Riscada no mapa uma linha reta entre um ponto nas areias do Deserto do Mojave e as praias da californiana Santa Mónica, nas margens do Oceano Pacífico, encontramos-lhe uma distância de 100 Km. Em concreto, a referida linha tem como posição de partida Rogers Dry Lake, um antigo leito de um lago, datado de há 2,5 milhões de anos. Nos anos de 1940, quando aquela superfície dura e árida ainda chamava pelo nome de Muroc Dry Lake, ali estacionou a réplica de um cruzador japonês. Duzentos metros de ferro em forma de navio, a que se chamou Muroc Maru, serviram ao treino de pilotos de bombardeiros no decorrer da Segunda Guerra Mundial. A superfície empedernida de Rogers Dry Lake também se prestou, a partir da década de 1930, como base aérea do exército americano..O local que seis décadas mais tarde acolheria as aterragens dos vaivéns espaciais, entregou a 14 de outubro de 1947 um recorde à humanidade. Naquela data, o piloto de testes Charles Yeager sagrou-se o primeiro humano a quebrar a barreira do som. Selecionado entre 125 pilotos de testes, Yeager, ofereceu à ciência aeroespacial a sua perícia. Hoje em mostra no National Air and Space Museum, em Washington D.C., o avião supersónico experimental X-1 foi construído na década de 1940 para serviço da Força Aérea dos Estados Unidos. Em 1947, a 13 Km de altitude sobre o Deserto do Mojave, a aeronave lançada a partir de um bombardeiro B-29, acelerou até aos 1.100 Km/h (Mach 1,06) num voo histórico, embora mantido em segredo pelo exército americano. Em dezembro desse mesmo ano, caía o manto de secretismo sobre o feito, com manchetes nas páginas da revista Aviation Week e no jornal Los Angeles Times. O mundo recebia a notícia da proeza de Charles Yeager, ao aterrar em segurança o seu voo supersónico na Base Aérea de Edwards. .Na década de 1940, Muroc não se prestou apenas a recordes de velocidade nos céus. Em terra, sobre carris, acelerava e desacelerava o “trenó foguete”. No leito endurecido do antigo lago, traçou-se um trilho análogo a uma linha férrea com perto de 600 metros de comprimento, a culminar num sistema de travagem de 14 metros de extensão, o mais poderoso até então construído. No ano em que Charles Yeager evoluía no ar para romper a barreira do som, um seu conterrâneo ganhava no solo o estatuto de “homem mais rápido da Terra”. Em 1910, ano em que nasceu em Salvador, no estado brasileiro da Bahia, John Paul Stapp não imaginaria que, volvidas três décadas, evoluiria como uma bala no deserto norte-americano. O piloto de testes respondia ao pedido da Força Aérea dos Estados Unidos empenhada em avaliar a resistência humana a grandes acelerações e o desenvolvimento de sistemas de segurança aplicados a colisões..Na segunda metade dos anos de 1940, Stapp empreendeu 29 corridas sobre o “trenó foguete” e submeteu-se à maior aceleração conhecida experimentada voluntariamente por um ser humano, com 46,2 vezes a força da gravidade. Stapp também bateu um recorde de velocidade em terra, com 1017 Km/h em Hollomon, desta feita no estado americano do Novo México. Entretanto, um malogro entre as experiências de aceleração e desaceleração de John Paul Stapp contribuiu para difundir, como veremos, uma lei social desenvolvida pelo engenheiro aeroespacial Edward Murphy Jr. .Em 1922, aos 12 anos, John Paul Stapp deixou os horizontes baianos para prosseguir estudos no estado do Texas. Ali, formou-se em Zoologia, mais tarde em Química e obteve o seu doutoramento em Biofísica. Então como médico, Stapp respondeu, ainda em 1944, com um “sim” ao convite para integrar a Força Aérea dos EUA. Dois anos volvidos, o bioquímico foi transferido para o Aero Medical Laboratory como diretor de projeto. Naquele contexto, em 1947, John ingressou no programa de treino de desaceleração. Seguiram-se anos de testes em condições extremas. Stapp sentiu no corpo o poder da força g a que se submetia. O piloto acumulou lesões nos membros, partiu várias costelas, sofreu deslocamentos de retina..John conviveu com outros desaires. Em 1949, após bater o recorde de aceleração em terra, constatou-se que a velocidade não fora registada a bordo do “trenó-foguete”. Os acelerómetros não funcionaram. Chamado o engenheiro Edward Murphy Jr., este conclui dever-se o erro à intervenção de um técnico. No relatório da lavra de Murphy lia-se: “se há várias formas de realizar um trabalho e uma dessas formas redundar em desastre, então alguém fará o trabalho desse modo”. Semanas depois, Stapp resumiria esta expressão no decorrer de uma entrevista: “O que possa correr mal vai mesmo correr mal”. A Lei de Murphy, como ficou conhecida, ganhou popularidade na voz de John Paul Stapp..O legado do cientista e piloto de testes transcendeu a dimensão militar. Stapp alargou o seu trabalho à segurança dos automóveis, nomeadamente aos cintos-de-segurança. O homem que suportou inimagináveis força g concluiu que um humano adequadamente seguro ao banco do seu carro, poderia sobreviver a impactos violentos. Uma causa que teve como militante o “homem mais rápido da Terra”.