De 2019 a 2023, saíram do Serviço Nacional de Saúde (SNS) 5043 médicos. A este número, que tinha sido disponibilizado ao DN pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) há um ano, há agora que acrescentar as saídas de 2024: 1463 médicos, dos quais 833 rescindiram contrato e 630 aposentaram-se. Ao todo, em seis anos, saíram 6506 médicos do sistema público. Para o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, “o número é preocupante”. “É mesmo importante que se reflita sobre a situação. Se tivéssemos criado condições para que estes médicos não saíssem, provavelmente teríamos uma boa parte dos problemas do SNS resolvidos”, acrescenta.Contudo, há que dizer que o número de saídas registadas em 2024 é menor do que o do ano anterior, menos 245 saídas, já que, em 2023, saíram 1708 médicos (891 rescindiram e 817 reformaram-se). Mesmo assim, destaca Xavier Barreto, “não podemos valorizar esta descida, porque os números de abandono do SNS continuam a ser elevados”. E este ano a tendência mantém-se. Até ao final de fevereiro, os números da ACSS disponibilizados ao DN indicam que já saíram 265 médicos - também menos do que em igual período de 2024, quando saíram 278 (160 por rescisão e 118 por reforma), e do que em 2023, quando saíram 378 (230 por rescisão e 138 por aposentação). Como especifica a ACSS, na resposta ao DN, alguns dos médicos que saem voltam ao SNS com outro tipo de contratos. Por exemplo, do total de médicos que saíram em 2023 (1708), 449 voltaram - destes, 132 são aposentados e 317 tinham rescindindo o contrato. O mesmo está a acontecer com alguns dos que saíram em 2024. Dos 1463, 314 já voltaram - 84 tinham-se aposentado e 230 rescindiram contrato..Saída de médicos do SNS: necessidades psicológicas à frente da remuneração. Mas, independentemente dos regressos, o presidente da APAH lembra que “o número de saídas é sempre mais elevado do que das entradas”, sendo “urgente dar-se uma resposta em termos de condições de trabalho que satisfaça todos os médicos”. Xavier Barreto defende mesmo: “A manter-se este ritmo por mais um, dois ou três anos será insustentável para o SNS”. Vivemos num contexto em que “as necessidades também aumentam, devido a uma população cada vez mais envelhecida, com mais doenças e a necessitar cada vez mais de cuidados, e também devido ao aumento da população migrante (1,6 milhões de pessoas, segundo dados recentes).O gestor reforça que, assim, “o SNS não aguentará muito mais tempo e deixará de poder cumprir o seu papel, porque vamos estar a prestar um mau serviço às pessoas. Aliás, já estamos, porque já não estamos a dar respostas dentro dos tempos clinicamente adequados”. E é neste sentido que diz ser “urgente conseguir-se criar condições para reter estes profissionais no SNS”. O que, acredita, “é possível”.Xavier Barreto volta a lembrar que há interesses diferentes na classe médica, entre novas e velhas gerações, e que qualquer resposta deve envolver os interesses de todos, sublinhando: “Não existem balas de prata para uma qualquer solução. Temos é de trabalhar em várias dimensões”.Em primeiro lugar, uns e outros querem “melhor condições de trabalho e melhores salários”, destaca. Depois, “os mais novos querem mais flexibilidade, quer seja nos horários, nas férias, etc. Isto é absolutamente claro, e muito importante para eles. Querem o melhor equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional, e isto tem de ser pensado no SNS”. Já os mais velhos “não querem estar tão sobrecarregados de trabalho, querem ter melhores equipamentos, instalações e ambientes de trabalho. Querem projetos, desafios”..Reformas/Saúde: Manuel Pizarro recusa alarmismos sobre eventual saída de 500 médicos. Xavier Barreto alerta mesmo para o facto de esta vertente ser das que ainda conseguem agarrar muitos profissionais. “Temos muitos médicos no SNS que têm piores salários do que teriam no setor privado e que se mantêm, porque também sentem que têm diferenciação, boas equipas e estão a fazer um bom trabalho”. Outros, só tomam a decisão de sair quando “se sentem desconfortáveis, quer seja porque não conseguem dar os melhores cuidados aos doentes, quer seja porque não se sentem valorizados e, nalguns casos, até se sentem maltratados pelas chefias”.Para o presidente da APAH, a tutela que vier a seguir tem mesmo de olhar para as “soluções”, que “podem passar por melhores condições de trabalho, na lógica da flexibilidade e de incentivos associados ao desempenho, premiando os melhores, coisa que não se faz no SNS - pagamos o mesmo salário a todos, independentemente do desempenho”. O gestor sustenta ainda ser preciso “mudar o paradigma da gestão de pessoas no SNS, para se conseguir reter os melhores”. Resumindo: “Melhores condições de trabalho, melhores salários, mas também melhores equipamentos e investimento em infraestruturas. Tudo isto é importante”. Sobre o que pode ser feito nesta altura para atenuar o trabalho dos que ficam sobrecarregados no SNS, Xavier Barreto volta a reiterar o que a APAH tem vindo a defender: “Deve-se transformar a prestação de cuidados de saúde. Por exemplo, colocar outros profissionais a fazer algumas tarefas para libertar os médicos para as mais diferenciadas. O ato médico nunca poderá ser feito por outro profissional, mas há outros cuidados, como o acompanhamento de alguns doentes, que podem ser assumidos pela classe de enfermagem. Ninguém quer substituir ninguém, mas estas experiências de transformação nos cuidados já foi feita noutros países e tem resultado em melhores condições de trabalho para os médicos”.O que não se pode, sublinha, “é continuar a aguentar todos os anos mais de 800 ou mil saídas de médicos do SNS”.