Rúben Saraiva, o português contratado em Inglaterra para matar a tiro um político e empresário na Albânia, é um velho conhecido da agência nacional britânica contra o crime (NCA, na sigla em inglês). Está identificado como “colaborador” dos gangues das Midlands, região do centro de Inglaterra que envolve as cidades de Birmingham, Wolverhampton e Coventry. Estes grupos criminosos são hoje dominados pela Kompania Bello, a mais importante organização mafiosa da Albânia - aliada da máfia sérvia no negócio do tráfico de cocaína para a Europa - com presença, segundo a agência europeia para a cooperação policial (Europol), no Reino Unido, Holanda, Bélgica, França, Espanha, Itália, Alemanha e Portugal..Rúben, de 28 anos, aguarda numa cadeia da Albânia o julgamento pelo assassínio de Ardian Nikulaj, político e empresário, executado com sete tiros de pistola no bar de que era proprietário, na cidade de Shengjin. O matador terá sido contratado em Birmingham por Edmond Hachia, personagem com dupla nacionalidade britânica e albanesa, a troco de 80 mil libras (quase 93 mil euros), segundo escreveu o jornalista Artan Hocha, um dos mais informados sobre o submundo albanês, na sua conta do Facebook. O matador viajou para a Albânia como um simples turista na companhia de três cúmplices ingleses..O homicídio de Ardian Nikulai ficou gravado. Câmaras de vídeo instaladas no café registaram a ação: a chegada hesitante do assassino, a pistola empunhada na mão direita, a vítima a ser derrubada por sete tiros - captaram tudo, até a fuga do local do crime numa vagarosa ‘scooter’, menos a cara do assassino. O matador, que as autoridades albanesas identificam como o português Rúben Saraiva, atuou com um capacete na cabeça e uma máscara cirúrgica a tapar-lhe o rosto. Só se lhe viam os olhos - e mal!.O assassino entrou no snack-bar ‘Coral’, em Shengj, uma pequena cidade do interior, ao final da manhã de 19 de abril de 2023, uma quarta-feira. Vestia um colete esverdeado com listas refletoras por cima da camisola. A câmara de videovigilância apanhou-o de frente, mas o pistoleiro a soldo, de capacete e máscara cirúrgica, estava irreconhecível. Apenas uma mesa estava ocupada àquela hora e por uma única pessoa, Ardian Nikulaj, dono do bar, o alvo a abater. .O sicário não conhecia o homem que ia matar - ou não tinha a certeza sobre a sua identidade. Aproximou-se dele. Dirigiu-lhe breves palavras, inaudíveis na gravação, muito provavelment a perguntar-lhe se era Arian Nikulaj. O homem desviou a cabeça na direção do recém-chegado e respondeu-lhe. Nem por um momento antecipou o perigo. Tinha uma arma na bolsa pousada à sua frente sobre a mesa. Nem sequer esboçou um gesto para lhe tocar. Continuou sentado sem qualquer reação de assombro perante aquele desconhecido de capacete, máscara e colete refletor. .O assassino virou-lhe costas, contornou uma mesa vazia, avançou meia dúzia de passos até ficar de frente para a vítima - e só então sacou da pistola, que trazia escondida sob o colete, empunhando-a na mão direita. Parou a menos de dois metros de Nikulaj, que continuou sentado, e disparou repetidamente - uma, duas, três… sete vezes. Descarregou a arma como um louco a ferver em cólera. Mas o que o atirador demonstrou, ao premir furiosamente o gatilho, foi medo e repugnância. “Quando o assassino dispara descontroladamente contra um estranho, significa, regra geral, que está apavorado e sente até alguma repulsa”, diz ao DN o ex-inspetor Carlos Ademar, uma carreira ao serviço da Secção de Homicídios da Polícia Judiciária..Crime e castigo.As famílias de Edmond Hachia - suspeito de ter sido o mandante do homicídio - e de Ardian Nikulai - a vítima do crime - alimentam há décadas uma disputa de sangue. A polícia albanesa presume que a guerra sangrenta entre os dois clãs, ambos da região de Shengjin, teve como origem um desentendimento nos negócios. Os Hachia e os Nikulai repartiram durante algum tempo os lucros de vários empreendimentos conjuntos. O último foi uma bomba de gasolina, negócio que explodiu num banho de sangue..O jornal britânico ‘Daily Mail’ conta que, em 25 de junho de 1997, Gezim Lekstakaj e Lorent Gjetja, ligados à família Hachia, mataram a tiro Pellumb Nikulaj, irmão de Ardian. O crime foi o rastilho para uma onda de ódio e vingança que dura até hoje. Três meses depois do homicídio, o clã Hachia organizou a morte dos assassinos. Gerzim Lekstakaj e Lorent Gjetja caíram varados a tiro. Pellumb estava vingado. .Dois anos depois, dois membros do clã Lekstakaj - Gjovalin e Pjeter - retaliaram contra os Nikulaj. Tentaram matar Nikoll, tio de Adrian. Falharam. Nikoll respondeu a tiro. Matou Gjovalin e feriu Pjeter - que conseguiu abandonar a Albânia e refugir-se em Inglaterra. A Albânia pediu a sua extradição para o julgar pela tentativa de homicídio. Em vão. O advogado argumentou que o arguido sofria de ‘stress pós-traumático’: precisava de cuidados psiquiátricos e as cadeias albaneses não