O estado da Educação em Portugal: "Hesitação, esperança e problemas"

Perante o ambiente de instabilidade que se vive no sistema de ensino português, Alberto Amaral, o porta-voz global do EDULOG, think tank da Fundação Belmiro de Azevedo direcionado para a área da Educação, aponta as oportunidades e os maiores desafios que se podem esperar nos próximos anos.

Como caracteriza o estado atual da Educação?
"Hesitação", "Esperança" e "Problemas" são as três palavras que resumem a situação atual nas instituições de ensino portuguesas. Acredito que há áreas que estão a evoluir relativamente bem e há esperança que se resolvam os problemas, nomeadamente os das burocracias, que são muito complicados. No entanto, há uma agitação nas escolas que já vem desde a pandemia, especialmente para os alunos do ensino secundário que tentam chegar ao ensino superior.

Como encara a contestação dos professores?
As manifestações dos docentes do ensino não superior resultam de uma série de atropelos a que têm sido sujeitos e que atingiram o nível do intolerável - a não contagem de tempo de serviço, instabilidade nas suas colocações, dificuldades de conseguirem uma situação estável, degradação do seu estatuto social, uma burocracia sufocante, entre outros. Vai ser muito complicado pacificar o sistema e a perda de atratividade da carreira poderá resultar em falta de professores num futuro próximo.

O que pensa das mudanças nas regras de acesso ao ensino superior e a possibilidade de os politécnicos lecionarem doutoramentos?
As alterações ao acesso são lógicas, sendo de destacar, em particular, a decisão do Governo de promover um programa visando diminuir as desigualdades sociais no acesso aos cursos mais procurados. Também o aumento dos exames de acesso se compreende face à menor confiança nas classificações internas. Nada justifica a atual situação em que a classificação de 20 valores é a mais frequente em disciplinas sem exame nacional.

Já a evolução dos politécnicos é de esperar e segue tendências internacionais que apontam para a instabilidade dos sistemas binários. A exigência progressiva de os docentes do politécnico serem doutorados, ficando normalmente integrados em centros de investigação onde se doutoraram criou, naturalmente, o desejo de prosseguirem esses trabalhos e iniciarem a oferta de doutoramentos. Males maiores - degradação do doutoramento em Portugal - serão evitados desde que exista rigor na aprovação das eventuais propostas de doutoramento. Note-se que um doutoramento sério deve ter por base boas condições para fazer investigação, o que exige a existência de centros de investigação bem classificados (Muito Bom ou Excelente), sendo de notar que dos 233 centros existentes em Portugal nessas condições apenas 11 estão localizados em politécnicos.

E a constante emigração de jovens licenciados?
A emigração de jovens licenciados é uma consequência da falta de emprego qualificado ou das condições pouco atraentes do emprego oferecido. O caso dos médicos é um exemplo paradigmático. Não existe falta de médicos em Portugal, o problema é que as condições oferecidas pelo Serviço Nacional de Saúde não são suficientemente boas para os atrair.

Quais são os principais desafios que considera fazerem parte do sistema educativo português?
O sistema educativo português tem pela frente diversos e significativos desafios. O primeiro e eventualmente o mais importante está ligado à situação demográfica e ao progressivo envelhecimento do País. Entre 2009/10 e 2020/21 o ensino não superior, incluindo o pré-escolar, perdeu cerca de 421.000 alunos (22%), dos quais cerca de 90.000 no ensino secundário (19%). Este decréscimo irá continuar nos próximos anos e irá afetar, de forma muito significativa, o ensino superior. Até agora o ensino superior não foi atingido por esta quebra de alunos devido a uma série de políticas que amorteceram este efeito: o ingresso dos maiores de 23 anos, a captação de alunos estrangeiros e o aumento da escolaridade obrigatória. Mas o efeito destas políticas esgotou-se e há que encarar o futuro com realismo procurando novas soluções.

De acordo com previsões da DGEEC haverá, entre 2020/21 e 2035/36, uma diminuição significativa dos alunos do 12.º ano de escolaridade (os candidatos naturais ao ensino superior) que será desigual nas várias regiões de Portugal, atingindo em particular a Região Norte. Por exemplo, para o Porto está prevista uma redução de cerca de 30%, 32% para Bragança, mas apenas 8% em Faro e 13% em Lisboa.

O segundo grande desafio é o da falta de equidade no acesso ao ensino superior na medida em que os alunos provenientes das famílias de níveis socioeconómicos mais baixos terão muita dificuldade em aceder aos cursos mais apetecíveis. Pensava-se que com a expansão do ensino superior este problema tinha sido resolvido. Porém, o que num sistema de elite, com um pequeno número de vagas no ensino superior, era uma luta para conseguir entrar, com a grande expansão do sistema o jogo alterou-se e passou a ser uma luta para entrar nos "melhores" cursos, luta em que os alunos filhos de pais das classes mais favorecidas saem claramente beneficiados.

