Will Roseman adora Portugal há décadas, é visitante frequente e vai estar em Angra do Heroísmo para a GlexSummit. É a minha oportunidade para finalmente contar a história de amor do diretor-executivo do Explorers Club com o nosso país, uma paixão explicada por um piloto da TAP um dia o ter ajudado a sair do Zaire, a atual República Democrática do Congo, depois de um rapto que quase lhe custou a vida. "Ainda hoje não sei o nome do meu salvador, mas nunca esquecerei o que fez por mim no Aeroporto de Kinshasa", disse-me o americano Roseman, em Ponta Delgada, há quase um ano, quando foi à capital açoriana a acolher a GlexSummit, um evento anual que junta astronautas, alpinistas, mergulhadores, vulcanologistas, biólogos e muito mais gente interessante e que é organizado pelo Explorers Club e pela Expanding World do português Manuel Vaz. Foi este quem um dia, em Nova Iorque, me apresentou a Roseman, antigo mayor de uma pequena cidade americana, Carlstadt (em New Jersey), cujo ar de english gentleman não deixa adivinhar a vida aventurosa que teve..Comecemos pelo princípio, há um ano. Estamos em junho de 2022 e depois de entrevistar Laurence Bergreen, biógrafo americano de Fernão de Magalhães, o navegador que meio milénio depois inspirou a criação da GlexSummit em 2019, vou com Manuel Vaz à sede do Explorers Club. É um edifício em Manhattan do início do século XX mas cheio de história, pois tem janelas que chegaram a estar no Palácio de Windsor, partes de um antigo mosteiro francês e um teto que pertenceu a um Palácio dos Médicis, em Florença. O clube tem uma coleção de objetos míticos que vai dos esquis de Robert Peary, primeiro a chegar ao Polo Norte, a uma bandeira que foi à Lua em 1969 e está assinada por Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins. Somos recebidos por Roseman e por Richard Garriott, o presidente do Explorers Club, que já conhecia por tê-lo entrevistado no ano anterior, um criador de jogos de computador, filho de um astronauta da NASA que, como astronauta privado, passou em 2008 cerca de 12 dias na Estação Espacial Internacional e, depois disso, já esteve no fundo da Fossa das Marianas e foi a ambos os polos..Está combinada uma visita guiada à sede do Explorers Club, mas primeiro tenho conversa marcada com Sian Proctor, astronauta comercial. Tal como a entrevista a Garriot, esta a Proctor, primeira mulher negra a pilotar uma nave espacial, pode ser ainda lida se fizer uma busca no site do DN. Mas é no sítio onde nos encontramos para gravar, o gabinete de Roseman, que surgem as primeiras pistas da história que depois vou conhecer: há quadros nas paredes com pequenos pedaços de tela, que fico a saber são pedacinhos das asas dos aviões dos pioneiros da aviação, a começar pelo dos irmãos Wright. Sim, o gentil Roseman, um americano de extrema simpatia, colecionador de arte, foi aviador, e nas difíceis condições de África, há umas décadas..Fiquemos por aqui nesta parte da história e falemos antes do convite de Roseman para visitar a sua casa ali perto, um apartamento com vista para Central Park. Partilhando comigo o interesse por história, quis mostrar-me a sua coleção de castiçais portugueses medievais, um tipo de arte muito especial. E eram mesmo muitos.."É mais arte decorativa, artes que eram usadas durante o período em que as pessoas tinham as mãos na arte, objetos do quotidiano, itens que eram usados não só pelos mais ricos da época, mas também pelos indivíduos comuns no seu dia a dia. Coleciono muitos objetos de metal, sobretudo objetos de metal medievais, de 1350 a 1500. Mas não se trata de metal precioso. Isto é, não há muito metal precioso a ser usado nesse período, a maior parte dos metais desse período são castiçais. Aliás, uma das viagens a Portugal foi para buscar um castiçal português muito raro, que é provavelmente de 1580. É feito de cobre.".Esta descrição da sua especialização como colecionador foi feita no reencontro em Ponta Delgada, quando lhe pedi para me explicar o que tinha visto na sua casa nova-iorquina, tudo a pensar neste artigo que agora escrevo.."Tenho sobretudo peças portuguesas e espanholas, mas também dos flamengos porque, nesse período, Isabel de Portugal, que era casada com Filipe, o Bom, da Borgonha, teve uma influência significativa no que estava a acontecer durante na Flandres. De facto, é interessante, porque até os Açores, onde estamos, têm uma ligação flamenga em muitos aspetos", acrescenta Roseman, que me conta ser cavaleiro português por iniciativa de D. Duarte de Bragança, o pretendente ao trono. O tal amor de Roseman a Portugal que despontou um dia em África tem hoje, pois, múltiplas facetas. "Uso muito orgulhosamente o meu título de cavaleiro português. Os portugueses são pessoas extraordinárias e têm-no sido durante séculos, começa ainda antes de Henrique, o Navegador, ou de Magalhães, mas penso que o mundo não aprecia o suficiente a influência que os portugueses tiveram, até mesmo em coisas que estão a acontecer hoje. E isso, claro, interessa-me muito. Acho que, dessa forma, também me interesso pela arte, porque é a única forma tangível de regressar a esse período e experienciar o que os portugueses tinham na altura, o que existia antes e o que ainda existe atualmente", diz o diretor executivo do Explorers Club..Pergunto se quando