Navios de ataque como o USS Hampton podem recolher informações sobre navios de guerra inimigos ou escutar governos hostis. -- Foto: Kenny Holston/The New York Times
Navios de ataque como o USS Hampton podem recolher informações sobre navios de guerra inimigos ou escutar governos hostis. -- Foto: Kenny Holston/The New York Times

Navegar no Ártico dentro de um submarino da Marinha dos Estados Unidos

Os submarinos norte-americanos realizam missões confidenciais em todo o mundo todos os dias, aperfeiçoando as suas capacidade de combate. Mas operar um destes gigantes no Ártico é especialmente desafiante.
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Os marinheiros da Armada dos Estados Unidos da América a bordo de submarinos com propulsão nuclear treinam há muito tempo no Ártico, aprendendo a ‘caçar’ os seus homólogos russos em caso de guerra. As forças submarinas dos EUA estão a aperfeiçoar as suas capacidades de combate nos confins do mundo, à medida que a Rússia expande as operações militares naquele local.

Um dia, em março, a vela de metal preto de um submarino de ataque de 360 pés, armado com mísseis de cruzeiro Tomahawk e torpedos, perfurou o denso gelo do Mar de Beaufort durante a Operação Ice Camp. Para muitos dos 152 marinheiros a bordo do USS Hampton, esta é a primeira patrulha.

No centro nevrálgico do submarino, onde os marinheiros controlam a navegação e vigiam o sonar, o rádio e as consolas de armas, o suboficial Jacob Green orienta os oficiais subalternos e os membros da tripulação no desempenho das suas funções. Todos lhe chamam Cob – chief of the boat (chefe do barco).

Operar um submarino no Ártico é especialmente desafiante. Primeiro, a navegação. Em algumas áreas, as águas rasas forçam a tripulação a percorrer um caminho estreito entre ameaças gémeas: o gelo em cima e o fundo do oceano em baixo. As quilhas de gelo, enormes pedaços de gelo marinho virados e a apontar para baixo, também são um perigo aqui. Foi o caso quando o Comandante Mike Brown e a sua tripulação a bordo do Hampton percorreram o Estreito de Bering.

“Operamos o navio a 6 metros do fundo, com 12 a 18 metros de gelo acima de nós, e conseguimos evitar as quilhas de gelo”, disse Brown.

Em segundo lugar, a condensação proveniente das águas geladas do oceano contra o casco do navio cria o risco de pequenos incêndios elétricos no submarino.

Como a perda de propulsão pode significar ficar preso sob o gelo, manter a pequena central nuclear do submarino em pleno funcionamento torna-se uma questão de vida ou morte.

Como em qualquer submarino, o espaço é escasso

As camas muitas vezes têm de ser partilhadas, pois os marinheiros trabalham em turnos (a essa rotação nos beliches chamam “cama quente”). Os cozinheiros fazem frequentemente pão fresco para não terem de armazenar outros pré-preparados (o oficial de abastecimento é chamado “Chop”, como a costeleta de porco em inglês). Os menus devem ser meticulosamente planeados durante a missão subaquática. 

Os pequenos refeitórios para oficiais e marinheiros estão entre os poucos lugares onde a tripulação pode relaxar e estudar a minúcia das operações submarinas durante horas a fio.

Os membros da tripulação jogam cribbage, um jogo de cartas estratégico, para assim, dizem eles, não sentirem a passagem do tempo. No entanto, o tempo passa e todos os marinheiros perderão datas importantes na vida dos seus familiares e amigos. Quando finalmente regressarem a casa, não conseguirão falar em pormenor sobre as suas tarefas no mar porque a maior parte do que fazem é confidencial.

Alguns marinheiros passam o tempo livre nos telemóveis, lendo mensagens antigas ou assistindo a programas de televisão e filmes descarregados antes da missão. “O 31.º dia é, às vezes, o dia com o moral mais baixo durante a viagem”, disse a capitã Mickaila Johnston, oficial médica submarina. É quando “os downloads das aplicações expiram: Spotify, Netflix, etc.”

No submarino, jogar às cartas é uma da principais formas de passar o tempo. -- Foto: Kenny Holston/The New York Times

Estar “em viagem” num submarino, dizem os marinheiros, é como trabalhar num pequeno escritório sem janelas, sem forma de sair, sem Wi-Fi e sem rede de telemóvel. As decisões militares cruciais são tomadas inteiramente no navio, sem comunicação externa.

A configuração do navio lembra um labirinto alongado com passagens extremamente escuras, não mais largas que o corredor de um autocarro escolar. Os marinheiros têm de ficar de lado ao passarem uns pelos outros. As passagens entre dois decks principais são tão estreitas que apenas podem ser usadas por uma pessoa de cada vez. Nada nem ninguém está longe, nunca.

Brown lidera uma equipa exclusivamente masculina. A proibição de mulheres servirem na força submarina terminou apenas em 2010, e muitas oficiais do sexo feminino estão a subir na hierarquia a bordo de submarinos como o dele. Nenhuma tem ainda a experiência suficiente para comandar um submarino.

Neste dia em particular, o Hampton emergiu das profundezas para o Ice Camp numa missão de três semanas que testa a capacidade da tripulação para lutar num dos locais mais implacáveis da Terra.

A vários quilómetros de distância, outros militares e investigadores construíram o Camp Whale, um conjunto de tendas preparadas para o inverno e um pequeno centro de comando num grande bloco de gelo que se move cerca de 800 metros por hora no oceano congelado.

Fora do submarino, no Ártico, a temperatura cai muitas vezes para os 40 graus abaixo de zero. -- Foto: Kenny Holston/The New York Times

A vida lá é difícil, sem chuveiros, sem água corrente. O ar exterior cai para 40 graus abaixo de zero. Acima, as luzes do norte às vezes brilham após o pôr do sol.

As equipas viajam de helicóptero entre os submarinos e o acampamento quando o contacto físico com os submarinos é necessário.

“Aqui há um duplo objetivo”, disse Brown. “É geopolítico, mas também é apenas desenvolver a proficiência de poder operar sob o gelo. Tenho uma tripulação cheia de marinheiros que em geral nunca estiveram aqui, nunca estiveram sob o gelo. E assim, um dos meus principais focos é treinar a próxima geração de marinheiros.”

Os submarinos da Marinha dos EUA realizam missões confidenciais em todo o mundo todos os dias. Navios de ataque como o Hampton podem recolher informações sobre navios de guerra inimigos ou escutar governos hostis, enquanto submarinos de mísseis balísticos muito maiores permanecem submersos durante 90 dias de cada vez, transportando ogivas nucleares suficientes para destruir países inteiros.

Em pouco tempo, é hora de romper novamente o implacável gelo do Ártico. À medida que a tripulação conclui a sua missão no Mar de Beaufort, o submarino dirige-se para norte antes de emergir no Polo Norte. Os submarinistas irão então prosseguir, continuando a sua viagem sob o mar gelado, em silêncio.

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