Como se sabe, as bolsas de estudos são atribuídas aos alunos de famílias com menores rendimentos per capita, pelo que a maior ou menor percentagem de bolseiros num curso permite avaliar o nível de equidade. Por exemplo, nos cursos de Medicina a percentagem de bolseiros é de 13,5%, mas na Enfermagem é de 38,1% e na Fisioterapia de 26,9%. E esta é uma constante quando se comparam cursos do ensino universitário com cursos de politécnico. Por exemplo, as percentagens de bolseiros são 24,7% nas Ciências Farmacêuticas (universitário) e de 38,7% na Farmácia (politécnico), ou de 12,4% na Engenharia Química na Universidade e de 22,9% no mesmo curso do politécnico. Mas existem cursos em que este efeito é extremamente elevado, mais do que nas medicinas. Por exemplo, nos cursos de Engenharia e Gestão Industrial a percentagem de bolseiros é de 1,98% na Universidade Nova, de 2,53% na Universidade do Porto e de 3,64% na Universidade de Lisboa. De um modo geral as percentagens de bolseiros são maiores no politécnico (25,5%) do que na universidade (17%), embora haja também variações significativas por instituição e região. Por exemplo, as percentagens de bolseiros são muito mais baixas na região de Lisboa: 8,65% na Nova, 8,88% no ISCTE e 10,99% na UL e, mesmo no IPL essa percentagem é de apenas 12,37%. No caso da U. Porto a percentagem é de 15,89% subindo para 28,17% no Politécnico. Mas em regiões mais rurais verifica-se um claro aumento de bolseiros: 27,92% na U. Minho e 30,1% na UTAD. Estes resultados também mostram a dificuldade de alunos das classes mais desfavorecidas conseguirem um lugar no ensino superior público nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Não é por acaso que nestas duas regiões se verifica a maior percentagem de alunos que não prosseguem estudos no ensino superior. A situação é particularmente grave nas periferias destas cidades.

Algo semelhante observa-se quando se analisam os resultados, não em função do estatuto socioeconómico, mas olhando para a percentagem dos pais com ensino superior. Num dos anos em que procedemos a essa análise a percentagem de alunos com pais de formação superior era de 70% nas medicinas, ao passo que 70% dos pais na enfermagem não tinham formação de nível superior.
Estes dados mostram sem margem para dúvidas que não há equidade no acesso dos jovens ao ensino superior, pelo que é de saudar a experiência que o MCTES está a realizar com a reserva de vagas para alunos das classes mais desfavorecidas.

O terceiro grande desafio é o do pessoal docente do ensino não superior. Na verdade, tem-se verificado uma progressiva degradação do estatuto social destes professores, bem como das condições remuneratórias e de carreira. Não é possível atrair jovens para esta carreira com as condições que são oferecidas de que se destaca a falta de estabilidade nas colocações. É muito significativa a diminuição do número de candidatos a cursos de formação de professores o que faz antever sérias dificuldades futuras caso a situação não seja invertida.

O que é o EDULOG e a sua missão?
O Engenheiro Belmiro de Azevedo foi alguém que sempre se preocupou com o ensino, quer como elemento promotor de ascensão social, quer como elemento fundamental para a promoção do sucesso económico e social das nações. Fiel a estes princípios criou, no âmbito da sua Fundação, o programa EDULOG que tem por missão construir pontes entre a educação, a política e toda a sociedade, com vista à adequação das qualificações e capacidades criadas e desenvolvidas pelo sistema de ensino e aquelas consideradas fundamentais para o desenvolvimento social, económico e cultural de Portugal e dos Portugueses.

No cumprimento desta missão o EDULOG procura ser uma referência na produção e na divulgação de conhecimento científico sobre Educação em Portugal com o objetivo de informar as políticas públicas, envolver a comunidade educativa, promover o debate e estimular uma mudança positiva na educação das gerações futuras.

O EDULOG é o resultado do desejo expresso do Engenheiro Belmiro de Azevedo de contribuir para a melhoria do sistema educativo português que ele considerava como uma ferramenta imprescindível para o desenvolvimento económico e social de Portugal. Ele pretendia criar bases sólidas e cientificamente válidas para a definição de políticas que contribuíssem de forma eficaz para a promoção da qualidade do ensino e para a diminuição das desigualdades sociais.

ines.dias@dn.pt

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