Província de Nova Iorque, 1705. Um povoador holandês de cujo nome se perdeu memória lança-se na tarefa de drenar um pântano nas margens do rio Hudson. Nos anos seguintes, um achado nas lamas do grande rio, mudaria de mãos, para viajar entre dois continentes. Teologia e Ciência digladiaram-se em torno do dente ancestral encontrado pelo anónimo holandês. O fóssil cairia mais tarde nas mãos do deputado Peter Van Brugh, em troca de uns litros de rum. Em Albany, o dente pré-histórico coube em sorte a Edward Hyde, governador de Nova Iorque. Hyde, olhou para o dente fossilizado que adquirira e anteviu-lhe um passado bíblico. Ali estava a prova de um pretérito povoado por gigantes humanos. Um testemunho milenar que o governador endereçou à prestigiada Royal Society de Londres..Este episódio situado no início do século XVIII é recordado pela francesa Claudine Cohen, no livro de 2002, The Fate of Mammoth (O Destino do Mamute). A paleontóloga e docente na parisiense Écoles des Hautes Études en Sciences Sociales, argumenta que a história da interação humana com ossos fossilizados da megafauna pré-histórica foi influenciada na crença da existência de gigantes. As religiões, a cultura popular, a ficção, as lendas e mitos em todas as latitudes contam-nos histórias de humanos gigantes. Recorda-nos Cohen que o naturalista romano Plínio, o Velho descreveu o esqueleto de um gigante encontrado em Creta após um sismo. O escritor francês François Rabelais, criou uma “gigantologia totalmente fabricada” em A vida de Gargântua e de Pantagruel, textos do século XVI, em tom satírico, provocadores, não destituídos de crueldade e violência. O dente descoberto em 1705 fundaria todo um mito em torno do Gigante de Claverack e desencadeou a investigação gigantológica, encabeçada por dois intelectuais americanos. Cotton Mather, ministro protestante olhava para o dente fossilizado vendo-o como a prova de que a natureza comprovava os relatos do Antigo Testamento. Já Edward Taylor, poeta e clérigo, procurava naquele indício pré-histórico, a causa da extinção de grandes animais por força do Dilúvio bíblico. .Na época em que o dente do Gigante de Clareack (proveniente de um mamute-lanoso, com 10.000 anos) agitava as mentes norte-americanas, a Europa também cogitava em torno dos grandes ossos fossilizados. No velho continente multiplicavam-se as narrativas em torno dos gigantes humanos do passado. Um destes gigantes, sabe-se hoje, vivera há 166 milhões de anos, no Jurássico Médio, media cerca de seis metros de comprimento, pesava em torno dos 700 Kg, apresentava locomoção bípede, membros anteriores curtos, uma enorme cabeça e dentes longos e curvos. No século XVII, o Megalossauro, o “grande lagarto” que habitou o território da atual Inglaterra (nas proximidades de Oxford), espicaçou os sonhos de um professor de química nascido em 1640. Ao estúdio de Robert Plot chegou a parte inferior de um fémur fossilizado descoberta numa pedreira de calcário. O naturalista e antiquário pareceu-lhe ver no osso uma secção da coxa de um elefante de guerra romano. Em breve, o cientista concluiu numa outra direção. O que tinha em mãos era uma ossada proveniente de um gigante bíblico. Uma descoberta que Robert Plot levou para o seu livro de 1677, The Natural History of Oxford-shire, assim descrita: “Felizmente chegou a Oxford (...) um elefante vivo para ser exibido publicamente, cujos ossos (...) comparei com os nossos [ossos fossilizados]; e descobri que os do elefante não apenas tinham uma forma diferente, mas também eram incomparavelmente diferentes dos nossos, embora a besta fosse muito jovem e não estivesse nem na metade do crescimento. Se não são ossos de cavalos, bois ou elefantes, como estou fortemente persuadido... resta que (apesar da sua magnitude extravagante) devem ter sido ossos de homens ou mulheres”. .Ilustração de Plot da extremidade inferior do fêmur “Scrotum humanum” e capa da revista Natural History of Oxfordshire..Sem o saber, na sua obra de 1677, Plot publicava a primeira ilustração de um osso de dinossauro. Dada a sua forma, semelhante aos testículos humanos, o osso de Plot abriria uma nova saga no mundo da paleontologia. Em 1763, o médico inglês Richard Brookes recuperava a gravura de Plot para a legendar como “Scrotum Humanum”. Uma designação que atravessaria dois séculos para, em 1970 se ver corroborada pelo paleontólogo Lambert Halstead. Em 1993, após a morte de Halstead, uma petição junto da Comissão Internacional de Nomenclatura Zoológica propôs suprimir formalmente a designação “Scrotum Humanum”. .Quanto ao gigante bíblico de Plot, o século XIX iria reposicioná-lo. Da teologia para a ciência, as ossadas do sáurio gigante seriam reconstituídas em 1824 pelo biólogo e paleontólogo britânico Richard Owen. Owen a par do escultor Benjamin Waterhouse Hawkins, aproximariam o gigantismo da fauna pré-histórica do grande público. Em 1851 apresentaram no londrino Crystal Palace uma mostra com 15 esculturas em tamanho real da fauna ancestral. O Megalossauro preponderava, embora numa posição quadrúpede. Owen faleceu em 1892. Plot falecera em 1696. Nos anos anteriores trabalhara num solvente universal obtido a partir de vinho, procurou canais subterrâneos originários do mar e descreveu um pôr do sol duplo.