"O amor venceu o ódio", mas certezas "só a 2 de janeiro"
Segunda-feira, Faculdade de Direito de Lisboa. As aulas decorrem como habitualmente, mesmo que no dia anterior tenham recebido as urnas para a votação nas presidenciais no Brasil. Há muitos estudantes brasileiros, sobretudo nos mestrados e pós-graduações. Daiana, Débora, Luís, Beatriz e Iana frequentam o mestrado de Direito e Prática Jurídica e estão divididos quanto aos resultados. Mas comungam da preocupação com o que se seguirá. Só ficarão tranquilos a 2 de janeiro, dia seguinte à tomada de posse de Lula da Silva.
Daiana Fernandes, 43 anos, é de Minas Gerais e veio há dois meses, precisamente por causa de Jair Bolsonaro, em quem votou em 2018. "Queríamos a mudança e ninguém queria que o PT voltasse. Nunca imaginei que tinha votado numa pessoa homofóbica, racista, negacionista [pandemia]", argumenta.
O país não mudou na direção que Daiana imaginava. "Vim por causa de Bolsonaro e pela segurança dos meus filhos. O mais velho é norte-americano e podia ter ido para os Estados Unidos, mas escolhi Portugal pela qualidade de vida e segurança." Pretende ficar após terminar o mestrado, tal como os outros quatro colegas brasileiros.
Gostou que Lula tivesse vencido, mas sem grandes manifestações de alegria. "É o menos ruim", diz. E essa foi a razão pela qual não votou. "Foi a primeira vez que não votei por convicção. Não tinha a mínima opção de voto."
A amiga Débora Oliveira, 39 anos, há um ano em Lisboa, é de São Paulo. Votou na primeira volta mas decidiu não o fazer neste domingo: "Senti-me muito mal por não votar, mas não poderia dar o meu voto a nenhum dos dois." Já votou PT, mas há quatro anos acreditou em Bolsonaro e ainda acha que deveria ter ganho agora, embora não concorde com tudo o que diz o presidente em funções e recorde como a Polícia Rodoviária Federal parou os autocarros, "pagos pelo PT", com eleitores para votarem.
Assusta-me o extremismo de Bolsonaro e a liberdade de Lula também me assusta." E interroga: "Não sei como Lula vai representar os 49 % que não votaram nele." A força de Bolsonaro junto das polícias é algo que a preocupa no pós-eleições. Lula da Silva ganhou as eleições presidenciais com 50,9 % dos votos, mas a apreensão de Débora redobrou quando viu o anterior presidente não felicitar o vencedor na noite das eleições, como sempre é feito. "Só a 2 de janeiro é que realmente vou ver se houve a troca de facto. Acho que ainda vai correr muita tinta."
Nenhuma dessas dúvidas tiram o sorriso da cara de Iana Silva, 33 anos, de Porto Alegre, há dois anos e meio no país. Não votou porque teve dificuldades com a documentação, mas se o fizesse seria em Lula. Em 2018 votou em Fernando Haddad, o candidato do PT.
Foi festejar para a rua até às 5h00, o que significa que teria de beber vários cafés para aguentar a jornada de aulas ontem. "Festejei muito, ganhou a democracia, acredito que a transição será feita em harmonia. Nas anteriores eleições votei no partido de Lula, pessoas em cujos princípios acredito. Vimos como Bolsonaro reagiu à questão da pandemia, negando a ciência. Muitas pessoas estavam descontentes."
Luís Cláudio, 43 anos, do Rio de Janeiro, há um ano e meio em Lisboa, acredita que Lula da Silva é a melhor solução para o seu país. "Tem a chance de retificar as besteiras que fez no passado." E repete uma frase ouvida após os resultados eleitorais: "O amor venceu o ódio."
Também está preocupado com o que irá acontecer nos próximos dois meses, recordando até o que Donald Trump fez nas eleições norte-americanas, quando não aceitou os resultados. "Acredito que seja uma transição tranquila, mas há essa interrogação. Ninguém sabe o que vai acontecer."
Preocupada está também Beatriz Oliveira, 27 anos, de Belo Horizonte, há três meses em Portugal. Discorda de muitas coisas do PT - "um partido comunista" - e de Bolsonaro, mas está mais próxima do presidente cessante, o primeiro no Brasil a não fazer um segundo mandato. "Sou contra o aborto, não concordo que seja livre como em Portugal."
Quanto ao futuro, Beatriz sublinha: "A eleição está muito dividida, praticamente 50/50, a maioria dos brasileiros não está a favor de Lula. Aliás, muitos dos votantes, tanto em Bolsonaro como em Lula, não concordam a 100% com o que eles dizem." O futuro é incerto: "O meu receio é que haja uma guerra civil, um golpe de Estado."
Nelson Rocha, 64 anos, é engenheiro mecânico, chegou a Portugal no final de 2018. A mulher e uma das filhas juntaram-se-lhe em janeiro de 2019. "A grande motivação foi Jair Bolsonaro ter ganho as eleições. Passei a minha juventude com a ditadura militar e disse que não iria passar novamente por isso. Escolhi Portugal pela segurança. É um país da UE com uma democracia consolidada e que, por ser um país irmão, nos iria receber bem, como aconteceu."
Festejou, mas não embandeirou em arco com a vitória de Lula da Silva. "Estou muito preocupado e só fico tranquilo a 2 de janeiro." Explica-se: "Fiquei bastante contente com o resultado e com o reconhecimento internacional - Europa, EUA, América Latina -, também dos presidentes das principais instituições brasileiras - Câmara, Judiciário e Senado -, só Bolsonaro se calou. Tenho a certeza de que alguma coisa irá fazer, tal como aconteceu com Donald Trump. Não é alguém de confiança e que respeite as instituições democratas. Tem uma base de simpatizantes sempre disponível para seguir as suas orientações, por mais estranhas que sejam."
Osvaldo Lebck, 25 anos, está em Portugal há dois anos. É cozinheiro e estuda Marketing e Publicidade no IADE. A atual presidência do Brasil também contribuiu para imigrar, além do facto de a mãe viver no país e a empresa onde trabalhava ter fechado com a pandemia.
Lula não seria a sua opção, antes Ciro Gomes, "mais sensato" e com "um projeto de políticas públicas" que fazem sentido para Osvaldo. Mas não "havia a melhor chance de ganhar, Lula era única opção de combate a Bolsonaro". Acredita que ele "e boa parte dos seus eleitores tentem algo para recorrer dos resultados". Mas acha que será nas primeiras semanas, depois as águas irão acalmar.
Inscreveram-se 80 mil pessoas em Portugal para votar na eleição do presidente do Brasil, duplicando o número de 2018. Lula teve a maior votação no Porto (64,8 %), seguindo-se Lisboa (64,5%) e, por último, Faro, 52%. Estas são a cidades que têm consulado brasileiro.
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