O jesuíta português que estuda a legitimidade de usar robôs na guerra
Tem o tamanho e o formato de um mosquito. Mas é um drone fabricado por humanos e capaz de matar, apesar das suas reduzidas dimensões. O Bee-drone - o nome de abelha deriva de usar uma microagulha, espécie de espigão, que fica no corpo humano antes de o drone se autodestruir. O veneno da picada pode provocar a paralisia total ou um ataque cardíaco. E o alvo pode assim morrer e até ser considerada morte por causas naturais.
Não é ficção, estes aparelhos da robótica militar estão a ser desenvolvidos, pelo menos, nos Estados Unidos e no Reino Unido e integram o objeto de estudo do padre jesuíta português Afonso Seixas--Nunes, professor assistente na Universidade de Essex onde faz o doutoramento em Direito Internacional nesta área. Está em Portugal, onde fez três conferências sobre o recurso a sistemas robóticos em cenários de guerra.
O jesuíta de 43 anos aprova o recurso a drones e computadores para fazer a guerra, sem deixar de reconhecer que se levantam problemas a nível da responsabilidade, sobretudo nos chamados sistemas autónomos, isto é, aparelhos que, apesar de serem acionados por um comando humano, são em si próprios autónomos, como o Bee-drone. "Há um desafio grande para os roboticistas nos dizerem que os princípios da distinção e da proporcionalidade podem objetivamente ser cumpridos na prática. Uma vez que estes princípios podem ser respeitados, penso que estas armas oferecem muito mais eficiência, uma guerra muito mais limpa e com muito mais proteção de objetos civis e dos próprios civis. Hoje em dia a guerra é mais com agentes não estaduais que atravessa fronteiras de um lado para o outro", diz ao DN, após a sua intervenção na Universidade Católica do Porto, onde foi aluno.
Será o primeiro padre português a debruçar-se sobre a matéria da guerra. "Não sou o primeiro nem o único jesuíta nesta área", esclarece quem recorda que a Igreja Católica nunca foi defensora do pacifismo mas sim de "uma definição de critérios muito rigorosos para a legitimidade de um conflito e que tipo de tecnologia de guerra poderá ser utilizada". A fundação do Direito Internacional está ligada aos jesuítas. "Foram dos principais fundadores. Depois temos uma organização, a JRS (Jesus Refugees Service), em que trabalhamos com as vítimas dos conflitos armados. Basicamente estou a estudar como é que se fazem conflitos e como é que hoje se matam pessoas, se não soubermos que meios são utilizados na guerra também não se consegue defender as pessoas."
Para Afonso Seixas-Nunes, os "estados têm soberania e legitimidade para desenvolver estes sistemas". O que não invalida os perigos. "São tecnologias de tal forma sofisticadas que pode haver uma perda de controlo e de comunicação entre os operadores humanos e como é que o sistema está a atuar. Essa dissociação de comunicação pode levar, caso o sistema não opere da melhor forma, a consequências de danos civis gravíssimas e a termos mais dificuldade em imputar responsabilidades", considera.
Numa área ainda em desenvolvimento - "os Estados que estão a investir são Japão, Coreia do Sul, EUA, Reino Unido, Israel, Itália. São os mais vulneráveis a ser atacados e os mais interessados em investir" -, uma outra grande questão é quando os denominados terroristas tiverem acesso a estas tecnologias.
Para já, quando se utiliza estes sistemas é possível chegar à sua origem. "Consegue-se identificar o material, quem o produz, qual é o estado que fornece e daí chega-se à causalidade. Em armas que se autodestroem a dificuldade pode ser apanhar os fragmentos mas investigadores dos países produtores têm essa capacidade."
Recurso já usado na saúde
A aplicação militar é apenas uma das possibilidades para os sistemas robóticos autónomos ou semiautónomos. Nos transportes há já uma aposta crescente e na medicina a sua utilização já teve início. Nos Estados Unidos, os robôs já fazem operações supervisionados por um médico e no Reino Unido o recurso já está a ser preparado. Há um mês na Áustria foi realizada a primeira operação autónoma. O cirurgião estava nos EUA, o paciente na Áustria e a remoção das cataratas foi totalmente feita por um robô. "Na saúde é mais fechado e muito regulamentado a nível do direito interno dos países. Para se utilizar a robótica autonómica a nível hospitalar o paciente vai ter sempre de dar o seu consentimento. É muito diferente do contexto da guerra, não cria tantos problemas", defende.
No futuro, o jesuíta vê na "proteção dos dados pessoais o grande problema. "Hoje, podem escrutinar-lhe a vida de alto a baixo. O Reino Unido foi condenado há mês e meio pelo Supremo Tribunal de Justiça a destruir informações de milhões de cidadãos. Têm acesso a informação de quem colocar no google a palavra ISIS ou Estado Islâmico, assim fica com o seu computador debaixo de vigilância automaticamente." As redes sociais, como o facebook, fornecem muitas informações. "Hoje, os computadores têm acesso à vida privada das pessoas e se eu quiser usar isto para o mal tenho acesso a informação que antes não tinha."