atualmente, esta é a faixa etária com maior incidência de infeções, segundo a DGS e é nas escolas que têm surgido mais surtos: 378 num total de 614, segundo os últimos dados divulgados. É essa a preocupação vertida na posição da Sociedade Portuguesa de Pediatria, para quem a vacinação neste grupo etário deve ser considerada "se isso permitir trazer normalidade à vida das crianças".

Para Jorge Amil Dias, o isolamento de turmas não se resolve com a vacinação mas sim com a alteração de uma decisão "que está errada". A tónica, diz, deve estar na "racionalização" das orientações das autoridades de saúde. E deixa um exemplo: "Se tivermos cinco meninos que receberam a vacina e outros cinco meninos que não receberam a vacina, mas que tiveram já contacto com o vírus e já têm anticorpos e estão imunizados, qual é a lógica de mandar uns para casa e os outros não?"

O pediatra contesta que entre as crianças seja feita distinção entre quem é e não é vacinado e não entre quem está ou não está doente. "É o que acontece com todas as outras doenças: lidamos com as pessoas e tomamos atitudes quando elas estão doentes. Neste caso, estamos a lidar com as pessoas em função dos testes que fazem. Isto é desproporcionado".

Para a Comissão Técnica de Vacinação, no entanto, com 85% das crianças vacinadas, será possível evitar 13.520 infeções e 52 internamentos hospitalares neste grupo até março de 2022. Há cerca de 638 mil crianças elegíveis para a vacinação nesta faixa etária.

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