O pai do ADN antigo recebe prémio pela descoberta da evolução humana

Svante Pääbo estava "no último golo de chá" quando recebeu a chamada da Fundação. Trabalho efetuado pelo cientista explorou o "que nos torna exclusivamente humanos".

Os grupos humanos mais arcaicos não eram loucos, mas os humanos modernos são, porque é uma loucura atravessar um oceano sem se saber o que há do outro lado. Ou ir à Lua, ou a Marte, porque não paramos".

Em outubro de 2019 o novo Nobel da Fisiologia ou Medicina, Svante Pääbo, falava em Lisboa sobre os seus estudos de ADN antigo e sobre a sequenciação do genoma neandertal. Análises que revelaram um cruzamento entre humanos modernos e neandertais há 50 mil e 80 mil anos, provavelmente na região do Médio Oriente, e que terão gerado descendência.

Na altura, o homem que se tornou o pioneiro da paleogenética promovia o livro O Homem de Neandertal -- em busca dos genomas perdidos, onde falava das suas investigações e descobertas. Um trabalho que mostrava terem os neandertais deixado um rasto genético nos europeus, asiáticos e seus descendentes, mas não nos africanos.

Três anos depois, Svante Pääbo estava a "beber o último gole de chá" quando recebeu um telefonema de Thomas Perlmann, o secretário do Comité Nobel, a comunicar-lhe que lhe tinha sido atribuído o galardão, que também incluí um prémio monetário de 900 mil dólares (917 mil euros).

Em declarações divulgadas pela Fundação Nobel, o cientista sueco acrescentou nunca ter pensado que as suas descobertas o "fariam merecedor de um prémio Nobel".

A justificação para esta escolha estava no comunicado em que foi divulgada: "Ao revelar as diferenças genéticas que distinguem todos os seres humanos vindos dos hominídeos extintos, as suas descobertas fornecem a base para explorar o que nos torna exclusivamente humanos."

O sequenciamento de um osso descoberto na Sibéria, em 2008, revelou a existência de um hominídeo diferente e desconhecido até então - ficou conhecido como Denisova e vivia na zona da atual Rússia e na Ásia. Um ano depois, Pääbo descobriu que 2% dos genes passaram destes hominídeos extintos para o Homo Sapiens há cerca de 70.000 anos. Esse antigo fluxo de genes para os humanos atuais tem relevância fisiológica atualmente, por exemplo, afetando o modo como o nosso sistema imunitário reage a infeções.

"Um grande cientista e um grande ser humano"

Num comentário à atribuição do Nobel, Carlos Fiolhais (também diretor da coleção de ciência da Gradiva) frisou que "Svante Pääbo é não só um grande cientista - obstinado na busca das nossas origens - como um grande ser humano, que em Coimbra se interessou pela Biblioteca Joanina, na visita guiada que lhe fiz, e em geral pela história da ciência em Portugal".

Svante Pääbo nasceu em Estocolmo a 20 de abril de 1955 e é filho de Sune Bergstrom, um bioquímico sueco que em 1982 também ganhou o Nobel da Medicina, mas com o qual quase não contactou por ter nascido de uma relação extraconjugal do pai -- uma separação que o leva a usar o sobrenome da mãe.

O novo Nobel mora em Leipzig (Alemanha) e recebeu de imediato os parabéns do Instituto Max-Planck, onde trabalha, que elogiou um trabalho "que revolucionou a nossa compreensão do desenvolvimento histórico dos humanos modernos".

Regressando à entrevista ao DN em outubro de 2019, Pääbo contou ter ficado surpreendido com a forma como os neandertais se misturaram com os humanos modernos e que as descobertas do seu grupo foram "ajudadas" pela tecnologia. Deixou ainda uma certeza, na altura: não iria escrever mais nenhum livro. "Este livro, na verdade, foi muito bem recebido e foi traduzido para 16 línguas. Portanto, foi divertido, correu bem mas não vou repetir. Escrevi nele tudo o que tinha para contar".

O Homem de neandertal - em busca dos genomas perdidos

Autor: Svante Pääbo

Editora: Gradiva

432 páginas

Hoje será conhecido o Nobel da Física.

Com agências

cferro@dn.pt

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