Nobel da Física de olhos postos na aprendizagem das máquinas
O desenvolvimento da aprendizagem das máquinas explodiu nos últimos 15 a 20 anos e recorre a uma estrutura denominada rede neural artificial. No presente, quando falamos sobre inteligência artificial (IA), é frequentemente a este tipo de tecnologia que nos referimos.
“Embora os computadores não possam pensar, as máquinas agora podem imitar funções como a memória e a aprendizagem. Os laureados deste ano em Física ajudaram a tornar isso possível. Usando conceitos e métodos fundamentais da física no desenvolvimento de processos de aprendizagem da máquina (machine-learning), um método de análise de dados com características de IA”, sublinhou a Academia Sueca das Ciências no anúncio do Prémio Nobel da Física 2024. John J. Hopfield, físico e biólogo nascido nos Estados Unidos, em 1933, e Geoffrey E. Hinton, psicólogo cognitivo, nascido no Reino Unido, em 1947, receberam a distinção “pelas descobertas e invenções fundamentais que permitem às máquinas aprenderem com base em redes neurais artificiais”.
Em concreto, John Hopfield “inventou uma rede que utiliza um método para armazenar e recriar padrões”, explica a Academia Sueca das Ciências, e acrescenta: “Esta rede, conhecida como rede de Hopfield, trabalha passo a passo para encontrar a imagem armazenada que mais se assemelha à imagem imperfeita com que foi alimentada”. Já Geoffrey E. Hinton baseou-se nos estudos de Hopfield para criar, em 1985, a Máquina de Boltzmann, “um método que pode descobrir independentemente as propriedades dos dados e que se tornou importante para as grandes redes neuronais artificiais utilizadas atualmente”.
“Quando falamos sobre IA, geralmente referimo-nos à aprendizagem de máquina que recorre a redes neurais artificiais. Essa tecnologia foi originalmente inspirada na estrutura do cérebro. Numa rede neural artificial, os neurónios são representados por nós que têm valores diferentes. Esses nós influenciam-se mutuamente através de conexões que podem ser comparadas a sinapses e que podem ser fortalecidas ou enfraquecidas. Uma rede que é treinada, por exemplo, para desenvolver ligações mais fortes entre nós com valores simultaneamente altos”, detalha a Academia.
“As redes neurais artificiais de hoje são frequentemente enormes e construídas a partir de muitas camadas. São chamadas de redes neurais profundas e a maneira como são treinadas é chamada de aprendizagem profunda (deep learning)”, acrescenta o comunicado da Academia Sueca das Ciências.
Um olhar a um artigo de 1982 de Hopfield sobre memória associativa, fornece alguma perspetiva sobre esse desenvolvimento. Nele, o cientista usou uma rede com 30 nós. Se todos os nós estiverem ligados entre si, há 435 conexões. Os grandes modelos de linguagem de hoje são construídos como redes que podem conter mais de um milhão de milhões de parâmetros.
Mário Figueiredo, professor do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa e investigador do Instituto de Telecomunicações, ajuda-nos a compreender a origem e o alcance do trabalho da dupla de investigadores: “O Nobel da Física em 2024, não é endereçado à Física, antes para aplicações noutras áreas, mais especificamente em machine--learning e aprendizagem automática. Os dois investigadores recorreram a ideias e ferramentas matemáticas utilizadas em Física Estatística para estudar e propor estruturas e métodos de aprendizagem automática. Toda a Física Estatística prende-se com a formulação matemática e o estudo de sistemas complexos que envolvem interações sobre muitas partículas.”
Ainda de acordo com o investigador, “este trabalho é precursor de inúmeros outros mais recentes, nomeadamente em redes neuronais. Os dois nobelizados trabalham neste campo desde a década de 1980. A rede de Hopfield [rede neural artificial] foi proposta em 1982. No caso do trabalho de Hinton, o que de mais notório apresentou nesta área é a Máquina de Boltzmann, aliás referida no anúncio do Prémio Nobel. Hinton inspirou-se em algo clássico da Física Estatística, a distribuição de Boltzmann. No fundo, ambos usaram o conhecimento nessas ferramentas matemáticas para estudar sistemas complexos em Física, para resolver problemas de reconhecimento de padrões”.
A Física está a beneficiar de redes neurais artificiais. Tal inclui o uso da aprendizagem de máquina para selecionar e processar a vasta quantidade de dados necessárias para descobrir a partícula de Higgs. Outras aplicações incluem a procura de exoplanetas.
John J. Hopfield é atualmente professor na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Geoffrey E. Hinton é professor na Universidade de Toronto, no Canadá. De 2013 a 2023, trabalhou para o Google Brain. No ano transato anunciou a saída da Google, alegando preocupações sobre os riscos da tecnologia da IA.
O Nobel da Física é atribuído pela Academia Real das Ciências da Suécia desde o ano de 1901, então entregue ao engenheiro mecânico alemão Wilhelm Conrad Röntgen.
Em 2023, o Nobel da Física foi atribuído a três físicos europeus - Pierre Agostini, Ferenc Krausz e Anne L’Huillier -, a trabalhar nos EUA, Suécia e Alemanha. A distinção reconheceu os contributos dos investigadores para a exploração de eletrões dentro de átomos e moléculas.