conheceu D. Duarte este já sabia do seu interesse por Portugal: "Sim, sabia. Mas acho que não precisa de mim para lhe dizer que Portugal é um país fabuloso"..Sobre o episódio com a TAP em Kinshasa, que ouvi pela primeira na sua casa em Manhattan, depois de me ter apresentado a mulher (que não se surpreendeu nada por de repente um português aparecer lá em casa e com a mesma amabilidade do marido até deixou o convite para lá ficar numa futura visita a Nova Iorque), recordo como depois, nos Açores, explicou com mais pormenores. Foi há muito tempo esse momento complicado, mais de 40 anos, mas sente-se emoção na forma como descreve. Ainda bem que gravei então e guardei a gravação: "Tinha vendido recentemente um negócio e queria aproveitar para conhecer melhor a cultura do que era então o Zaire. E provavelmente não era a melhor altura, porque havia conflitos e acabei por ser raptado. Foi no início dos Anos 80, quando Mobutu Sese Seko estava lá. Passei por um período muito difícil, perdi 17 quilos, mas escapei felizmente. Quero dizer, é menos dramático do que parece, mas cheguei mesmo a pensar que não sairia do Zaire com vida, se não fosse um piloto da TAP. Quando estava em Kinshasa fui roubado, tinha perdido praticamente tudo e foi um piloto da TAP que acabou por me salvar. Meteu-me no avião para um lugar seguro, sem dinheiro, sem bilhete, sem documentos ou qualquer coisa do género, e levou-me para Lisboa, onde me alojou num hotel até que eu pudesse ter dinheiro para voltar para os Estados Unidos. Não sei o nome do meu salvador. Sabe, na altura, estava doente, foi uma altura muito difícil. Gostava de saber quem foi, porque não queria nada mais do que agradecer-lhe. Acho que não estaria vivo hoje se não fosse por ele"..Roseman faz uma pausa, ele que fala rápido, sempre cheio de entusiasmo, como quando me mostrou na sua casa uma peça de madeira com seis séculos, ligada a Isabel de Borgonha, filha de D. João I e de Filipa de Lencastre, a única mulher naquele grupo de irmãos a quem Camões chamou de "Ínclita geração", tão cultos eram. Retoma a história: "Foi completamente altruísta a atitude dele para comigo. Não havia nenhuma razão para ele me ajudar. E é por isso que gosto sempre de voar na TAP quando posso. De facto, não havia razão nenhuma para ele me ajudar, mas ele viu que eu estava a tentar sair de Kinshasa, que eu estava a correr para o avião português... eu estava num avião da Air Zaire, assustado. Não permitiam que as pessoas saíssem. Então, quando vi o avião da TAP só pensei: "Tenho de sair daqui". Mas tinha os soldados zairenses a puxar-me para não me deixar sair não sei porquê. Foi nesse momento que o piloto da TAP deve ter visto aquela cena e saiu do avião, passou por mim e discutiu com os soldados para que me deixassem em paz. E enquanto estava a discutir com eles, disse-me em inglês: "Entra no avião, não olhes para trás". Depois veio atrás de mim e entrou também. Ele sentou-me na 1.ª classe, acho que foi porque eu cheirava muito mal, não tomava banho há muito tempo, e deram-me de comer. Tinha perdido 17 quilos, estava muito frágil, foram os portugueses que me salvaram a vida"..Nova pausa. Pergunto a Roseman o que sente quando volta a voar na companhia portuguesa. "É engraçado, porque ainda há pouco tempo vi um avião da TAP e sempre que vejo um faço o sinal da cruz, porque nunca os vou esquecer. O povo português foi tão maravilhoso, foi mesmo, e só fiquei na altura em Lisboa três dias até poder voltar para os Estados Unidos. Para mim era a cidade mais fascinante em vários aspetos e quando vi o quão antiga era, mais apaixonado fiquei por Portugal. Até hoje e não é só por Lisboa. Adoro os Açores também", conta..Espero reencontrar hoje na ilha Terceira Roseman. Manuel Vaz confirmou-me que o diretor-executivo do Explorers Club não iria perder esta oportunidade, tal como Garriot, tão entusiasta dos Açores que já trouxe os filhos a conhecer as ilhas. No ano passado, o presidente do Explorers Club aproveitou o último dia da Cimeira dos Exploradores em Ponta Delgada para anunciar que Portugal iria ter o primeiro astronauta, mas sem revelar quem iria viajar na New Shepard da Blue Origin, a empresa de Jeff Bezos. Soube-se depois que seria Mário Ferreira, fundador da Douro Azul e hoje o maior acionista da TVI. A viagem aconteceu a 4 de agosto de 2022 e pela primeira vez um português foi acima dos 100 km, que é a fasquia que faz a diferença, por significar o limite entre a atmosfera e espaço. Nestes três dias em Angra dos Heroísmo, o empresário-astronauta será um dos oradores, a par de nomes como Nina Lanza, cientista envolvida na pesquisa em Marte, Matt Greenhouse, que trabalha no projeto do Telescópio James Webb, Alejandro Arteaga, biólogo que descobriu 29 espécies, ou Nuno Sá, cineasta e fotógrafo subaquático..Volto a Will Roseman, para contar um pormenor da sua casa em Manhattan. É que além da coleção de castiçais portugueses, há também peças que têm muito que ver com a História dos Estados Unidos. Umas foram herdadas, outras compradas. Com uma naturalidade total, explicou-me na altura, perante a minha curiosidade por um certo recanto, ser "uma mesa onde George Washington jogava às cartas e esta é uma cadeira que pertenceu a Thomas Jefferson.".Texto publicado originalmente no dia 13 de junho de 2023