"O Papa veio aqui, o bairro está muito abençoado e alguma coisa tem de mudar"
O bairro da Serafina acordou ontem de cara lavada. Da janela de casa, e com uma vista privilegiada para a Igreja e para o Centro Paroquial, uma moradora, "há 48 anos, nasci, cresci e vivo aqui", que não quis dar o nome, comentava: "Andaram a lavar o bairro toda a noite, nunca tinha visto isto. Foi só por causa do Papa, se fosse ele a mandar no nosso país acreditava que fizesse alguma coisa, agora, com os nossos políticos não".
No bairro, ainda faltavam quase duas horas para o Papa chegar, mas já estava tudo pronto para o receber, desde os moradores na rua e à janela, desde o coro da igreja aos escuteiros e aos quase 80 peregrinos franceses da região de Saint Flou, que ali estão alojados durante a Jornada Mundial da Juventude (JMJ).
Apesar das limpezas de última hora, o ambiente era de alegria e de esperança. E havia quem o aguardasse na primeira fila, como os escuteiros do Agrupamento do bairro, o número 53, não todos, porque, são 110, com idades entre os seis e os 22 anos. Leonor, Nair, Dinis e Miguel são lobitos, mas quiseram estar ali, quiseram vê-lo, porque, tentaram explicar-nos, "ele é uma pessoa muito especial e bondosa", ou porque "representa Jesus na Terra" ou até porque "ele é de outro país e representa o mundo o todo".
Para alguns dos mais velhos, Mariana, de 19, Madalena, de 14 e Tomas de 11, o poder estar ali "é um privilégio", algo que vai ficar na "memória para sempre" ou na "História", como diz Tomás. Mas mais do que isso, o importante é o que esta visita do Papa pode representar. Todos concordam que o bairro não tem assim um ambiente tão mau como dizem. "Para nós que o frequentamos, não é, não temos essa visão", dizem.
Mas mais importante do que a imagem do bairro, é o que esperam que possa vir a acontecer com esta visita do Papa. "Isto dá-nos ânimo para olhar para a frente e para vermos que não somos únicos e que estamos aqui para um bem comum", afirma Mariana. "É muito gratificante para nós, que somos escuteiros católicos, termos a oportunidade de o ter aqui na nossa paróquia é muito bom", embora diga "não sei o que vai mudar, mas tive o privilégio de o ter visto". Mariana acredita mesmo que esta ida do Papa ao bairro pode servir para melhorar as pessoas, ela própria e os colegas. "Nos escuteiros somos educados para servir e ajudar e isto vem ajudar-nos a melhorar como pessoas".
Quanto ao bairro, acredita, pelo menos, que "vem mudar, por exemplo, a visão que as pessoas têm do bairro, porque não é propriamente um bairro bem visto". Sobre esta JMJ que está a decorrer até domingo, Mariana também acredita que "nos vai inspirar a ser melhores pessoas". Tomás diz que, para já, esta JMJ já serviu para mostrar às pessoas "que têm de aceitar cada pessoa, todos somos diferentes, e temos de aproveitar o sermos como a vida nos faz".
O Papa Francisco estava prestes a chegar à Serafina, um bairro que tem 100 anos e que foi construído pela população que vinha de outras regiões para trabalhar em Lisboa, depois de ter passado pela Cidade da Alegria e de confessado três pessoas. Um programa diferente ao terceiro dia, para falar da pobreza e da forma como se faz caridade.
À sua espera, na primeira fila também, estavam o Presidente da República e o presidente da Câmara de Lisboa, como a ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, o cardeal patriarca e outros bispos. Mas à sua espera estava também Santiago, de seis anos, sentado numa cadeira de rodas. Ao lado, tinha a mãe, estavam ali para o Papa os abençoar, tinha vindo da Casa da Acreditar em Lisboa, onde estão devido à doença de Santiago. Ele foi o primeiro a receber o Papa, que estava ladeado pela segurança, naquele espaço.
Depois, foi a vez dos idosos. Francisco dirigiu-se ao Centro Paroquial que apoia mais de 700 moradoras do bairro. Foi recebido com palmas e sorrisos e Conceição, ali funcionária há 24 anos, acrescenta ter sido "muito emocionante. Nem sei explicar, por tudo, pelas palavras que disse pela forma que tem de lidar com as pessoas. E nós merecemos isto, merecemos que ele tenha vindo cá. Temos um 'patrão', que é o sr. padre Crespo, que é uma pessoa espetacular, que é uma pessoa muito boa, sem ele não duvide que muitas destas pessoas já teriam morrido, ele é que acolhe muita gente", conta.
