"Não há afronta nenhuma. Isto é uma invenção. E não me pesa minimamente na consciência"
Assegurando não perceber "este espetáculo/circo mediático em relação a uma questão que não tem relevância nenhuma", o presidente da ERC justifica: "Não houve retirada do nome da capa do livro, porque aquilo não é um livro de autoria, é uma coletânea. E está o nome do professor Mário Mesquita na ficha técnica, como coordenador. Coordenação não é autoria."
Negando ter cometido qualquer afronta a Mário Mesquita, o presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), juiz conselheiro Sebastião Póvoas, invoca o texto de homenagem que redigiu aquando da morte do vice-presidente do regulador para provar que nada o movia contra ele.
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Nesse texto, lê-se: "Quando apresentava notas ou pareceres, a sua exposição era de grande rigor de raciocínio, vertido num discurso lógico e sistemático, servido de argumentação de grande poder dialético. Sempre com verbo elegante, claro e transparente. Tal é revelado na sua obra, perfeito modelo de como bem expor. O rigor, a idoneidade, os conhecimentos doutrinários demonstram a qualidade que sempre teve. Perdemos um espírito gentilíssimo e bom, com raro sentido de humor, seguro sintoma de agilidade intelectual. Sabia converter balofas certezas em dúvidas salutares."
Quem "tivesse uma desconsideração tão grande pelo professor Mário Mesquita", comenta o magistrado, "só num grande exercício de hipocrisia é que lhe faria um elogio daqueles. Texto mais elogioso e mais justo não há. E isso não tem nada a ver com um nome numa capa".
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Garante também que o motivo pelo qual mandou, após a morte de Mesquita, retirar o nome dele da capa do livro Desinformação. Contexto Nacional e Europeu se deveu a tratar-se de uma obra coletiva.
DN: Todos os livros da coleção Regulação dos Media, da ERC, têm na capa indicação de quem coordenou ou supervisionou. Este não, porquê?
Sebastião Póvoas: Este tem, não está é na capa. Está na ficha técnica: coordenação do professor Mário Mesquita e do Dr João Pedro Figueiredo. E coordenação não é autoria.
O que estava na capa que mandou alterar era "supervisão de Mário Mesquita".
Supervisão não é coordenação. A supervisão é do membro do Conselho Regulador que tem o pelouro das publicações. Que no caso concreto era o professor Mário Mesquita. Com o falecimento dele passou para mim. Porque isto... Isto são tudo competências delegadas. Porque quem representa a ERC perante os vários órgãos é o presidente. E o presidente delega e distribui - se vir na lei da ERC -, os vários pelouros de acordo com a vocação de cada um. Aquele pelouro era do professor Mário Mesquita e com a sua morte dramática e súbita, regressou à origem, que era eu. E eu não ia pôr o meu nome na capa.
Nem fazia sentido. O miolo definitivo do livro, segundo a editora Almedina, foi entregue em julho, menos de dois meses após a morte de Mário Mesquita.
Não tenho responsabilidade, não foi entregue por mim. Não percebo este espetáculo barra circo mediático à volta de uma questão que não tem relevância nenhuma.
Achou que tinha relevância suficiente para mandar tirar o nome.
O pelouro das publicações da ERC era e continua a ser meu. Eu é que aprovo ou não aprovo as capas e os textos das publicações. Pronto. Estão para aí a construir uma história de afrontas ao professor Mário Mesquita e não há afronta nenhuma. O professor Mário Mesquita nunca foi afrontado na ERC. Antes pelo contrário.
Não declarou, a propósito de um pedido de escusa, "inimizade grave" em relação a Mário Mesquita?
Isso é uma coisa que se passou há muitos anos, a propósito de um processo de recusa posto pela Cofina, e em que eu achei que não devia participar. Porque a lei fala em amizade ou inimizade. E disse que não tinha amizade pelo professor Mário Mesquita. Mas foi uma coisa superada, trabalhámos sempre cordialmente e com toda lisura e correção. Eu tinha uma relação cordialíssima com ele, riamos tanto, conversávamos, e agora inventam esta? Isto é uma invenção. Faz lembrar aquelas invenções do PREC [Período Revolucionário em Curso].
Mas invenção de quem?
Ai, não sei. Alguém que tem interesses... Cheira-me, mas eu não quero fazer processos de intenção, que isto vem de dentro da ERC. Porque repare, o problema é este: é a entidade reguladora que nunca teve conflitos com os regulados. Os conflitos que existem são de intendência interna de funcionários, uns que não querem trabalhar e outros que não querem adaptar-se às regras do Código de Trabalho. Há pessoas ali na ERC, como em toda a função pública, que têm uma certa repugnância, ou aversão, a um trabalho mais exigente. E de modo que arranjam estes fait-divers, entretenimentos. E a senhora jornalista sabe tão bem como eu que beneficiou, entre aspas, de fontes internas da ERC. Há factos nas notícias que publicou que só podem ser... Só pode ter sido municiada por elementos internos da ERC.
Se houve pessoas que falaram comigo sob reserva, sabe que não poderia (nem quereria) dizer quem são ou de onde. Crê-se alvo de uma conspiração?
