"O mar vai ter um papel muito mais relevante na energia, transporte e alimentação das pessoas"
A partir do Egipto (onde participa na COP27), Tiago Pitta e Cunha lembra que a preocupação já não são os 8 mil milhões, mas sim os 10 mil expectáveis até 2050. Mas sublinha a importância que Portugal poderá ter na produção de energia e alimentação verdes.
No dia em que o mundo atinge a marca dos 8 mil milhões de pessoas, o que é que este número lhe diz?
A marca dos 8 mil milhões não é uma surpresa para ninguém, mas sim a confirmação do grande dilema com que a espécie humana se debate: como continuar a permitir o nível de vida cada vez mais elevado à população humana no planeta -- principalmente combatendo problemas que continuam a persistir, como a fome -- mas, ao mesmo tempo, sem com isso acabar de destruir o planeta. Porque estamos onde estamos por causa da exaustão dos recursos naturais do planeta.
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Quando diz "acabar de destruir", quer dizer que estamos em avançado estado...
Nós hoje estamos em crises planetárias absolutamente comprovadas pela ciência, a começar na crise climática, passando pela das espécies -- redução acelerada de biodiversidade do planeta -- e também pela crise dos oceanos. Desde 2018 para cá, os relatórios publicados por organizações acima de qualquer suspeita, nomeadamente pelo IPCC (o painel intergovernamental dos cientistas da convenção das alterações climáticas) e a plataforma da biodiversidade das Nações Unidas, comprovam isso mesmo. E o único plano que nós temos para travar o que está a acontecer chama-se Acordo de Paris, como todos sabemos, que também não está a ser cumprido.
Isso é um motivo acrescido de preocupação?
Sim, porque temos um plano mas não estamos a cumprir o plano, agora ainda mais com a questão da guerra - que, por um lado, pode até acelerar uma transição para as energias renováveis, levando as pessoa a sustentabilidade energética anda de mãos dadas com a segurança de fornecimento energético. Ou seja, devemos cada vez menos depender daqueles países que controlam os recursos naturais do planeta -- neste caso combustíveis fósseis -- e que devemos começar a produzi-los mais, de forma endógena, através da renováveis. Mas se nós não estamos a cumprir hoje o acordo de Paris, com 8 mil milhões, como é que vamos cumprir em 2050 com 10 mil milhões? Isso significa ter de alimentar, climatizar e transportar muito mais pessoas.
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O que é que temos que repensar rapidamente?
Os grandes setores carbonizadores: a energia, os transportes e a alimentação. E é aqui que o mar vai ser cada vez mais importante.
Qual será o papel dos oceanos nesse processo?
Vão ter um papel muito mais relevante do que tiveram no século XX, tornando-se muito mais relevantes. No século XXI, o que podemos fazer é tentar descarbonizar, e isso vai exigir muitíssimo dos oceanos. A começar por superar o que é a carbonização que as indústrias terrestres nos implicam, quer do ponto de vista da energia quer da alimentação, ou dos transportes. Começando por estes, sublinho que o transporte marítimo é a forma mais energeticamente eficiente para transportar. Mas isso implica uma nova indústria de transportes marítimos, investindo nos chamados navios verdes, com novas propulsões, que deixem de poluir como os atualmente os navios poluem.
E isso é válido também para a alimentação?
Claro. Nós vamos ter de alimentar 10 mil milhões até 2050 (mais dois mil milhões que hoje), e isso significa necessidade de pelo menos mais 30% de proteínas alimentares. Se nós quisermos produzi-las a partir do território terrestre do planeta -- que é reduzido, comparado com o mar, este represente 71% da superfície do planeta -- vamos ter também muito mais carbonização. Sabemos que a agricultura altamente carbonizante. Se fizermos as coisas como temos vindo a fazer, vamos libertar mais gases de efeitos de estufa.
Significa que temos de adotar um novo paradigma na alimentação também?
Talvez tenhamos que partir para as novas dietas, de que o IPCC já fala, como a dieta verde, e que implica produzir muito mais algas e bivalves, porque são espécies que se alimentam de nutrientes marinhos, inclusivamente de carbono depositado no mar. E para Portugal isso é muito importante, do ponto de vista da indústria da alimentação, uma vez que temos condições ótimas no nosso mar para bivalves e algas. E depois ainda temos a energia...a União Europeia é clara quando diz que o energy mix deve ter, a partir de 2030, uma componente importante de energia eólica offshore. E aí também são boas notícias para Portugal, uma vez que o nosso país conta com cinco mil horas de vento offshore, comparado com as três mil horas onshore. Poderíamos ter mais recurso a energia renovável a explorar no mar, do que em terra. Portanto, acho que vai ser inevitável darmos esse passo.
dnot@dn.pt
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