Lá dentro, perante uma plateia de idosos e de representantes de várias instituições sócio-caritativas, Francisco falou, mais uma vez para os cristãos e para toda a igreja, pedindo que se questionem sobre "se têm nojo da pobreza, da pobreza dos outros?", desafiando-os a sujarem as mãos.
De forma improvisada, deixou de ler o discurso que levava, porque sente a vista cansada, e reforça a importância da ação caritativa, mas uma ação como aquela que não tenha nojo da pobreza. "Não há amor abstrato, não existe. O amor platónico está na órbita, não está na realidade", disse. E perguntou: "Quando dão a mão a uma pessoa necessitada, doente ou marginal, lavam-na de seguida, para não ficarem contagiadas?", sublinhando depois que a ação caritativa deve ser feita com "o amor concreto, esse que suja as mãos". "Temos uma realidade que deixa marca, uma realidade de tantos anos, de tantos anos que deixa inspiração", declarou, considerando que não poderia existir uma JMJ "sem ter em conta esta realidade". "Isto também é juventude no sentido em que gera vida nova continuamente", pois ao sujarem as mãos com a miséria dos outros, os responsáveis estão a gerar inspiração e vida". À saída do centro, uma jornalista espanhola da Stampa apertava-lhe a mão e dizia "tanta energia Santa Padre, o que achou?". Ele respondeu: "É uma obra incrível, vejam e escrevam sobre isto".
Francisco ficou pouco tempo no Bairro da Serafina, mas para alguns, também podia não ter ido lá, e quis ir. À sua saída, uma das mulheres que o tinha visto na igreja, comentava ao DN: "Estou emocionada, foi demais. Tenho aqui no bairro um estabelecimento quase há 30 anos e acredito que alguma coisa pode mudar. Isto tem que mudar as pessoas, tem de mudar para todos podermos viver melhor".
Do lado de fora, Mónica, de 39 anos, moradora no bairro há dez anos, também tem esperança. "Gosto de viver aqui, o bairro é calmo, ao contrário do que dizem, mas não tem condições. Isso é verdade, mas o Papa veio aqui, o bairro agora está muito abençoado e alguma coisa tem de mudar. Tem mesmo", repetia ao DN.
"Acredito que vai mudar", continuava, esta mulher, mãe de seis filhos, o mais velho com 19 e o mais novo com 11 meses. "Tenho três filhos na creche da igreja, agora vai entrar o quarto, o bebé. É muito bom". Mónica apresenta um dos filhos do meio, Kaleb, de 9 anos, que conta ter visto também o Papa da rua. "Foi muito bom, gostei", diz a rir-se, contando que já andou na creche, mas que, agora, "já estou noutra escola". Para Kaleb o bairro é bom, "tenho amigos, brinco e jogo com eles", mas quando for grande "quero ser polícia. É a minha profissão preferida, quero proteger os outros".
Passava das 11.00, quando a comitiva de Francisco deixa o bairro da Serafina. A plateia começava a abandonar o bairro, a polícia, que nesta manhã era muita, também, os moradores, esses, vão ficar. "Vamos ver o que acontece agora, mas continuo a dizer que não acredito que mude alguma coisa", dizia-nos a mesma moradora, que já no início se mostrou pouco otimista.
Para os chefes dos escuteiros, Isabel e Manuel, do agrupamento 53, que, em 2000, foram a Roma para viver a JMJ, o Papa ter ido à Serafina. "É muito importante, pelo menos, para todos os jovens que vivem num bairro que é degradado, com falta de muitas condições, pode representar um futuro melhor, que haja, por parte das autoridades e de todas as outras pessoas, um olhar diferente e um cuidar diferente para este bairro, para um futuro melhor para todos", diz a chefe Isabel, o chefe Manuel diz mesmo que, só a visita em si, "é empolgante, porque, mesmo quem não é católico, gosta dele. É um homem muito especial".
O Presidente da República aproveitou esta visita do Papa para à Serafina para dizer aos jornalistas que ""é preciso mais dinheiro para apoiar as IPSS. O Estado tem um papel fundamental".