tinham condições para o tratar. Os juízes britânicos acreditaram. Pjeter foi libertado..Os últimos a matar foram os Nikulaj. Há tempo que Edmond Hachia, bem visto pela máfia albanesa de Birminghan, planeava uma vingança contra Ardien Nikulaj, influente e controverso político e empresário com ligações ao mundo do crime. Esteve detido por contrabando de armas e falsificação de documentos. Impunha tal respeito, a sua influência era de tal maneira, que vários sicários da Albânia recusaram dinheiro para o matar: “os assassinos só podiam vir de fora”, escreveu o jornalista de investigação albanês Artan Hoxha. .Os amigos de Birmingham.Edmond Haxhia, com residência permanente e negócios na região de Birmingham, encontrou em Rúben Saraiva, uma vida a soldo dos gangues albaneses, o sicário disponível para matar Ardien Nijulaj. Edmond encarregou-se de fazer com que o português não viajasse sozinho para a Albânia. Acompanhá-lo-iam os ingleses Stveven Hunt, Thomas Mithan e Harriet Bridgeman, uma jovem mãe de uma menina de sete anos, para os ajudar na execução do crime. .Rúben entrou na Albânia, como um inocente turista, em 11 de fevereiro de 2023. Instalou-se num modesto hotel de Kakarriqi, pequena aldeia a escassos 20 quilómetros de Shenhjin, nas costas do Adriático. Vigiou o alvo, com a ajuda dos cúmplices, durante semanas a fio. Utilizava uma ‘scooter’ que Edmond, o mandante, tinha comprado para uma namorada que mantinha numa aldeia próxima. A arma do crime, uma pistola russa ‘Tokarev’, também lhe foi fornecida na Albânia graças aos bons ofícios de Edmond Hachia..O crime foi cometido por volta do meio-dia de 19 abril. Rúben abandonou o local na ‘scooter’ da namorada de Edmond. O português, ainda nessa noite abandonou a Albânia pela fronteira com a Macedónia do Norte. O plano era chegar a Marrocos - donde apanharia um ‘ferry’ para Espanha e, depois, um avião para Inglaterra. Não conseguiu passar do território marroquino. Já os outros tinham sido detidos à chegada a Inglaterra, entretanto identificados pelas autoridades albanesas, ainda Rúben deitava contas à vida a tentar sobreviver num bairro de Rabat. Foi preso pela polícia marroquina, no seguimento de um mandado internacional de captura, em 1 de janeiro deste ano, e imediatamente enviado para a Albânia. Arrisca ser condenado a prisão perpétua..Máfia em Portugal.Primeiro, vieram os gangues de assaltantes albaneses, armados com pés-de-cabra, especializados em saquearem moradias em condomínios de luxo. Foram chegando de mansinho, a partir de 2015, como batedores a abrirem caminho a outros grupos criminosos mais sofisticados, tentáculos de um polvo gigante com a cabeça em Tirana - a Kompania Bello, a organização que agrupa vários clãs albaneses dedicados ao crime..A Divisão de Investigação Criminal da PSP (DIC) e o Núcleo de Investigação Criminal da GNR (NIC) andaram seis anos atrás dos assaltantes de moradias - na Aroeira (Margem Sul), na Quinta da Marinha (Cascais), no Estoril, em Oeiras, em Belas Cruz do Campo, na zona de Vila Franca de Xira. Observam a estatura dos assaltantes, os seus gestos e maneiras, a sua forma de andar. Diferenciam-nos uns dos outros. Atribuem-lhes alcunhas. Sabem em que crimes cada um participou. Só não lhes conhecem a cara e o verdadeiro nome..As longas horas de vídeos mostram que os gangues, segundo fonte policial, têm “grande capacidade de regeneração”. Há criminosos que desaparecem das imagens durante meses a fio e dão lugar a outros - e os novos demoram-se por cá um tanto tempo até que deixam de ser vistos. Vão uns, vêm outros, num carrossel em movimento perpétuo, prova provada de que se trata de uma rede transnacional. Os assaltantes rodam entre os vários gangues que a máfia albanesa mantém em atividade por essa Europa fora. Os investigadores portugueses já contaram, nos último seis anos, para cima de 40 intrusos diferentes. .Até ao dia do ataque à moradia de Otamendi, por volta da uma da manhã de 13 de dezembro, a PSP e a GNR julgavam ter o perfil e o padrão de comportamento dos assaltantes. Não usavam armas de fogo. Evitavam confrontos. Escolhiam casas sem pessoas lá dentro: assaltavam de manhã, quando os moradores saiam, ou entre as sete da tarde e as dez noite se não estivesse ninguém..No assalto à moradia de Otamendi, na Aroeira, concelho de Almada, aconteceu o que nunca tinha acontecido: violência. Um dos assaltantes emboscou o defesa central do Benfica à porta da garagem. Otamendi foi estrangulado com um cinto, manietado, obrigado a entrar em casa com uma pistola apontada à cabeça - e fechado numa casa de banho do rés-do-chão com o filho. A mulher e a filha foram trancadas noutro compartimento..Os assaltantes passearam-se à vontade pela vivenda. Encontraram 300 mil euros em dinheiro, relógios valiosos e uma fortuna em joias. Só ao fim de duas horas, o jogador conseguiu escapar da casa de banho e dar o alarme. Os assaltantes nunca foram identificados..manuel.catarino@dn.pt