Não é uma conspiração, não tenho medo de conspirações, acha que tendo sido mais de 40 anos juiz, mandando pessoas cumprir penas, tinha medo de alguma coisa? Isto não significa nada, é zero. E não me pesa minimamente, nada, na consciência.
Não lhe pesa na consciência, não significa nada para si. Mas significa por exemplo para a filha de Mário Mesquita, que manifestou publicamente o seu choque perante o facto de se ter retirado o nome do pai da capa do livro.
Ela que mo diga a mim pessoalmente, não é publicamente. Que se dirija a mim se se sentir agravada. Não vou dirigir-me a ela porque nunca agravei o pai dela. Antes pelo contrário, prestei-lhe uma homenagem na ERC. E ela não me disse nada sobre isto. Sabe? Há gente que gosta de criar factos onde eles não existem. Para mim a capa não significa nada, o que significa é o conteúdo. O livro vale pelo conteúdo. E o nome já estava dentro do livro, o dele e o do Dr João Pedro Figueiredo. E se eu estivesse disposto a incomodar-me... Posso mostrar o volume de texto escrito para aquela obra, para além da apresentação na Assembleia da República pelo professor Mário Mesquita, e o volume, contado por linhas ou por palavras, que escreveu o Dr João Pedro Figueiredo. Além dos outros. Íamos pôr na capa todos?
Todos os livros desta coleção têm textos de vários autores. Esteve a contar as linhas que cada um escreveu?
Não, não. Mas o Dr João Pedro Figueiredo tem um texto - contacte-o, se quiser dar-se a esse trabalho - enorme sobre o tema do livro, um texto de mérito e de fundo. Até porque na fase final, o professor Mário Mesquita, para além da apresentação na AR, já não escreveu. Estava numa fase de revisão. E é por isso que estão lá os dois nomes. E dentro do livro [na ficha técnica] está primeiro o nome do professor Mário Mesquita.
Nesse caso, por que motivo não pôs os dois nomes na capa, como sucede em várias obras da coleção?
Quando dizem supervisão, é uma questão de mérito. E aquilo é uma coletânea. Agora vamos publicar um livro com os discursos do procurador-geral Cunha Rodrigues e de todos os outros que foram fazer comunicações à reunião do Conselho Consultivo da ERC, e de quem é a coordenação? A ideia que lhe posso dizer e que eu não me ponho, nem nunca me pus, em bicos de pés. Porque senão punha lá o meu nome na capa. Porque eu é que tenho esse pelouro. Aquela capa estava feita à revelia de quem tinha autoridade para mandar fazer a capa, que era eu. Eu não abdico das minhas competências, por muitas críticas... Não tenho medo da crítica.
Depois de uma pessoa morrer, estando o nome dessa pessoa na capa de um livro, porque essa pessoa iniciou o estudo em causa, supervisionou, trabalhou naquela obra, não era de esperar que houvesse uma reação quando manda retirar o nome?
A capa estava feita à revelia de quem tinha autoridade para mandar fazer a capa que era eu. Porque a capa foi feita depois da morte do professor Mário Mesquita. A primeira versão foi em vida do professor Mário Mesquita, mas se tivesse sido submetida à aprovação do professor, e ele a tivesse aprovado, eu nunca a mandaria alterar. Era um ponto ético e deontológico assente. Que eu prezo muito, e daí não me afasto. Mas ele não aprovou - se encontrar um testemunho em sentido contrário, sujeito-me a ser acareado. E o que se esquecem de dizer é que a capa não me foi mostrada, e era eu que tinha o pelouro. E fui verificar o que havia, ainda não tinha sido dado o imprimatur [ordem de impressão] daquele texto, e eu pensei: vamos meter todos? Ainda sugeri que ficassem os dois nomes, do professor Mário Mesquita e do Dr João Pedro Figueiredo, mas o Dr João Pedro Figueiredo achou que teria dúvidas em ficar, então eu disse: o copyright é da ERC, fica só a ERC. E pronto, foi assim. É uma história tão simples de contar, que não percebo como é que se transforma isto num agravo, numa ofensa post mortem, que são as mais dramáticas em relação à memória...
O facto de tanta gente achar isso não o faz pensar que aquilo que fez pode ter essa leitura?
Não sei se há muita gente, se há pouca gente. Acho que há um abaixo-assinado de repúdio... É um desagravo, pronto. Eu vejo atos de repúdio a tanta gente, tantos políticos ilustres que foram vilipendiados na praça pública, e agora eu vou vilipendiá-los porque há uma série de pessoas que lhes chamam isto e aquilo? Não! Eu até lhe posso dizer que noutras áreas tive como assessores políticos que foram vilipendiados e que até achei que estavam a ser vítimas de agravos injustos. E se fizer uma sondagem pública, é natural que encontre duzentas ou trezentas pessoas que digam que eles eram uns bandidos, como encontrará duzentas ou trezentas a dizer que eram uns santos. E eu em relação a estas pessoas devo dizer-lhe o seguinte: há ali dois ou três nomes, que vi no seu texto de quarta-feira, dois ou três pessoas que me admira ver, porque tinham obrigação de conhecer a situação. Mas não interessa entrarmos numa de tricas e má-língua. Estou a tentar ser exato e rigoroso, a dar-lhe as explicações que daria em público. Espero ter esclarecido.